Por Karla Maria*
Foto de Felipe Larozza
Está calor e o suor gruda no corpo. Faz 37ºC, as roupas no varal secam dando um colorido à estradinha de chão de terra batida que corre paralela à Estrada de Ferro Carajás (EFC). Estamos na Comunidade Cariongo 3, entre os solavancos dos carros e o pó da estrada. Pela janela, só há trilhos e abandono. Estamos no sul do Maranhão, na região nordeste do Brasil, em um dos estados mais pobres.
A pequena Comunidade Cariongo 3 é composta por famílias de pescadores sem peixe. Está localizada em Miranda do Norte, uma das cem comunidades das 27 cidades que são cortadas pelo trem da Vale S.A, que transporta além de minério de ferro, manganês, cobre e ouro, da Serra dos Carajás, em Parauapebas (PA), até o litoral maranhense.
Este trem é antigo. A ferrovia foi construída no início dos anos 1980, durante o governo de João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, e começou a operar em 1986, na transição democrática do País. Faz, portanto, 30 anos, que o trem corta os estados do Pará e Maranhão para a extração e transporte de minérios.
Enquanto o trem da Vale passa com seus 330 vagões de 3,3 quilômetros de extensão e capacidade de transportar 33l toneladas de minério de ferro de uma só vez, percorrendo os 892 quilômetros de ferrovia, ele corta terras indígenas, vilas, povoados, assentamentos de reforma agrária, quilombos e 22 unidades de conservação e modifica as formas de vida e socialização daquelas populações.
Para o sociólogo e professor Marcelo Sampaio Carneiro, coordenador do Programa de Pós-graduação de Ciências da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), para os municípios que são atravessados pelo trem fica muito pouco. “Do ponto de vista de agregação de valor, de geração de emprego e renda para a região dos estados do Pará e do Maranhão, fica muito pouco. O que fica é um conjunto de impactos”.
Carneiro acredita que a tendência dos impactos da ferrovia na vida das populações é piorar, tendo em vista que segue a todo vapor a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, que deve entrar em operação no segundo semestre de 2016.
Segundo a própria Vale, circulam hoje na EFC 56 composições simultaneamente, somando trens de minério, de carga geral e de passageiros. Com a duplicação, será possível aumentar a circulação para 69 composições simultâneas.
“O que permitirá atender ao aumento de produção de minério de ferro que virá com o S11D e com os projetos de expansão do Complexo Minerador de Carajás”, justifica a Vale S.A., em sua apresentação do projeto de expansão, que estima um incremento de 35% na produção anual da empresa nos próximos quatro anos, passando de 340 milhões de toneladas previstas em 2015 para 459 milhões, em 2019.
“O que a gente assiste hoje é um pouco a conclusão desse processo (de expansão) e o que ocorre atualmente em Carajás está extremamente vinculado ao que acontece à economia chinesa”, analisa o pesquisador Carneiro, que aponta uma preocupação. “O minério de ferro é um bem finito, não é renovável. Na escala que ele vem sendo explorado, o tempo de duração da jazida vai se exaurir, e a questão que se coloca é: ao final do período, que tipo de atividade econômica você terá para essa região?”.
Carneiro é membro da Rede Justiça nos Trilhos, uma organização não governamental que surgiu para assessoras as comunidades atropeladas pela atividade de mineração da Vale, e o primeiro impacto apontado é o atropelamento, mas neste caso, literal de pessoas que vivem próximas à ferrovia. Foi o que aconteceu com o irmão de Maria da Luz, 42, que vive na Comunidade de Cariongo 3.
“Perdi meu irmão por causa deste trem. Ele foi atropelado, levaram o corpo dele sem me comunicar. É muita dor e convivo com ela a cada vez que este trem atravessa meus olhos”, diz Maria, observando o trem passar, enquanto conversa conosco. Segundo a Rede Justiça nos Trilhos, a cada três meses em média duas pessoas morrem atropeladas pelos trens operados pela Vale S.A.
Um relatório elaborado por Assistente Social da Procuradoria da República no Maranhão (PR/MA) constatou a necessidade de serem adotados pela Vale mecanismos de proteção para prevenir acidentes. “O fato da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) concluir pela segurança nas vias, apesar de registros de acidentes com morte e reiteradas reclamações e notícias de fatos graves (…) pode se configurar como omissão por parte da Agência Reguladora em questão”, aponta relatório.
O Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA) já propôs ação civil pública, com pedido de liminar, contra a empresa Vale S.A. e por problemas decorrentes da operação da Estrada de Ferro Carajás, que não oferece condições mínimas de segurança nos pontos de travessia de pedestres.
