A iniciativa do Fórum Nacional de Reforma Urbana tem por objetivo denunciar casos de violações de direitos humanos e ameaças de despejo e conta com diversas organizações parcerias na realização, entre elas a Central dos Movimentos Populares e a Rede Jubileu Sul Brasil.
Por Jucelene Rocha | Jubileu Sul Brasil
“Nós queremos ficar aqui e precisamos desse apoio. Aqui tem mulheres, crianças, idosos e nossa luta é para todas as famílias que estão nessa mesma situação”, afirma Elsa Medeiros, moradora da ocupação Vito Giannotti, que fica no bairro do Santo Cristo, na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
A Vito Giannotti integra o roteiro da Missão-denúncia que acontece de 12 a 14 de setembro de 2022 em territórios do Rio de Janeiro e Petrópolis. As Missões-Denúncia são uma iniciativa construída por diversas entidades, redes e movimentos populares urbanos para denunciar casos de violações de direitos humanos e ameaças de despejo, assim como também busca ampliar o debate com os poderes públicos para construção de soluções.
O Rio de Janeiro é o segundo estado brasileiro que mais realizou despejos durante a pandemia de Covid-19. De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, um total de 5.590 famílias foram despejadas de suas casas e moradias, de março de 2020 até maio de 2022. Outras 3.481 famílias seguem ameaçadas no Rio de Janeiro.
“Estamos participando da missão-denúncia, já visitamos hoje (13) a ocupação Vito Gianotti e o Quilombo da Gamboa. Estamos vendo como as mulheres estão engajadas e percebemos que a participação se deu muito pela articulação que estamos fazendo nesses territórios. É importante demais esses momentos de diálogos com as mulheres porque elas estão extremamente vulneráveis”, relata a articuladora da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais, Gorete Gama.
A programação da missão-denúncia conta com visita a nove territórios ocupados e comunidades do Rio de Janeiro e Petrópolis. Na quarta-feira (14) haverá também a Audiência Pública “Missão de Denúncia de Violações do Direito à Moradia”, a iniciativa foi convocada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – Ministério Público Federal (MPF).
Confira toda a programação da Missão-denúncia AQUI
Ocupação Vito Giannotti
A ocupação Vito Giannotti, no bairro do Santo Cristo, na Zona Portuária do Rio, teve origem no dia 15 de janeiro de 2016, completou 6 anos em 2022. O nome da ocupação é uma homenagem para o ativista sindical e comunicador popular Vito Giannotti, falecido em julho de 2015. Giannotti foi criador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), que é uma referência em comunicação sindical e popular no Brasil.
Ocupada inicialmente por 28 famílias, o prédio pertencia ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e estava abandonado há mais de dez anos, sem cumprir sua função social. De fato, o prédio já tinha sido declarado “local de interesse social” em 2006 por uma portaria do próprio INSS e já poderia ter sido destinado para habitação de interesse social. Aliás, a ocupação venceu um edital público da caixa em 2018 para reforma e regularização do prédio. No entanto, até o momento a ocupação não foi regularizada e ainda paira a ameaça de remoção por parte do governo federal. Já foram diversos os pedidos de reintegração de posse ameaçando a permanência das famílias no local, felizmente todos suspensos ou anulados em ações articuladas pelos moradores, seus movimentos populares e assessoria jurídica. Os movimentos que apoiam e sustentam a ocupação são formados pela Central dos Movimentos Populares (CMP), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a União Nacional de Moradia Popular (UMP).
A ocupação Vito Giannotti é um símbolo importante da luta por habitação de interesse social na zona portuária e na área central, frente aos projetos de renovação urbana que tem sido implementados na região e ameaçado a expulsão das classes populares.
A reivindicação imediata da ocupação é a assinatura do Termo de Transferência de Gestão do Imóvel (TTG) pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e a abertura de processo de regularização da moradia pelos atuais ocupantes.
Quilombo da Gamboa
O projeto de habitação popular Quilombo da Gamboa surgiu em 2008, como resultado de uma grande mobilização nacional de movimentos sociais de luta pela moradia, para garantir o cumprimento da função social pelos imóveis da União, a partir da produção de habitação de interesse social no centro do Rio de Janeiro. Desde então, o projeto se colocou como uma alternativa para alguns moradores do extinto projeto Quilombo das Guerreiras, que sofria com um processo de desgaste interno acentuado pelas pressões externas motivadas pelo contexto de transformação do Porto Maravilha. No lugar do projeto “Quilombo das Guerreiras”, se pretendia erguer as “Trump Towers”, que seriam um marco físico e simbólico da transformação daquela região da cidade.
A partir da luta e reivindicação de movimentos sociais atuantes no Rio — Central de Movimentos Populares (CMP) e União por Moradia Popular (UMP) — integrantes do Quilombo das Guerreiras conseguiram o terreno da união atualmente destinado ao projeto Quilombo da Gamboa, no bairro de mesmo nome que deve servir de moradia para 116 famílias. Após conseguirem a concessão de uso do terreno, de propriedade da União, eles conseguiram a inclusão do projeto no programa habitacional Minha Casa Minha Vida — Entidades, tendo o contrato com a Caixa Econômica Federal assinado em 2015.
A assinatura do contrato, entretanto, não representou o fim da luta para os moradores e movimentos envolvidos com o projeto. Inserido no cenário da Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha, o projeto sofreu sucessivas tentativas de ocupação dos terrenos que lhes tinham sido destinados pelos mais diversos agentes: desde empresários ligados ao entretenimento até prestadores de serviços que apostavam na rápida ocupação da área por empreendimentos corporativos e voltados para as classes média e alta da população. Além das disputas pelo território, o projeto teve que enfrentar as burocracias da Caixa Econômica Federal e as mudanças de rumo no governo federal, que fizeram com que o financiamento contratado não fosse liberado até hoje.
Apesar dos inúmeros desafios, o Quilombo da Gamboa é tido pelas 15 famílias que ocupam os terrenos, atualmente, como um espaço de luta e resistência, além da última esperança de garantir uma casa própria na área central da cidade. Eles destacam que a região conta com infraestrutura de transporte, serviços públicos e, mais importante, é perto das localidades que mais oferecem emprego na cidade, permitindo que os moradores possam se manter ocupados sem os custos do transporte para as periferias, caros e que tomam horas de trabalhadores e trabalhadoras diariamente, dificultando o convívio familiar.
Os moradores não estão diretamente ameaçados, mas o abandono por parte do poder público torna a luta incansável pela permanência. Os moradores relatam medo de terem que sair dos terrenos destinados ao projeto por não terem nenhuma outra opção de moradia, especialmente considerando a impossibilidade de pagarem aluguel no cenário de crise econômica atual.
Apesar dos desafios e dos medos, os moradores têm sonhos para o Quilombo da Gamboa. Entre os mais citados, o de efetivar o projeto que previa a construção de cinco prédios, com 116 apartamentos, podendo contemplar mais famílias em situação de vulnerabilidade e garantir uma infraestrutura digna para os filhos, com área de lazer e convivência.
A reivindicação da ocupação é conseguir financiamento para efetivar a construção dos imóveis e regularizar a situação urbanística da ocupação.
*Com informações da Campanha Despejo Zero
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