Por Karla Maria | Rede Jubileu Sul Brasil
Era um sábado de sol bonito aquele 29 de setembro. Às 9h, a região da baixada do Glicério em São Paulo já estava agitada com o entra e sai no pátio da Missão Paz, a igreja que é referência aos imigrantes da capital paulista. Naquele pátio, as bolivianas exibiam suas cholitas, as saias coloridas, e suas longas tranças para o casamento que se iniciaria. Aquele era o cenário do Seminário Migrantes e Refugiados “Não me julgue antes de me conhecer”.
Em roda, os participantes, imigrantes e membros de entidades defensoras dos Direitos Humanos lamentavam a agressão que ocorrerá na madrugada anterior no metrô de São Paulo, quando dois jovens da Nigéria e uma mulher de camarões sofreram agressões gratuitas de seguranças.
“A violência ao imigrante, no mundo todo, se torna mais grave quando o protagonista da mesma é o Estado – pois a violência se torna institucionalizada. Lembramos que somos de origem migrante, sendo o Brasil formado por migrantes do mundo todo”, denunciaram os participantes do Seminário em nota pública (CARTA DE REPÚDIO À AGRESSÃO DE SEGURANÇAS DO METRÔ DE SP A IMIGRANTES) de repúdio à agressão.
Para Jobana Moya, o discurso xenófobo e de ódio aos imigrantes no Brasil é também estimulado pela mídia que aponta problemas econômicos de modo superficial, sem esmiuçar suas raízes, e dando visibilidade apenas a disputa de vagas em creches, escolas públicas, nos hospitais e nas vagas de emprego.
“Sabemos que o Brasil passa por uma crise econômica muito grande, que faltam empregos para todos, mas a culpa não é do imigrante e sim do Estado que aplica uma política de austeridade, reduzindo os acessos à saúde, à educação e isso aumenta o preconceito contra a gente. Alguns brasileiros nos vem como se estivéssemos tomando tais direitos”, disse Jobana.
Ela é membro da Equipe Base Warmis que faz parte do Organismo Internacional Convergência das Culturas e destaca que no Brasil sua cidadania é incompleta, já que é proibida de votar. “Não temos uma cidadania plena se não podemos votar”, denuncia. A Constituição brasileira determina que só brasileiros natos ou naturalizados podem votar.

Seminário também foi espaço de manifestação contra os discursos de ódio que vigaram em disputa presidencial, nas eleições de 2018

A violência na acolhida dos imigrantes também foi destaca por Abdul Jarour, refugiado há quatro anos no Brasil. Abdul deixou a Síria em guerra e veio buscar no Brasil a paz que lhe tiraram em seu país de origem.
“Há uma crise humanitária mundial. Hoje mais de 65 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus países e estão deslocadas. Queremos chamar a atenção ao refúgio e imigração. Queremos falar sobre nossos direitos e sobre os direitos daqueles que nos apoiam, porque no Brasil, eles são criminalizados”, denunciou Abdul emocionado. Seu pai foi morto na guerra da Síria.
Abdul é membro da África do Coração, uma confederação que reúne migrantes de diversos países e que é responsável pelo maior evento esportivo voltado ao tema do refúgio, a Copa dos Refugiados. Ao seu lado, durante o Seminário, estava Enéias da Rosa, da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil.
Enéias destacou que a fala dos imigrantes só atestam o atual cenário que o Brasil atravessa, de extrema polarização, com pautas conservadoras e retrógradas. “Há um avanço da agenda conservadora sobre o conceito de direitos e não cessa a manipulação de que direitos humanos só servem para bandido. Se as pessoas pensarem em direitos humanos de forma mais ampla, entendendo que eles incluem a escola dos seus filhos, o emprego, a habitação, a saúde elas podem avaliar melhor o que elas consideram que está sendo ou não garantido. Portanto, falar em direitos humanos é falar em direito à dignidade e falta o entendimento nesse sentido”, disse.
Para Fabiana Savero, presidenta do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), o Seminário foi um momento de fortalecimento da rede de atuação em defesa de migrantes e refugiados “que estão sofrendo diretamente os efeitos dos retrocessos nos direitos sociais no Brasil e do aumento dos discursos de ódio, de racismo e de xenofobia”.
O Seminário aconteceu nos dias 28 e 29 de setembro e foi patrocinado pelo Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil e articulado por diversas entidades que atuam em defesa dos direitos humanos, como Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Rede Jubileu Sul Brasil e seu Balcão de Direitos, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, a África do Coração e a Missão Paz.
Além da participação ativa dos imigrantes durante os trabalhos, as entidades envolvidas puderam no almoço provar do tempero haitiano de Vertulie Pierre Balthazar.

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