Com informações da 6ª SSB
As Pastorais Sociais, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Organismos e Movimentos Sociais entregaram hoje (21), em reunião, uma Carta para o Consórcio dos Governadores do Nordeste Brasileiro.
A reunião contou com a participação dos bispos do Nordeste Brasileiro, governadores e governadoras do “Consórcio dos Governadores do Nordeste”, lideranças das pastorais sociais, dos movimentos populares, representantes dos povos originários e das comunidades tradicionais.
Membros da Rede Jubileu Sul Brasil também participaram do momento. O articulador do Cone Sul do Jubileu Sul Américas, Francisco Vladimir Lima; a advogada Magnólia Azevedo Said e a representante da Coletiva de Mulheres, Comunidade Pici, Cícera da Silva.
Lei na íntegra o documento
Carta das Pastorais Sociais, CEBs, Organismos e Movimentos Sociais para o Consórcio dos Governadores do Nordeste Brasileiro
“Eu ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (EX 3,7).
Vivemos, no Brasil e no mundo, o esgotamento de um ciclo político que permitiu, nas últimas duas décadas, um equilíbrio complexo – e de geometria variável – entre o neoliberalismo e as políticas sociais que buscavam minimizar o impacto das desigualdades estruturais do próprio capitalismo, mantendo vivo, contudo, um imaginário democratizante e de direitos. Esse cenário tem se alterado nos últimos anos e por isso as direitas contemporâneas começaram a falar em uma “nova política”. Que para eles, vêm sendo construída a partir da eliminação de direitos e do fortalecimento de privilégios; destruindo os serviços públicos e possibilitando a radicalização da mercantilização em nome da luta “contra a ideologização”. Todas as formas de pensamento crítico, indivíduos e coletividades comprometidos com a emancipação vem sendo ameaçados, censurados e criminalizados; concepções morais, religiosas e autoritárias são alternativas à laicidade, à democracia e à diversidade. Estamos diante de um projeto de destruição, que mobiliza sentimentos e ódios contra vida, em sua mais variada diversidade.
O Brasil vive um processo de esfacelamento de garantias constitucionais e de políticas públicas que se alicerçavam nas lutas dos povos por seus direitos territoriais e coletivos, pelo fortalecimento da agricultura familiar e agroecológica, pela soberania alimentar e outras agendas que têm primado pela superação das desigualdades estruturais de nossa sociedade.
No contexto atual, importante ressaltar o papel do Consórcio Nordeste que congrega os governos dos nove Estados do Nordeste do Brasil pelo esforço de construir ações de enfrentamento a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). De forma articulada e com liderança tem buscado medidas para a prevenção, o controle e a contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, a fim de evitar a disseminação da doença e a estruturação do sistema de saúde para o atendimento da população.
Num contexto mundial, onde 4,4 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, é preciso repensar essa forma de ser sociedade. É preciso incluir, acolher, ter empatia, é necessário tecer alternativas que favoreçam o desenvolvimento local. A economia solidária tem sido uma alternativa na geração de trabalho, renda e inclusão social, que se dá através de estratégias que integram quem produz quem vende, quem troca e quem compra. Com valores justos, pensando em consumo consciente, sustentabilidade e giro de capital nos territórios periféricos, a economia solidária é uma alternativa para o desenvolvimento local, pois valoriza a diversidade e os saberes populares, oferecendo subsídios para o desenvolvimento econômico dos territórios e para o pleno exercício da cidadania dos sujeitos periféricos.
Uma Ação Profética dentro de um ambiente (governamental) hostil
As ações desenvolvidas pelo conjunto de movimentos, pastorais e organismos nos últimos anos, apoiadas sobretudo pela cooperação solidária internacional, nos permitiram sistematizar informações que evidenciam uma nova e violenta onda de morte e destruição por todo o país, são as juventudes negras e periféricas, mulheres vítimas de todo o tipo de violência, a desterritorialização e o desmatamento, em todos os biomas, viabilizada pela desconstrução da institucionalidade ambiental brasileira e reestruturação do mercado de terras pelo atual governo.
São grupos sociais historicamente marginalizados que vem vivenciando com esse governo a erosão das suas bases e de seus modos de vida pelo cerceamento de seus territórios, transformados em zonas de sacrifício, pela expansão das atividades minerais (legais e ilegais), agroindustriais e seus corredores logísticos para exportação de commodities (soja, milho), através da grilagem de terras, da especulação imobiliária e da violência.
Temos alertado sobre a gravidade dos problemas que, por sua vez, são reforçados por essa agenda de devastação ambiental do governo Bolsonaro com suas autoritárias estratégias de desmonte. Uma dessas estratégias é a Medida Provisória 910, conhecida como ‘MP da Grilagem’, que torna “legal” a titularização de terras, normalmente inseridas em Unidades de Conservação – UC’s, e territórios ocupados por comunidades tradicionais, para fins do agronegócio e com larga utilização de agrotóxicos.
Temos buscado articular junto às organizações e movimentos sociais denúncias que essa proposta do governo deve incentivar a regularização de terras griladas, aumentar o desmatamento e paralisar os processos de demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas, como também de outras comunidades tradicionais.