A terra
Os atropelamentos não param. Em Itapecuru Mirim, a 114 quilômetros de São Luís, encontramos Anacleta Pires de Almeida, com seus 49 anos. Ela nasceu e vive no Quilombo de Santa Rosa dos Pretos, um território formado por 14 quilombos e atravessado pelas BR – 135 e Estrada de Ferro Carajás.
Nós conversamos na varanda da casa, entre as buzinadas e a poluição da rodovia, a cerca de 30 metros dos carros. Anacleta contou, numa conversa boa que durou até a noite cair, que observa mudanças em seu quilombo, com as obras da Estrada de Ferro Carajás, desde a década de 1980.
Ela lembra que quando era jovem, junto com seu pai, senhor Libânio Pires, 78 anos, pescava com a família para a sua subsistência. Pescavam com a mão, dada a fartura de peixes, mas hoje, o cenário é outro.
Anacleta conta e estudos ambientais publicados pela Rede Justiça nos Trilhos apontam que a raspagem da estrada utilizada para fazer a manutenção da ferrovia, seguida da disposição de barro, forma uma lama que desce para os igarapés e causa o assoreamento dor rios. “A pesca era em abundância e não tínhamos doenças”, conta Anacleta, ao falar das exposições a que estão submetidos.
Para a duplicação da ferrovia, a Vale chegou a incorporar uma faixa de território de 40 metros de cada lado da (EFC) dos territórios quilombolas e pediu ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a impugnação administrativa dos relatórios de identificação da comunidade Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo.
“Nós sempre pedimos respeito em relação ao território. Nós conhecemos todos os nossos limites e as nossas terras foram invadidas. Mas a Vale não nos respeitou, não respeita”, conta Anacleta. Nos fundos de sua casa, dentro do quilombo, há um campinho improvisado, onde a molecada bate uma bola. Casinhas de alvenaria com idosos à porta, gente fez parte o capítulo da escravidão no País, acompanham o corre-corre das crianças que se escondem da repórter.
O tempo ali passa, mas é um tempo imensurável. Enquanto esperam pela titulação definitiva do território, os moradores de Santa Rosa dos Pretos veem e denunciam que suas terras são invadidas por grileiros que lhes deixam cada vez menos espaço para que desenvolvam suas atividades agrícolas e também suas manifestações culturais.
Eles exigem celeridade no processo de regularização fundiária e cumprimento das medidas acordadas na Ação Civil Pública, entre Ministério Público e Companhia Vale S.A., como o desentupimento dos igarapés afetados pela linha do trem, melhorias nas estradas de acesso ao povoado e construção de infraestrutura voltada para o saneamento básico, educação e saúde.
O PEIXE
De volta à estrada. Chegamos a Sítio do Meio, um povoado localizado a 13 quilômetros da BR-135, na zona rural do município de Santa Rita (MA). Ali encontramos Roseane Mendes Cardoso e sua família. Ela é pescadora, completou o Ensino Médio e pensa em fazer faculdade de Pedagogia da Terra, algo ligado à agricultura, para defender aquilo que a natureza lhe deu. “Hoje o principal problema são as dificuldades com a pesca e a lavoura, por conta da degradação do meio ambiente, dos biomas, das encostas e do entupimento dos igarapés pelas empresas terceirizadas da Vale”, conta Roseane, que vive em uma casa ainda inacabada, construída por suas mãos e as de toda a sua família, em mutirão mesmo.
A família de Rose – como gosta de ser chamada – é composta por sete pessoas: pai, mãe e cinco filhos que – às vezes – passam por dificuldades sérias para se alimentar. “Já teve dias que peguei três piabinhas (peixes pequenos) para minha família”.
O assoreamento dos rios mais próximos da casa de Rose obriga a família a caminhar cada vez mais em busca do alimento. “Teve um dia em que saí de casa por volta das 4 horas da manhã, ainda estava escuro, e só depois de quatro quilômetros a pé consegui pescar”, conta a pescadora, que na ocasião estava grávida.
A família se sustenta hoje do Bolsa Família, o benefício que recebe do Governo Federal. Famílias em extrema pobreza, como a de Rose, recebem 77 reais por criança. No Maranhão, existem mais de 1 milhão de beneficiários. Em todo o Brasil, são mais de 14 milhões de famílias que recebem o benefício.
O dinheiro – ou a falta dele – não é a única dificuldade da família de Rose, já que estão impedidos de juntos atravessar a Estrada de Ferro Carajás. “Eles entraram com um interdito proibindo-nos de chegar até a ferrovia em cinco ou mais pessoas.” Ela não pode sair com a família toda para trabalhar, vender seus poucos pescados e hortaliças.
“Imagine que não poderei levar meus filhos ao hospital, nem levar minha filha até a escola em Santa Rita?”, desabafa a pescadora. O interdito surgiu após Rose e demais famílias da região acamparem na linha férrea como protesto pela falta de diálogo e respostas concretas, quanto às reivindicações referentes aos impactos causados pela ferrovia e pela duplicação dela.
“Tivemos que interditar a ferrovia no período de três dias”, afirma. Questionada sobre o diálogo com a Vale S.A., Rose lembra que os projetos sociais apresentados pela empresa não correspondem à realidade da população local, como oficinas sobre plantio de hortaliças.
“É ensinar missa para vigário, porque eu sei como se pesca, eu sei tratar a terra, disso a gente não precisa. Eles vêm com projetinhos de preservação ao meio ambiente – reciclagem com garrafas –, mas ao mesmo tempo eles degradam e poluem muito mais do que a comunidade. Dentro do Plano Básico Ambiental, há a exigência de que eles precisam respeitar as comunidades, e eles não respeitam, tampouco pedem a nossa opinião.”
A Constituição Federal exige que populações afetadas por grandes empreendimentos sejam consultadas em audiências públicas.
A escola
Em Buriticupu, a cerca de 400 quilômetros de São Luís, desembarcamos no abandono, no Povoado Centro dos Farias. Ali vivem, segundo a Organização Não Governamental (ONG), Justiça nos Trilhos, 43 famílias, com uma população estimada em 200 habitantes, grande parte sobrevive das atividades ligadas à agricultura, pecuária e pesca para o autossustento, além dos programas sociais do Governo Federal.
Há também um posto de saúde, uma igreja que tem missa três vezes por ano e vive do protagonismo de leigos. Ali também há uma escola pública, cerca de 30 metros da linha do trem. Fomos até lá. Na lousa da sala de aula, as crianças soletravam: ba-ru-lho, e, como se fosse cena de filme com roteiro, o barulho do trem surgia com apito ao fundo silenciando a classe.
“É assim todo dia”, quem conta é a professora Lusiléia Souza do Nascimento, no povoado desde 2005. “Quando vim, senti um impacto muito grande, principalmente sobre o perigo que as crianças correm de estudarem tão próximas da ferrovia. Quando o trem passa, a gente fica sem trabalhar, porque o barulho é muito alto”, conta Lusiléia que se questiona sobre o futuro, com a duplicação da ferrovia, pois o trem passa a cada 20 minutos.
“Se um trem causa todo este impacto no nosso dia a dia, no direito básico dessas crianças de aprender, imagine com dois trens?”, diz a professora, que reclama de dores na garganta por ter de dar aulas em tom de voz alto devido à poluição sonora dos trens.
A cultura
Além de afetarem e interferirem na saúde, no dia a dia, e no futuro das vilas e povoados dos municípios do Maranhão e Pará, as atividades da Vale estão – e há décadas – acabando com algumas culturas indígenas, como é o caso da Terra Indígena Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Pará.
Um decreto presidencial, de 6 de março de 1997, autorizou a concessão de direito real de uso resolúvel de uma gleba de terras de domínio da União, as terras indígenas, à Vale, e em contrapartida, a empresa deveria dar amparo às populações indígenas da área concedida, contudo, a população mais organizada tem se manifestado contra os impactos e interditado a ferrovia, o que teria levado a empresa a encerrar o amparo firmado.
“Sucede que tal situação não configura justa causa para a rescisão do convênio, o qual, frise-se, não se consubstancia em mera liberalidade por parte da requerida, mas se trata, sim, de obrigações assumidas em contrapartida à concessão de direito real de uso da Terra Indígena Mãe Maria”, afirma a procuradora da República, do Ministério Federal no Maranhão, Lilian Miranda Machado.
Para ela, nada justifica a suspensão dos atendimentos à saúde dos indígenas, que vêm sofrendo as consequências e “os efeitos nefastos do ato arbitrário da Vale, pois, conforme relato dos próprios indígenas, há crianças, adultos e idosos em tratamento intensivo, indígenas em tratamento de câncer e outros que necessitam de acompanhamento médico periódico e contínuo, alguns, inclusive internados em Centro de Terapia Intensiva (CTI)”.
