Para além da questão recorrente da negligência política, a população migrante é vítima do sistema econômico ancorado na manutenção do capitalismo.
Por Marcos Vinicius dos Santos* | Jubileu Sul Brasil
Quem bate a nossa porta? Quando se propõe o debate sobre a questão migratória, raramente se lembra, que a grande maioria das pessoas, estão sendo forçadas a fugir de sua pátria em nome da sobrevivência. Por isso, o acolhimento é tão importante, até porque a Constituição brasileira garante direitos iguais a todas as pessoas residentes no país.
Abrindo a discussão sobre o tema Ana Valin, da articulação Grito dos Excluídos e responsável por coordenar a primeira mesa do debate durante do seminário “Migração e Diálogo: quem bate à nossa porta?, lembrou a importância de ampliar o olhar da população brasileira, com relação à questão migratória, alertando que este é um tema social muitas vezes ignorado, salvo casos em que acontece alguma situação extrema, apesar de ser cada vez maior o número de pessoas de outros países da América Latina que chegam ao Brasil.
Como exemplo emblemático temos a situação atual do povo venezuelano, que atravessa a maior crise migratória da América e a segunda maior do mundo ficando atrás apenas da Síria. Tudo isso em meio a uma pandemia de Covid-19. A falta de recursos como alimentos, água e remédios está entre as principais causas que obrigaram mais de 500 mil venezuelanos a fugir do seu país.
Modelo econômico e migrações
O Brasil recebeu e acolheu mais de 261 mil desses venezuelanos, segundo dados informados pelo Alto Comissionado das Nações Unidas. A população venezuelana no Brasil equivale a 18% da parcela total do 1,3 milhão de refugiados e migrantes do país. O prognóstico é que esses números sigam crescendo, devido a hiperinflação, queda na economia e crise humanitária da Venezuela, portanto, o acolhimento se faz cada vez mais necessário.
Essas características do sistema econômico não são apenas coincidência. Elas fazem parte de um conjunto de estruturas que mantêm a concentração de renda na mão de poucas pessoas, em troca da exploração irrestrita do trabalho, que é ainda mais forte em países fora do centro do capitalismo.
O assunto marcou o encontro, a questão também é pauta de luta na 6ª Semana Social Brasileira, articulação que envolve movimentos populares e pastorais sociais a partir do lema “Mutirão pela vida: Por Terra, Teto e Trabalho”. É na falta dessas condições básicas que as pessoas são impelidas a migrar em busca de uma situação melhor. Ou seja, os fluxos migratórios são consequências do modelo de desenvolvimento estabelecido pelo capitalismo, que nas suas práticas expulsa pessoas de suas terras e retira seu direito ao trabalho.
“É esse modelo de desenvolvimento, que expulsa as pessoas dos seus países, que impele as pessoas, porque não existe migração natural, espontânea. Hoje a migração é forçada de todas as maneiras: pelo modelo capitalista, pelas catástrofes e pelo processo econômico. Esse sistema econômico capitalista ele trabalha para que as pessoas sejam jogadas no lixo mesmo”, afirmou, Sandra Quintela, articuladora da Rede Jubileu Sul, em uma análise.
Quintela ainda lembrou que o mesmo sistema que é amplamente aberto ao capital estrangeiro acaba com a concorrência e a possibilidade de desenvolvimento das nações periféricas do capitalismo, alertando para o fato de que é esse processo que gera ostensivas políticas contra pessoas em situação de migração. A economista também lembrou a contribuição econômica das pessoas migrantes para as economias nacionais.
“Em 2020, as remessas feitas pelos imigrantes aos seus países de origem foram maiores do que o tal do chamado investimento estrangeiro direto, esse não é um dado qualquer, isso foi apresentado pelo Banco Mundial. Por exemplo, nos países mais pobres os imigrantes enviaram 259 bilhões de dólares neste ano. Já os investimentos estrangeiros diretos foram de 179 bilhões. Se a gente pensar nos países de renda média, como o Brasil é considerado, as remessas dos imigrantes foram de 540 bilhões de dólares”.
A dívida é tema central da Rede Jubileu Sul Brasil, e desde a sua formação vem se observando como o capital pode ser devastador nos territórios expulsando pessoas de sua própria terra e removendo suas possibilidades de trabalho e renda. Esses valores podem indicar como a política do mercado financeiro tem muito mais interesse em explorar o trabalho e especular com o capital da dívida pública, do que promover investimentos diretos.
A mesa integrou a programação da 36ª Semana do Migrante realizada entre os dias 13 e 20 de junho de 2021 pela Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), Jubileu Sul Brasil, 6ª Semana Social Brasileira, entidades parceiras e apoiadoras. A iniciativa faz parte dos Encontros sub-regionais sobra a situação das pessoas deslocadas e migrantes na região do Cone Sul e integra a ação de Fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil, com o cofinanciamento da União Europeia.
Sobre o tema
Em dezembro de 2020 o Jubileu Sul Américas lançou o estudo “Migrações: realidades, lutas e resistências”. A publicação foi elaborada por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores/as, o estudo traça um panorama dos processos de migração na região latinoamericana e caribenha e aborda os marcos jurídicos relativos à proteção dos direitos humanos de pessoas migrantes. A publicação também detalha as políticas migratórias e ressalta experiências de pessoas migrantes em cinco países específicos: Argentina, Brasil, Haiti, Honduras e México.
*Com supervisão de Jucelene Rocha