Texto: Paulo Victor Melo | Especial para o JSB
No mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, é fundamental olharmos para as questões centrais que envolvem a agenda socioambiental no Brasil. Uma dessas questões é, sem dúvidas, a política energética, as disputas econômicas e de poder que se dão em torno dela e os impactos das matrizes energéticas majoritárias em nosso país.
Para tratar desses temas, conversamos com Joilson Costa, que é Coordenador Executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, articulação que reúne dezenas de organizações da sociedade civil e que visa, dentre os seus objetivos, “promover a conscientização e mobilização de cidadãos e cidadãs em vista da transformação do atual modelo energético, a partir da compreensão da energia como um direito, garantido por políticas públicas do Estado brasileiro”.
Essa perspectiva da energia como um direito, reivindicada pela Frente, tem como um dos desafios a superação da lógica dominante na definição do modelo energético pelo poder público, que tem como um dos principais resultados a perda de territórios por brasileiras e brasileiros. “Importante observar que em alguns casos isso pode significar a remoção não apenas de pequenos grupos e comunidades, mas de cidades inteiras e de um contingente de pessoas muito grande, como no caso hidrelétrica de Três Gargantas, que é a maior do mundo com 22.500 MW de potência, mas precisou deslocar mais de 1 milhão de pessoas!”, denuncia Joilson.
O coordenador da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil denuncia ainda que “as injustiças socioambientais não são exclusividade de empreendimentos hidrelétricos e de combustíveis fósseis. Mesmo a energia eólica e solar podem causar grandes injustiças também, como já se pode observar em especial no Nordeste brasileiro com a expansão acelerada de grandes parques eólicos que podem ocasionar entre outras coisas a restrição de acesso a territórios e conflitos fundiários”.
Na entrevista, Joilson fala também sobre o projeto Nossa Casa Solar, desenvolvido pela Frente, que busca dar visibilidade às potencialidades da geração de eletricidade de forma descentralizada e alinhada à construção de um ambiente mais saudável para toda a população.
Ao longo da história, o Estado brasileiro priorizou um modelo energético baseado na construção de hidrelétricas e no uso de combustíveis fósseis. Quais as principais consequências dessa opção em termos de injustiça socioambiental?
Entre as várias injustiças socioambientais decorrentes dos projetos de grandes empreendimentos hidrelétricos posso citar uma das mais conhecidas que é a remoção de pessoas dos locais que serão alagados ou afetados pelo empreendimento. Importante observar que em alguns casos isso pode significar a remoção não apenas de pequenos grupos e comunidades, mas de cidades inteiras e de um contingente de pessoas muito grande, como no caso hidrelétrica de Três Gargantas, que é a maior do mundo com 22.500 MW de potência, mas precisou deslocar mais de um milhão de pessoas!
As injustiças relacionadas ao deslocamento de pessoas – que podem acontecer também com outros empreendimentos energéticos, dizem respeito, por exemplo, à interrupção de toda uma história que as pessoas possuem com o seu local de origem, que para alguns grupos é até sagrado. Alterações no modo de vida e, às vezes, na própria cultura do grupo deslocado, que em muitos casos não recebe condições de reproduzir no novo local as mesmas relações, as mesmas atividades produtivas, às vezes a única coisa que aprenderam a fazer na vida, como pescadores deslocados para centros urbanos e sem possibilidade de continuarem exercendo a atividade de pesca.
Outra grande injustiça relacionada aos deslocamentos é a forma como as próprias remoções ou desapropriações são feitas, sendo que em muitos casos as compensações devidas e/ou indenizações se arrastam por décadas, como no caso da hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo.
Em relação à exploração de combustíveis fósseis é importante observar que podem ocorrer também restrições de acesso a locais, restrições de atividades pesqueiras, risco de grandes acidentes ambientais, como o vazamento de toneladas de petróleo ocorrido em 2019 que atingiu vários estados do Nordeste e Sudeste do país e que até hoje segue sem uma origem definitiva e consequentemente sem a necessária responsabilização.
Por fim, é importante dizer que as injustiças socioambientais não são exclusividade de empreendimentos hidrelétricos e de combustíveis fósseis. Mesmo a energia eólica e solar podem causar grandes injustiças também, como já se pode observar em especial no Nordeste brasileiro com a expansão acelerada de grandes parques eólicos que podem ocasionar entre outras coisas a restrição de acesso a territórios e conflitos fundiários, por exemplo.
Em sua carta de princípios, a Frente por uma Nova Política Energética diz que tem como missão “contribuir para a viabilização de uma nova política para o setor energético que responda adequadamente aos desafios do século 21”. Quais os principais desafios em termos de política energética hoje no Brasil, no sentido de preservação da biodiversidade e garantia de justiça socioambiental?
A maioria dos grandes empreendimentos energéticos traz consigo grandes danos ambientais e, consequentemente, riscos para a biodiversidade local. Neste sentido, creio que o principal desafio seja desconstruirmos o pensamento que insiste em privilegiar os grandes empreendimentos em detrimentos de soluções mais localizadas e de menor impacto socioambiental. Um exemplo claro de que estas soluções funcionam é a chamada geração distribuída de energia elétrica, que atualmente no Brasil possui quase 6.000 MW de potência instalada através de quase 500 mil mini ou micro usinas de até 5 MW cada uma. Por ser gerada localmente (e mais de 97% através de painéis fotovoltaicos) essa eletricidade é gerada com baixíssimo ou nenhum dano ambiental.
Portanto, o grande desafio é descolonizarmos o governo brasileiro, que planeja e executa a política energética nacional, do pensamento centralizado. Não há dúvida que a geração descentralizada, democrática e localizada ajuda na preservação da biodiversidade.
Um dos projetos desenvolvidos pela Frente é o “Nossa Casa Solar”, que defende o uso da energia solar fotovoltaica descentralizada. Qual o potencial brasileiro de utilização deste tipo de energia e quais os objetivos do projeto?
Como disse anteriormente, a geração descentralizada está tendo no Brasil uma grande expansão, fruto de seu enorme potencial de utilização, e mostra que pode ser mais significativa, inclusive do que a geração centralizada, porque diante dos cerca de 3.000 MW em potência instalada através das chamadas fazendas solares, nós temos mais de 5.700 MW espalhados em vários telhados do país.
Claro que, por questões técnicas, a geração distribuída conectada ao sistema elétrico deve ter um limite de inserção, pois somente ela não é suficiente para prover o abastecimento contínuo de todo o sistema. No entanto, atualmente essa inserção ainda não chega nem a 3,5% de toda a matriz elétrica centralizada, que é de cerca de 175.000 MW.
Portanto, ainda há margem para mais energia solar descentralizada. O próprio Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) atual projeta para 2030 uma potência de 25.000 MW, sendo mais de 90% solar. Já o Plano Nacional de Energia em um dos seus cenários cita que a geração distribuída poderia chegar a quase 50.000 MW de potência instalada em 2050, também em sua maioria solar fotovoltaica, que é a fonte que tem maior potencial de penetração nos meios urbanos e que a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil defende como fonte a ser privilegiada.
E justamente por isso a Frente desenvolve a campanha chamada “Nossa Casa Solar” e um projeto apoiado pelo Jubileu Sul Brasil com o mesmo nome, com o objetivo de fazer com que essa iniciativa seja mais conhecida e a possibilidade de geração de eletricidade de forma descentralizada seja popularizada em nosso país, em prol de um ambiente mais saudável para todos.