A resistência
Após percorrermos quilômetros de calor, poeira, rachaduras de casas, cidades aparentemente sem lei, chegamos a Piquiá de Baixo. O ar pesa e seca os olhos. As plantas ganham uma cor cinzenta. É o chamado pó de ferro, um composto preto de pelotas de minério de ferro com poeira de carvão que provoca dores de cabeça, coceiras na pele, no couro cabeludo e dificuldades de respirar.
Esses são os efeitos que carregam no corpo os moradores de Piquiá de Baixo, um bairro industrial no município de Açailândia (MA), a 564 quilômetros da capital, onde residem cerca de 380 famílias e há, desde a década de 1980, a presença de cinco indústrias de ferro-gusa: Viena Siderúrgica S/A; Siderúrgica do Maranhão S/A; Cia. Siderúrgica Vale do Pindaré; Ferro Gusa do Maranhão Ltda.; e Gusa Nordeste S/A, além da Estrada de Ferro Carajás e do entreposto de minério da Vale S.A.
Dona Angelita Alves de Oliveira é uma das moradoras da pequena e resistente Piquiá. Ela varre a calçada da casa que mora, na BR-222, enquanto nos recebe para a entrevista. Mostra sua casa com os plásticos no teto para evitar que a poeira entre pelos telhados. Passa os dedos nos móveis e mostra a poeira.
“Não tem jeito e todo dia é assim. Limpo a casa e em poucos minutos já está suja de novo, graças ao pó do minério de ferro das siderúrgicas”, diz a dona de casa, que possui panelas brilhantes, areadas com asseio.
Um cenário de paradoxos. O quintal de dona Angelita divide a cerca dos fundos com a Viena Siderúrgica S/A e a Gusa Nordeste S/A.
Ali, a família costumava plantar pés de coco, goiaba, laranja, limão-siciliano, carambola, manga, acerola, macaxeira e uma variedade de hortaliças. Mas há pelo menos dez anos não é mais possível, suas plantas estão cobertas por uma camada pegajosa de pó preto, e um rio que corre mais ao fundo do terreno está contaminado com a munha ou moinha, o pó de carvão vegetal resultante da produção de ferro gusa, segundo o dicionário siderúrgico português.
O impacto dessa poluição na saúde da população é devastador. “A exposição prolongada à poeira e vapores de ferro provenientes do processamento do mineral pode causar problemas à saúde, como doenças de pele, e diminuir a resistência do organismo às infecções respiratórias”, revela o clínico geral do posto de saúde de Piquiá, Jonathans de Oliveira Silva. “Nosso trabalho aqui é como enxugar gelo no sol quente, é ruim, enquanto médico, ser humano e cidadão. É triste. A população está 24 horas, diariamente, exposta à poeira”, conclui Silva.
O bairro que existe e resiste, desde a década de 1970, contou com o apoio da Rede Justiça nos Trilhos para denunciar a situação e conseguir o direito de moradia digna. “No caso da comunidade de Piquiá de Baixo, há o trabalho no sentido de reconhecimento da responsabilidade das empresas e do Estado pelos danos que essa comunidade vem sofrendo, principalmente pelos efeitos da poluição do ar, da água, do solo, que o trabalho das indústrias siderúrgicas com a participação importante da Vale no fornecimento do minério e depois no transporte do ferro-gusa tem causado a essa população”, conta o advogado Danilo Chammas.
Chammas vê Piquiá de Baixo como um caso exitoso de mobilização e articulação, já que, depois de sete anos, conquistaram o direito de um terreno para reassentamento – distante das empresas de siderurgia. “Buscou-se a área, o município desapropriou e agora ela é de propriedade da Associação Comunitária dos Moradores de Piquiá (ACMP) e está livre para receber o reassentamento.”
No dia 31 de dezembro de 2015, o Ministério das Cidades publicou no Diário Oficial a Portaria 684 e nela a construção de 312 casas e a infraestrutura básica, como previsto pelo projeto preparado pela associação.
“Piquiá testemunha que lutar vale a pena e que também para as comunidades mais fragilizadas e aparentemente impotentes existem caminhos abertos de libertação. O que mais admiramos nessa história, que podemos comparar realmente a um êxodo rumo à Terra Prometida, é a persistência e obstinação de quem se sente injustiçado”, desabafa padre Dario Bossi, missionário comboniano e um dos fundadores da Rede Justiça nos Trilhos, que acompanha e luta junto aos moradores de Piquiá.
A espionagem
Por sua atuação junto às populações atingidas, a Rede Justiça nos Trilhos tem sido alvo de espionagem por parte da Companhia Vale do Rio Doce. Em 18 de março de 2013, o ex-funcionário da Vale André Luis da Costa Almeida abriu uma representação contra a empresa, junto ao Ministério Público Federal (MPF), e nela, sérias denúncias de procedimentos de espionagem.
