Milhares de pessoas marcharam nesta quarta-feira (10) em Lima, Peru, cobrando mais respeito pelos territórios historicamente invadidos e saqueados em toda a América Latina. Com gritos de “La tierra no se vendo, la tierra se defiende”, a marcha-protesto aconteceu dentro da programação da Cúpula dos Povos que ocorre em paralelo à realização do Conferência das Partes, a COP 20.
A marcha teve como ponto de concentração o Campo de Marte que, logo cedo, começou se encher de cartazes, cores e bandeiras. Em seguida, prosseguiu pelas principais ruas e avenidas do Centro de Lima até chegar à Praça San Matin, onde houve um ato de encerramento da caminhada.
Para além de representantes de partidos políticos e de autoridades presentes – a prefeita de Lima, Susana Villaran foi vaiada na noite de abertura da Cúpula e alvo de manifestantes em pleno palco do evento – ficou claro que a Cúpula pertence aos povos e suas variadas lutas que terminam tendo em comum o fim da dominação de um povo sobre outro, o fim da dominação por um sistema.
O que se viu nas ruas foi a resistência estampada nos rostos de quem a pratica diariamente. Jesuíno Gomez, faz parte da Federação de Rondas Campesinas. Se o estado não protege os povos e os territórios, a comunidade organizada se junta e trabalha defendendo as terras dos invasores. Gomez é do distrito de Caynarachi, província de Lama. “Somos ‘ronderos’. Nosso serviço é estar atento às violações que as comunidades têm sofrido por conta da mineração. Entra governo e sai governo e continua a mesma coisa”, disse.
De fato, há anos o país – com conveniência dos governos – é cenário de intensa exploração mineira, sobretudo das empresas canadenses. “Eles ficam ricos e nós somos expulsos de nossas terras. Não queremos riqueza. Queremos o que é nosso por direito”, completou.
Andando mais à frente, uma bandeira verde construída com muitas mãos, com pelo menos 20 metros de cumprimento ocupava a rua. “Conga no va”. Outro projeto mineiro que há tempos ameaça Cajamarca e outras províncias próximas, explorando ouro e cobre. Orçado em bilhões de dólares, o projeto da empresa Yanacocha se encontra atualmente parado por conta da série de conflitos que já ocorreram e trâmites legais que ainda não foram resolvidos.“Queremos água, não o ouro”, dizia o cartaz, alimentando o principal argumento dos moradores de que a instalação do projeto Conga vai comprometer totalmente os recursos hídricos de toda a região.
Em plena Cúpula dos Povos frente às tomadas de decisões sobre questões climáticas, Bagua não poderia estar de fora. Em 2009, protestos motivados por uma série de decretos que deslegistimavam por completo as comunidades da região sobretudo aos bens naturais, um conflito entre indígenas e forças policiais do estado peruano deixou, pelo menos, 30 mortos. Os decretos favoreciam claramente as empresas interessadas em explorar jazidas de petróleo, devastar florestas, interferir na questão da água, ou seja, um exemplo notório de exploração de recursos naturais em detrimento da vida, como sempre, sem nenhuma consulta prévia. Pelo Peru, o Convênio 169 da OIT ainda está longe de sair do plano teórico. Cinco anos depois, os povos indígenas estavam lá para dizer que “Bagua no se olvida” e que não se dará um passo atrás.
As mulheres. Impossível pensar na luta em defesa da natureza, dos bens comuns e dos territórios sem enfatizar o papel da mulher indígena, com toda a carga de ancestralidade, com todas as cores de suas roupas e força em cada traço de seus rostos. A figura personificada do compromisso com a Mãe Terra. Estavam lá em várias organizações, de diferentes frentes de atuação, vindas de regiões variadas, mas unidas numa marcha que, acima de tudo, reclamava pela igualdade, respeito e soberania dos e para os povos sem distinção de raça, gênero ou classe. Marcelina Huaman, lutadora do distrito de Cañaris, disse que esses momentos as fortalecem, mas não se pode deixar de esquecer que a luta se reconhece desde as comunidades. “É bom porque muita gente não sabe o que passamos no Peru, o quanto somos povos lutadores. A gente luta, vai continuar lutando. Lutando e marchando”, falou.
Chegando à Praça San Martin, alheio ao palanque armado pela Cúpula dos Povos, um grupo indígena fazia um ritual de perdão, encontro e respeito, uma saudação à Pachamama, onde quem passava era convidado a participar. E a gente se uniu ao redor, tomando da bebida, reverenciando a natureza. Estado de gratidão. Um dos momentos mais fortes da marcha e mais significativos pela essência sem espetacularização.
Neste 10 de dezembro 2014 – Dia Internacional dos Direitos Humanos – o Peru foi a voz uníssona de todos os povos explorados da América Latina; dos e das excluídos/as, vítimas de um sistema covarde de dominação. Mas que, pelo contrário, não se vitimizam. Alçam voz, erguem armas, e dizem um sonoro não a este processo de recolonização.
Neste dia 10, as gentes se irmanaram junto ao Peru, pessoas vindas de todos os lugares do mundo, num bravo reclamo à dívida histórica com o povo latino-americano, da Ásia e África. E fica o lema da Cúpula, que os povos ancestrais há muito tempo já comungam: mudemos o sistema, não o clima!