Enquanto coletivo, propomos unir esforços, nestes territórios do Nordeste, para a defesa dos direitos dos povos, comunidades tradicionais, agricultores familiares, indígenas, pescadores artesanais, ribeirinhos, que têm sua coexistência ameaçada, neste momento pela pandemia do COVID-19, mas também quando vem sendo negados a permanência em seus territórios, inviabilizando sua boa convivência, a partir do encerramento de programas importantes como o Programa 1 Milhão de Cisternas – P1MC e o Programa 1 terra, 2 águas – P1+2, que permitiam o acesso à água em qualidade e quantidade, tanto para beber quanto para produzir a partir de práticas agroecológicas.
Ainda no âmbito rural, políticas públicas como o PAA e o PNAE têm tido extrema importância por viabilizar a produção agrícola e pesqueira artesanal no Brasil, principalmente, dos pequenos produtores rurais. Em resposta aos efeitos da pandemia foi assinada a Medida Provisória nº 957/2020 de 27 de abril de 2020 que abriu crédito extraordinário para ações de segurança alimentar e nutricional, no âmbito do enfrentamento à pandemia para compra de produtos da agricultura familiar. Apesar da importância do governo federal em liderar e coordenar as políticas nacionais voltadas para esses pequenos produtores, os resultados revelam que os programas federais do PNAE e PAA atenderam de forma precária e tardiamente a demanda desses pequenos produtores durante a pandemia.
Outra questão que está ligada a fragilidade do atendimento básico a saúde das populações do campo, da cidade, das florestas e das aguas, é a não adoção e consequentemente a não implementação da política de assistência à saúde desses povos, tem levando a diagnósticos equivocados e tardiamente tratados, sobretudo na população que passa muito tempo exposta ao sol e a água muitas vezes com contaminantes, seja na área rural ou próxima aos centros urbanos e industriais.
Por não se tratar de uma pauta estratégica para o atual governo, existe atualmente uma enorme dificuldade em efetivar tais políticas, agravada também pela implementação de investimentos públicos no setor do agrohidronegócio, assumido por grandes produtores e agropecuaristas que exercem forte lobby junto aos órgãos de governo, pressionando a favor de interesses privados: subsídios públicos para produção transgênica em larga escala e para aumentar a concentração de terra e renda.
A Fome e o aumento das desigualdades em tempos de Covid-19
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) realizou no final de 2020 um inquérito populacional visando analisar a Insegurança Alimentar no Brasil no contexto da pandemia da Covid-19. Dados recentes do último relatório divulgado em abril de 2021 pela Rede, revela que menos da metade dos domicílios brasileiros (44,8%) tinha seus(suas) moradores(as) em Segurança Alimentar. Dos demais, 55,2% que se encontravam em Insegurança Alimentar (IA); 9% conviviam com a fome, ou seja, estavam em situação de fome, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%).
Observou-se que a fome no domicílio dobra nas áreas rurais do país, especialmente quando não há disponibilidade adequada de água para produção de alimentos e aos animais. Domicílios com rendimentos de até ¼ do salário- mínimo per capita (SMPC) tinham níveis de insegurança alimentar grave: 2,5 vezes superior à média nacional dos domicílios.
Na área rural, relatos de redução dos preços de comercialização da produção se relacionaram com o dobro de insegurança alimentar no nível moderada ou grave. Nas regiões Nordeste e Norte do país foram observados os maiores percentuais de perda de emprego, de redução dos rendimentos familiares, do endividamento e corte nas despesas com aquisição de itens considerados essenciais para a família, todos referidos como efeito da pandemia.
Atentos e preocupados com as realidades colocadas acima, nós, pastorais, organismos e movimentos sociais da Região Nordeste, sugerimos um conjunto de proposições:
Eixo 1 – Comida para todos/as: Soberania, Segurança Nutricional e Alimentar
A Agricultura Familiar e Camponesa, a Agroecologia, a Pesca Artesanal e Sustentabilidade Ambiental como prioridades efetivas de Governo:
1. Criação de Programa de Combate à fome e superação da miséria para o Nordeste (produção de alimentos, assistência técnica e comercialização);
2. Garantir/Priorizar uma dotação orçamentária e um plano de investimento compatível com a importância estratégica da Agricultura Familiar e Camponesa, da Pesca Artesanal em todos os estados do Nordeste, promovendo iniciativas que criem verdadeiras condições para o seu fortalecimento;
3. Reestruturação dos órgãos governamentais estaduais responsáveis pelas políticas de apoio à Agricultura Familiar e Camponesa;
4. Apoiar, incentivar e criar um programa regional/estadual para adquirir sementes crioulas de milho e feijão, oriundas dos bancos de sementes para distribuição dentro do calendário agrícola dos Estados;
5. Apoiar, implantar programas de comercialização da Agricultura Familiar e Camponesa (Feiras Agroecológicas, pontos fixos de comercialização);
6. Garantir Assistência Técnica para os (as) agricultores (as) familiares, comunidades tradicionais pesqueiras, que envolvam os jovens e as mulheres, priorizando os quintais produtivos e sistemas agroflorestais;
7. Criação de programas estaduais com o mesmo caráter do PAA e PNAE com garantia da política de compra da produção das famílias que já comercializam o excesso da produção e doação simultânea para as famílias em situação de fome, assim como garantia da distribuição de refeições para os estudantes;
8. Desenvolvimento de iniciativas de cozinhas coletivas populares e de soberania e segurança alimentar a exemplo do Programa desenvolvido pelo MTST e MTD.
9. Cestas Básicas emergenciais para famílias em situação de vulnerabilidade.
Eixo 2 – Saúde é VIDA! Vacina para todos/as e a defesa do Sistema Único de Saúde
1.Defesa da vacinação de todos/as, descentralizada, coordenada e executada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como uma estratégia coletiva no âmbito da política de saúde pública e estatal;
2. Diálogo com os outros países que tem disponibilidade de vacinas para possibilidade de doação solidária para os estados do NE;
3. Vacina imediata para povos indígenas em contexto Urbano e em situação de migração, conforme decisão do STF – na ADPF 709;
4. Vacinas para o sistema socioeducativo e unidades prisionais;
5. Fortalecer o lobby pela aprovação Licenciamento Compulsório Temporário das Patentes e Propriedade Intelectual na pandemia;
6. Vetar vacinas nas farmácias e PL 948 (PL fura fila);
7. Concurso para agente de saúde e profissionais ESF e NASF;
8. Acesso a atendimento médico para os atestados de comorbidades;
9. Fomentar comitês comunitários descentralizados para dar conta das situações de não cadastramento e acesso à vacina, ao atendimento médico para o atestado de comorbidades, de vulnerabilidades para que garantamos a inclusão de todos/as;
10. Garantir que os/as Catadores/as de Materiais Recicláveis sejam considerados como atividade essencial e tenham prioridade na vacinação;
11. Garantir a ampla testagem da população diante da ameaça da 3ª Onda, garantindo a transparência para o controle e rastreamento dos infectados;
12. Acesso prioritário de povos e comunidades tradicionais ao plano de imunização;
13. Barreiras sanitárias na entrada das comunidades tradicionais, para garantir o controle de pessoas externas;
14. Não retorno as aulas presenciais sem segurança sanitária e sem vacina para toda a comunidade escolar.
Eixo 3 – Renda Básica/Economia Solidária
1. Criação ou Ampliação do Auxilio Emergencial nos estados para os grupos em situação de vulnerabilidade social (mulheres, crianças e adolescentes, idosos, população em situação de rua, população de comunidades tradicionais e indígenas, pessoas com deficiência e LGBTQI+);
2. Programas estaduais para zerar contas de água e luz e vale gás para as famílias em situação de vulnerabilidade;
3. Apoiar as iniciativas de economia solidária de forma articulada, reconhecendo seu potencial expressivo, não só como resposta à crise do emprego, decorrida da pandemia, mas de ser uma importante base para outro tipo de desenvolvimento socioeconômico, apontando para a superação do capitalismo;
4. Criar um fundo assistencial para garantir assistência para as comunidades impactadas por grandes projetos e crimes ambientais;
5. Compra de pescado da pesca artesanal para distribuição nas comunidades;
6. Criação de programas de apoio a projetos produtivos para comunidades pesqueiras, a exemplo do Projeto Maré Cheia/CE;
7. Editais de apoio a organizações juvenis na linha da economia solidária.
Eixo 4 – Nossa Casa Comum –Terra/Território e Retomada do Projeto Popular
1. Áreas de Conflitos Agrários: Garantir a terra aos trabalhadores posseiros, através da Regularização Fundiária da totalidade das posses rurais, com definições de metas e prazos e adotando a prática da adjudicação dos imóveis de empresas devedoras dos Estados;
2. Não licenciar grandes projetos nos territórios enquanto durar a pandemia;
3. Assegurar o imediato fim da violência, o restabelecimento da paz e o respeito aos direitos, em especial nas regiões de conflito agrário e urbano;
4. Fortalecimento de uma politica estadual de reforma agrária, com regularização fundiária coletiva;
5. Criação de legislação que combata a Pulverização aérea de agrotóxicos, a exemplo da lei 16.820/19, insere o artigo 28-B na lei estadual nº 12.228/ 93, que trata do uso de agrotóxicos no Ceará.
6. Criação de um comitê do Consorcio dos Governadores do Nordeste com a participação da sociedade civil e governos para o acompanhamento das ações e políticas públicas;
7. Não realizar despejos no campo e na cidade, respeitando a decisão do CNJ;
8. Proteção e defesa dos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais;
9. Apoiar os projetos de Educação contextualizada: indígena, quilombola, pesqueira, camponesa.
10. Aquisição de equipamentos eletrônicos (chips, celulares, tablet, computador) para que os estudantes e professores possam ter acesso às aulas remotas.
Que possamos juntos e juntas, esperançar e construir a sociedade do Bem Viver, com equidade e justiça socioambiental.
“Não deixe que lhes roubem a esperança” (Papa Francisco)
Articulação das Pastorais Sociais, CEBs, Organismos e Movimentos Sociais do NE.
Maio de 2021.