Na tarde desta terça-feira (13), o Jubileu Sul lançou o estudo Endividamento, histórico de lutas e propostas alternativas nos países da América Latina e do Caribe, promovendo debate virtual ao vivo com o autor, o economista e doutor em Política Social Helder Gomes (confira a íntegra do estudo).

A atividade é parte da programação da Semana de Ação Global Contra a Dívida e as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), mobilização internacional que começou neste dia 10 e segue até o próximo 17 de outubro para reivindicar a anulação, cancelamento e o não pagamento das dívidas, no mesmo período em que reúnem o Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. 

Para explicar a estratégia de dominação imperialista total, Gomes primeiro faz um resgate histórico tratando de diferentes períodos e regiões até a questão do endividamento nos países da América Latina, Central e do Caribe. Segundo o economista, a partir da segunda metade do século XIX, isso se dá não só pela exportação de capitais, com controle da produção e apropriação de excedentes pelos centros do capitalismo. Também se relaciona com a formação de Estados subalternos, o controle de fontes e matérias-primas estratégicas, especialmente com as demandas surgidas das duas guerras mundiais na Europa.

A disputa das grandes potências há dois séculos envolve ainda difusão de conhecimentos técnicos, científicos e controle dos fluxos de financiamento pelas grandes potências capitalistas. “O crédito passa a ser uma necessidade na medida em que é preciso um grande volume de capital para financiamento de capital fixo – compra de máquinas, equipamentos e tecnologia -, num fluxo de financiamentos controlado pelas grandes potências e que, com o controle técnico e científico, forma o tripé que mantém a dominação sobre as nações que estavam então nascendo”, afirma.

Depois da Segunda Guerra, esse modelo cria uma nova forma de concorrência no nível mundial com a fusão do capital financeiro com o capital produtivo, criando as condições que deram origem aos grandes conglomerados econômicos. O período também marca o surgimento das instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, como forma dos Estados Unidos comandar o refinanciamento das nações destruídas no conflito, tendo o dólar como referência das transações comerciais e especulação sobre o futuro da moeda, com os especuladores impondo suas decisões ao mundo.

“As nações acabam acumulando uma quantidade de dólares que elas têm que emprestar aos Estados Unidos, uma forma como o país encontrou para se autofinanciar, inclusive por grandes nações com grande quantidade de reservas, como a China. Essa ordem manteve os Estados Unidos como nação dominadora e o dólar como moeda mundial”.

Endividamento na América Latina e Caribe

Com a ideia central de financiar novos investimentos – na verdade uma maneira de formar reserva para proteção das grandes potências – o endividamento se estabelece na região. Isso é dos interesses das empresas porque a maioria são multinacionais, as mesmas que pertencem aos conglomerados internacionais que emprestam dinheiro.

“Esses dólares acabando entrando como dívida externa, como investimento, mas muitos desses recursos acabam sendo orientados para compra de títulos de dívida interna. Os dólares são emprestados a empresas privadas em boa parte dos países, especialmente nas maiores economias latino-americanas e caribenhas, empresas estas que repassam a moeda ao Banco Central que devolve na forma de título interna”.

Aqui, completa o economista, a taxa de juros é o que faz com que a dívida privada seja convertida em dívida pública, e por isso a taxação elevada mantida pelos bancos centrais, o que mantém um diferencial e motiva as empresas a pegar empréstimos.

No caso específico do Brasil, Helder falou sobre o esforço fiscal feito na virada do ano 2000, no sentido de cortar gastos para gerar superávit primário (que é a diferença entre as receitas e despesas públicas, desconsiderando os juros e correções monetária ou cambial) e assim pagar a dívida. Mas ainda assim o país sequer conseguia pagar os juros totais do endividamento.

“A dívida foi aumentando mais, exigindo que se cortasse cada vez os mais os gastos públicos, até que em 2003 entrou em colapso porque a economia não conseguiu mais gerar esse superávit primário. De lá para cá é só déficit e não à toa que estamos nessa situação no Brasil”, critica.

Ciclo da dívida, perda da soberania e impacto ambiental

De acordo com o economista, o mesmo movimento ocorre com outras nações, nas quais vão se acirrando as condições até que é impossível pagar a dívida, como aconteceu na Argentina. “Com moratória e negociação, a situação se agrava ainda mais no longo prazo”, completa. 

Assim, se o modelo capitalista de monopólio da produção, da ciência, da tecnologia e do controle de financiamento já era exacerbado desde o início, Gomes explica que o volume de dívidas é tão elevado que faz com que os países devedores entreguem as decisões, perdendo sua capacidade de decidir sobre o próprio futuro. Além da perda da soberania, o processo também resulta em forte degradação ambiental nas nações endividadas.

“As agências multilaterais vão criando planos de investimento que convertem a biodiversidade e as florestas em monoculturas de eucalipto, soja, gado, mineração, e vão destruindo nossa ecologia. Isso gera consequências graves para as gerações futuras e um desespero de lucro e mais lucro sem medir as consequências para a humanidade”, alerta.

Quais as alternativas?

Na última parte da apresentação, Helder Gomes trata das alternativas possíveis ao modelo de endividamento e de dominação, apontando algumas questões como fundamentais para os países afetados.

Para o economista, a primeira é “recuperar a perspectiva de que é possível mudar, recupera formas de luta que são invisibilizadas pelo tratamento político partidário que é dado pelos embates em geral. A medida em que isso privilegia a disputa de eleições, vai se perdendo a perspectiva de construir a resistência desde a base”.

Outro ponto é a preservação do saber e dos conhecimentos que os povos da região construíram ao longo de sua história, “inclusive com parâmetros de vida muito superiores a esse que propõe o liberalismo”.

Gomes defende ainda a substituição do modelo atual de Estado e ampliação dos espaços de participação política popular como pautas fundamentais na atualidade.

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