“Nosso sentimento é nossa vida e nossos pedidos legítimos, diante desses danos que sofremos contra os direitos humanos de nosso povo. Já não pedimos mais nada, pedimos apenas o que está estabelecido nas leis, que são os direitos e as leis nacionais e nas leis internacionais, só pedimos isso”.
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
A fala emocionada da liderança indígena Avá-Guarani paranaense Julio Martínez marcou o lançamento internacional do livro “Deuda Histórica de Itaipú Binacional lado paraguayo, con el pueblo Ava Guarani Paranaense” (disponível para download gratuito no final do texto), de iniciativa da Associação Yvy Parana Rembe’ýpe na qual os indígenas exigem reparação pelo exílio forçado e o etnocídio causados pela construção da hidrelétrica binacional.
O lançamento ocorreu em 19 de agosto, como parte da programação do terceiro e último dia do II Seminário Internacional Soberania Energética, Integração Elétrica e Gestão Pública para o Bem Viver, realizado presencialmente no Sindicato dos Trabalhadores da Administração Nacional de Energia Elétrica – SITRANDE, em Assunção (Paraguai), e via Zoom e redes sociais do Jubileu Sul Brasil.
Em sua fala, no idioma guarani originário, que contou com tradução do mediador Oscar Rivas, Julio (no centro da foto, ao microfone) falou da resistência e da vida numa tenda de lona, na tentativa de reaver a terra pertencente aos Avá-Guarani. “Queremos simplesmente aproveitar aquela área protegida porque aquela floresta sempre foi nossa. Queremos pescar e nos proíbem, queremos usar os outros elementos que a floresta tem, que nos oferece e sempre nos ofereceu, como nossas tradições”.
Outra liderança Avá-Guarani presente no lançamento, Cristóbal Martínez afirmou que com o livro “estamos denunciando muito claramente as coisas que propomos, que reivindicamos. E o que peço e fico feliz é por estarmos todos juntos, é que continuemos assim e que vocês nos acompanhem nesta reivindicação que há tanto tempo fazemos, para que juntos possamos alcançar o nosso objetivo”.
Parlamentar do Mercosul pela Frente Guazú, o paraguaio Ricardo Canese disse que o livro sintetiza as reivindicações para o embate por reparações, falou sobre a mobilização coordenada entre os Avá-Guarani dos dois países e que participa de uma série de agendas e audiências públicas como parte da luta por reparação.
“Para o povo paraguaio e brasileiro, o ideal é justamente compensar essa dívida histórica, pois a melhor forma de administrar uma hidrelétrica de reservatório é com os povos originários, que sempre estiveram lá, que sempre cuidaram do meio ambiente. Acho muito oportuno ouvir nossos companheiros e conhecer suas demandas, que são as mais justas e convenientes para todos”, concluiu.
Segundo dados da própria Itaipu Binacional, o pagamento de royalties como compensação pela produção hidrelétrica rendeu mais de US$ 12,8 bilhões ao Brasil e Paraguai desde março de 1985, dos quais mais de US$ 3 bi aos municípios limítrofes à usina. Mas aos indígenas, as indenizações pagas a partir de 1981 tiveram valor irrisório e as famílias atingidas não puderam comprar nem um hectare de terra na área (saiba mais).
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Sobre a publicação
Ao longo dos capítulos, o livro discorre sobre os danos sofridos por cerca de 600 famílias indígenas desalojadas com o represamento, e os impactos sobre o tekoha, como é chamada cada comunidade de um espaço cultural Guarani, que compreende um conjunto de recursos naturais e a organização político-religiosa, todos destruídos pela usina.
Além das reivindicações, a obra também traz relatos e memórias dos indígenas, aponta as mentiras propagadas por Itaipu no processo que levou ao exílio das comunidades, e ainda um anexo com análise de jurisprudências, leis nacionais e internacionais sobre proteção e direitos territoriais dos povos indígenas.
Baixe o livro (em espanhol):