Momento é de observar a mensagem que o governo de transição enviará aos brasileiros e à comunidade internacional a respeito do futuro das políticas socioambientais no nível nacional.
Por Grupo Carta de Belém
A 27ª Conferência das Partes (COP 27) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que acontece entre 7 e 18 de novembro, em Sharm El-Sheikh, no Egito, é um ponto crucial de atenção do mundo. Em meio a impactos já sensíveis das mudanças climáticas no próprio continente africano, anfitrião da COP 27, onde uma série de inundações afetaram pelo menos 19 países e colocaram 43 milhões de pessoas em níveis de insegurança alimentar na região, o evento será o principal palco político global das próximas semanas.
O 6º Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, instância que reúne cientistas) e as mudanças sensíveis no clima do planeta mostram a urgência cada vez maior de que os países apresentem seus compromissos e cumpram na prática suas metas de transformação da economia baseada em combustíveis fósseis, para frear o aquecimento global em 1.5ºC ainda nesta década.
Apesar da urgência, os impasses políticos, impulsionados pela guerra entre Rússia e Ucrânia, não tornam o momento mais fácil para o diálogo. Em especial pela demanda por combustíveis fósseis para garantir o consumo das indústrias e da população europeia que enfrentará o alto custo para se aquecer no inverno. O mundo acompanhará como os compromissos de descarbonização da economia serão tratados na Conferência e se mais uma vez será adiada a adoção de uma matriz energética limpa.
Em junho deste ano, em Bonn, na Alemanha, o Grupo Carta de Belém esteve na reunião intersessional em que essa tensão se refletiu na relação das coalizões negociadoras, afetando a capacidade de diálogo entre os membros do G-20 e G-77 + China. O contexto é complexo também para os EUA que enfrentam dificuldades na política doméstica. A primeira semana de negociações climáticas coincide com as eleições de meio período para o Congresso dos EUA, em 8 de novembro, fundamental para a constituição de uma maioria de congressistas democratas que possa garantir o avanço do acordo climático.
Nesse contexto, a participação do Brasil é um ponto chave para tentar avançar com o debate. O presidente eleito no pleito do dia 30/10, Luís Inácio Lula da Silva, foi convidado pelo governo do Egito para participar do evento, o que trará novas perspectivas para o ciclo de governo que se inicia em 2023. Já no seu discurso de vitória, Lula destacou seis pontos estratégicos de atuação, entre eles a retomada do protagonismo na agenda climática internacional, o desmatamento zero, o combate a atividades ilegais e a crimes ambientais, a promoção do desenvolvimento sustentável através da bioeconomia, o estímulo à cooperação internacional pela Amazônia e a proteção dos povos das florestas.
Com o cenário de transição de governos, o Brasil chega dividido à Conferência do Clima. Nas duas semanas de evento, será importante acompanhar os desdobramentos dos últimos dias do governo de Jair Bolsonaro e olhar com atenção a possibilidade de “boiadas” de última hora. Além disso, será um momento de observar a mensagem que o governo de transição enviará aos brasileiros e à comunidade internacional a respeito do futuro das políticas socioambientais no nível nacional.
Esta vem sendo chamada de COP da implementação, ou seja, o momento de avançar com para colocar em prática os compromissos dos países. Nesse sentido, Camila Moreno, pesquisadora e membro do Grupo Carta de Belém, lembra que 2023 será o primeiro ano do chamado Global Stocktake, quando os países vão apresentar seu monitoramento quanto às unidades de emissão de carbono e avaliar o progresso coletivo feito no alcance das metas para conter o aumento de temperatura. Some-se a isso contexto de seca na África, e em outras regiões do mundo, vem impactando a produção de alimentos, ao mesmo tempo em que o agronegócio brasileiro tem avançado nestes anos trocando florestas por campos de soja e gado. Em meio a isso, nesta COP haverá um pavilhão específico para tratar do tema da agricultura. A pesquisadora analisa que essa é “a grande possibilidade de fazer uma repaginação da imagem do Agro brasileiro, se vestir de verde para acessar os novos mercados que estão barrados em função da intensidade de carbono das suas commodities, da sua proteína animal. Como o próprio candidato eleito à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, falou em discurso no hotel logo depois do resultado das eleições, ele vai depender desses financiamentos climáticos”, avalia Camila.
Com restrições à manifestação política das partes observadoras da Conferência do Clima, neste ano não corre a tradicional Cúpula dos Povos como de costume em espaços culturais, mas restrita a um hotel da cidade. A Cúpula do Povos é um encontro paralelo à reunião oficial, que ocorre desde a COP 15 de Copenhague, e se consolidou como um espaço de encontro e diálogo organizado pela sociedade civil global e por movimentos sociais para pensar e articular novos mundos possíveis neste contexto completo de emergência climática. Além disso, relatos sobre dificuldades para o credenciamento de observadores, emissão de vistos de entrada e restrição do trânsito pelas fronteiras da cidade-sede do evento refletem uma atmosfera pouco acolhedora à participação social.
