Nota de Conjuntura da Rede Jubileu Sul Brasil
São Paulo, 15 de março de 2020
Diante do cenário pânico e desarticulação social que a pandemia do Coronavírus provocou, em um país já castigado pela espoliação neoliberal e pela violência patriarcal e racista, a Rede Jubileu Sul Brasil vem a público reafirmar, em primeiro lugar, que, mesmo numa situação desafiadora como a atual, existem elementos na conjuntura que nos trazem força e confiança para seguirmos em luta e firmes na superação deste sistema de dominação, dor e morte.
São exemplos: o protagonismo político das mulheres, cada vez mais organizadas em movimentos e coletivos, realizando mobilizações de massa, como no dia 8 de março e transformando estruturas milenares de poder; a ação dos movimentos camponeses liderados pelas mulheres sem-terra, que na última semana fizeram atos importantes e corajosos na capital do país; a luta dos indígenas e demais povos de rios e florestas contra o avanço capitalista sobre seus territórios; a crescente e inovadora resistência da juventude negra e periférica, que desafia cotidianamente a militarização de suas vidas; o conjunto da sociedade civil organizada no Brasil e na América Latina que, apesar de suas contradições e dificuldades, segue fazendo um trabalho incansável em diversas áreas em prol dos direitos humanos e da natureza.
São diversas frentes de luta, muito além destas, que estão dando mostras da tenacidade e trazendo lições que somente os povos em luta são capazes de proporcionar.
Os desafios, no entanto, são crescentes. Destacamos alguns deles de modo a contribuir com a interpretação da realidade e com a formulação de estratégias para seu enfrentamento que, quando possíveis, seguem esboçadas a seguir:
– As classes dominantes tentarão se aproveitar do momento de crise para implementar uma nova rodada de contra-reformas privatistas e terão apoio da grande imprensa, independentemente de seus atritos pontuais com o atual governo. Precisamos impedir que a agenda econômica siga aprofundando o modelo de financeirização do Estado e dos bens comuns e exigir a revogação imediata do chamado “Teto de Gastos” (Emenda Constitucional 95) como única forma de enfrentar a pandemia do novo Corona (Covid-19).
– É necessária a reversão das políticas de endividamento público que funcionam como mecanismos de transferência de riqueza para o mercado em detrimento de políticas públicas que atendam às necessidades da população crescentemente empobrecida, endividada e passando fome em escala crescente.
– O ataque corporativo, estimulado pelo Estado, contra comunidades e territórios, assim como a movimentos sociais e lideranças de base cresce a cada dia. É preciso organizar redes de resistência e solidariedade entre as organizações do campo popular. E seguir exigindo justiça para os assassinatos políticos de Marielle Franco e Anderson Gomes, no Brasil, e Berta Cárceres, em Honduras, assim como para todos os lutadores sociais ameaçados, no campo e na cidade.
– A criminalização dos setores em luta vem acompanhada da “chantagem dos investimentos” que agentes estatais e privados fazem para avançar megaprojetos, desorganizando as resistências e se aproveitando da vulnerabilidade de comunidades que buscam condições de sobreviver.
– Nossa política não pode ser a de salvar o capitalismo de sua própria crise. Este sistema é um obstáculo ao desenvolvimento da humanidade. Precisamos superá-lo e para isto será preciso canalizar a rebeldia cotidiana que tende a aumentar, para que não seja manipulada por forças cada vez mais autoritárias, antipopulares e antidemocráticas. No ano passado comprou-se mais munição privada no Brasil do que pelas forças de “segurança pública”: a dominação social e política das milícias é um dos maiores adversários que precisamos vencer.
– Corremos o risco de ver implantado um verdadeiro “estado de sítio” global, sob pretexto de combate à pandemia. Brasil, América Latina e Caribe são parte deste cenário: em El Salvador decretou-se Estado de sítio. Trata-se do modelo de “capitalismo de desastre” em expansão. É preciso denunciá-lo, rechaçar todas as falsas soluções e colocar em pauta a discussão sobre uma sociedade anti-capitalista. Além da união de forças progressistas e de esquerda, é preciso discutir o que estamos dispostos a fazer diante da realidade atual.
– A crise atual é um projeto, não um acidente. Somente com um contra-projeto próprio poderemos enfrentá-la. A proposição de alternativas e a contra-ofensiva popular passam pela reafirmação de valores anticapitalistas, antiracistas e antipatriarcais e pela inovação nos métodos e formas de atuação política, aprendendo com as novas sujeitas, suas linguagens e formas de organização.
Há mais elementos na atual conjuntura que merecem análises e nosso acúmulo deverá ser feito coletivamente e permanentemente.
A vida acima da dívida!
Somos os povos, os credores!
Não devemos, não pagamos!