O item 1 do documento protocolado no MPF aponta: “Movimento Justiça nos Trilhos – Tentativa de aliciar um informante nesse movimento em Açailândia. Durante o período em que trabalhei na Vale, estávamos pagando um indivíduo em experiência. Acredito que ele esteja atuando”, revelou Almeida.
Após essa denúncia, a Rede Justiça nos Trilhos passou a aplicar estratégias de segurança, na proteção das informações pessoais e da comunicação entre membros da rede e das comunidades. “Por outro lado, pedimos formal e insistentemente ao Estado que nos defendesse, investigando os fatos para responsabilizar seus autores e inibir qualquer tipo de espionagem ou infiltração contra alguma pastoral ou movimento social empenhado na denúncia das violações da mineração”, revelou padre Dario Bossi.
Através da Rede Justiça nos Trilhos, padre Dario integra a Rede Brasileira de Justiça Ambiental e o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração que discute em Brasília (DF) ajustes para o novo Código da Mineração.
Os interesses
A exploração de minério de ferro equivale a 4% de todo o minério comercializado no planeta, e o papel que as mineradoras exercem no cenário político é inquestionável. Nas eleições de 2010, empresas mineradoras doaram 45 milhões de reais aos partidos políticos.
Só o relator da Comissão Especial de Mineração, o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), recebeu na campanha, também de 2010, 2 milhões de reais em doações de mineradoras. O documento oficial do projeto de lei proposto por deputados federais para o novo Código da Mineração, que define as regras do setor, foi criado e alterado em computadores do escritório de advocacia Pinheiro Neto, que tem como clientes mineradoras como Vale e a BHP, as já citadas por esta reportagem.
As mudanças feitas a partir das máquinas do escritório vão de tópicos socioambientais a valores de multas em caso de infrações. Emilie Cardoso, filha da pescadora Rose, lá de Sítio do Meio, tem 13 anos e está longe da discussão sobre o Código Nacional de Mineração, mas sente, na pele, na barriga e nos sonhos, as consequências da falta de uma regulamentação ética, comprometida também com a vida dos impactados.
“Meu sonho é fazer este trem (da Vale) parar, pra acabar os problemas e a gente voltar a pescar com a mão, para a gente viver feliz, porque hoje está muito difícil, mas vou ser uma seguidora da minha mãe e lutar pra gente ser feliz pescando.
O outro lado, a Vale
Procurada pela reportagem, a Vale não apresentou um programa de substituição ao Fundo de Exaustão, informou que a empresa tem convênios assinados com as prefeituras que visam repasses, sem contudo,informar valores.
Questionada sobre a segurança ao longo da ferrovia, a Vale não forneceu – como solicitado – o número e localização de viadutos e os tipos de sinalização, afirmando que cumpre as normas e diretrizes da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A Vale nega que o Rio Pindaré esteja assoreado por conta de suas obras e atividade, mesmo já tendo firmado acordo com o MPF, em que se comprometia a realizar estudos visando à recuperação ambiental de rios e igarapés atingidos pela via férrea. Alega que os projetos ambientas propostos a Povoado de Sítio do Meio foram definidos com base nos resultados do diagnóstico socioambiental realizado para o Licenciamento das obras e validados pelo Órgão Licenciador.
Sobre o Quilombo Santa Rosa dos Pretos revela que obstante ao questionamento sobre a extensão de seu território, não questionaram a identidade do território quilombola. No Povoado Centro Farias, a Vale não se pronunciou sobre os impactos que causa à escola pública. Sobre as queixas de rachaduras nas casas de Cariongo 3 informou que não há elementos técnicos que autorizem relacionar as rachaduras das casas a qualquer impacto causado pelo trem.
Sobre os atropelamentos apontou que em 2015, foram realizadas mais de 3.500 mil campanhas de segurança com o objetivo de prevenir acidentes e conscientizar as pessoas sobre uma convivência segura com a ferrovia.
A Multinacional é internacionalmente conhecida como a mineradora, que ao lado da BHP Billiton Brasil Ltda., uma das acionistas da Samarco, responsável pelo maior desastre ambiental no Brasil, ocorrido em novembro de 2015, na cidade de Bento Rodrigues, em Minas Gerais.
* Reportagem vencedora do Prêmio Dom Helder Câmara de Imprensa da CNBB – 2017
Publicada em 2016 e produzida com apoio da Signis Brasil