Os mercados de carbono transformam a natureza em ativo financeiro
Viemos reafirmando que as soluções para as mudanças climáticas apontadas pelo mercado falharam, pois propõe o adiamento da ação real necessária para enfrentar a crise climática e transforma a urgência do tema em mais um mecanismo de comércio global. Assim, os sintomas das mudanças climáticas são combatidos, mas não as suas causas.
Quando se fala em mercados de carbonos é importante ter em mente que eles estão no centro de um movimento de reestruturação da economia global no momento em que o mundo atravessa uma das maiores crises do capitalismo dos últimos tempos. O mercado de carbono está no centro do que foi vislumbrado como uma solução para essa crise profunda do capitalismo. Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc e membro do Grupo Carta de Belém, destaca que os mercados de carbono estão estruturados, economicamente e financeiramente, como cotas que dão uma licença para emissão de poluição. “É um mecanismo que concede uma cota de poluição para quem tem condições de pagar por esse crédito, por essa licença”, ela explica.
Desta forma, acabam por reproduzir uma lógica de maquiagem do problema centrando a economia global em um comércio de cotas de carbono. O net zero, apontado como grande solução na COP 26, define a possibilidade de que seja estabelecida uma relação de equivalência entre emissões de gases de efeito estufa e a remoção de poluição em qualquer lugar do mundo. Parte-se do pressuposto de que se o aquecimento global atinge a todos e todas no planeta Terra, o que vale para combater as mudanças climáticas é essa relação global. Isto seria dizer que há uma equivalência universal entre emissões e remoções de gases estufa, portanto, considerando o seu impacto nos ecossistemas terrestres como um todo.
Sem abordar os efeitos locais das mudanças climáticas, a compensação tornaria possível a troca de resultados de mitigação (ITMOs) dos países. Contudo, as remoções necessárias para equilibrar as emissões não vêm sendo postas em questão com a destruição acelerada das florestas tropicais. As emissões oriundas da queima de fósseis são muito maiores que as possibilidades de remoção.
Não há saída para florestas e clima sem povos e territórios
Lideranças indígenas e quilombolas estarão no Egito representando os povos brasileiros e defendendo a importância da consulta aos povos tradicionais quando o assunto é defesa das florestas e dos territórios. Enquanto o foco do atual governo na COP 27 estaria nas “energias verdes brasileiras, a indústria e o agro sustentável”, como declarado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, ao programa de rádio estatal “A voz do Brasil”, os povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais esperam que este seja um momento de ratificar que a saída para o clima não existe sem a sua participação na defesa das florestas em pé e em respeito aos seus modos de vida imbricados com a proteção das matas.
O principal pedido à comunidade internacional passa pela criação de um mecanismo de financiamento direto para os povos indígenas, sem intermédio de governos nacionais, para apoiar a conservação da biodiversidade nos seus territórios, em especial ao cumprimento da promessa de doação de US$ 1,7 bilhão feita na COP 26, em 2021, pelos governos do Reino Unido, EUA, Alemanha, Noruega e Países Baixos, para que os povos originários sigam protegendo seus territórios e desempenhando seu papel fundamental na luta contra a emergência climática. Além disso, a defesa da demarcação e titulação de territórios segue como a principal pauta em relação às políticas nacionais para proteção dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, o que pode entrar na pauta da próxima gestão com um ministério dos povos indígenas.
Sabemos que os impactos das mudanças climáticas afetam de forma diferente as populações e isso precisa ser levado em consideração com firmeza nessa COP. A atenção às comunidades de periferia dos grandes centros do mundo passa por ponto chave na discussão, como a pauta sobre adaptação às mudanças climáticas. No primeiro semestre de 2022, nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, foi visto o potencial devastador das chuvas, que provocaram enchentes, deslizamentos e que impactam especialmente populações negras. Maureen Santos da Ong Fase e membra do Grupo Carta de Belém, questiona “tem acontecido isso todos os anos, a gente percebe que tem um aumento de intensidade de regularidade, então tem uma relação com a mudança do clima só que se já acontece todo ano, por que não tem uma política pública séria para enfrentamento dessas catástrofes?”. Ela complementa que se tem uma compreensão, do ponto de vista dos governos, que essas ações não dão visibilidade, justamente este é o ponto que que precisa ser tocado quando se trata do tema de adaptação.
Nesse sentido, é importante construir políticas públicas que deem conta da proteção das populações vulneráveis pelos impactos das mudanças climáticas. Sobretudo, é preciso destinar políticas públicas que beneficiem soluções eficazes tais como: a agroecologia, a demarcação de terras indígenas e quilombolas, a regularização fundiária de territórios extrativistas e a implantação de planos de gestão territorial e ambiental que reforçam a comunalidade e a autonomia dos povos, práticas ancestrais de conservação ambiental e economias populares e solidárias.
Na última quinta-feira, 03/11, o Grupo Carta de Belém realizou uma formação para jornalistas chegarem na COP 27 por dentro dos temas de maior relevância nas negociações.
Confira a íntegra da formação “Mapa do Caminho para a COP”: