Deputados do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia, de partidos e organizações do Brasil se reuniram na capital paulista debatendo ações para barrar avanço dos acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul. Entre as propostas, a de uma campanha internacional contra agrotóxicos, proibidos na União Europeia e liberados no Brasil com lobby de agroquímicas que têm promovido os tratados multilaterais. Além da questão ambiental, acordos impactam negativamente na soberania, geração de energia, de empregos e na industrialização
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
Deputados do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde do Parlamento Europeu participaram de reunião, no último 29 de outubro, no centro da capital paulista, com a Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul, integrada pela Rede Jubileu Sul Brasil (JSB).
Os eurodeputados, que vieram ao Brasil como observadores das eleições presidenciais de domingo (30), convidaram a Frente para dar continuidade ao diálogo que vem sendo feito para somar forças, reverter o quadro e impedir que os acordos União Europeia-Mercosul e EFTA-Mercosul avancem. Entre os parlamentares presentes estava o espanhol Miguel Urbán Crespo, do Podemos, e representando a Rede JSB a economista Talita Guimarães, do Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS).
A preocupação dos parlamentares é quanto ao cenário da luta com a vitória de Lula, pois avaliam que a tendência é de que os tratados comerciais – assinados pelo governo Bolsonaro e em fase em ratificação – possam avançar ainda mais e entrar em vigor nos primeiros seis meses do próximo governo. Eles comentaram que há possibilidade de que a parte comercial do acordo seja separada das demais, como ocorreu com outros tratados multilaterais firmados com o Chile e México.
Os parlamentares também confirmaram que até o final deste ano a Comissão Europeia vai enviar um rascunho do “Protocolo de sustentabilidade aos países do Mercosul”. O documento, elaborado sem participação dos países e da sociedade civil do Mercosul, traz critérios ambientais extras para países do bloco sul-americano, mas sem reabertura do acordo para que mudanças sejam feitas.
Como o documento não tem caráter vinculante, os membros da Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul alertaram que o protocolo é insuficiente para enfrentar todo o desmonte da política ambiental e as graves violações de direitos humanos que o acordo vai causar.
“Eles foram propositivos no sentido de fortalecer o debate sobre questões pertinentes aos interesses da soberania brasileira, e afirmaram que a visita fortaleceu a articulação com parlamentares do PSOL e com a sociedade civil”, avalia Talita Guimarães sobre os resultados do encontro.
Comprometimento de Lula
Ao falar sobre política externa em seu primeiro discurso após a eleição, Lula sinalizou a retomada de parcerias, “comércio internacional mais justo”, mas fez crítica aos tratados, afirmando que “não nos interessam acordos comerciais que condenam nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria prima”.
Para Francisco Vladimir, articulador do Cone Sul na Rede JSB, o comprometimento de Lula já em seu primeiro discurso é importante, “principalmente para que possamos cobrar esse posicionamento do novo governo”.
Ainda segundo o articulador, “tanto a Frente quanto os eurodeputados têm uma preocupação que está de acordo com o que Lula tem debatido e prometido – a de que essa forma de acordo que está aí não vai beneficiar, não é salutar e nem justa para o povo brasileiro”, afirma.
Lucrando com o veneno
Caminhando sem diálogo ou qualquer consulta à população, os acordos são denunciados pelos movimentos e organizações como tratados neocoloniais por seus diversos impactos – desde riscos à indústria nacional e aumento da exploração de trabalhadores/as agrários, devido à isenção de impostos de produtos industrializados da UE e commodities do Brasil, passando por uma liberalização de políticas energéticas que explorar os recursos e aprofundar as mudanças climáticas no Sul global (leia mais).
Caso o acordo UE-Mercosul seja ratificado, vai expandir a agricultura ao aumentar a exportação de safras à Europa e a importação de venenos à América do Sul, sobretudo ao Brasil, que é o 2º maior comprador de venenos da UE. Por isso, outra proposta aprovada no encontro, apresentada por Talita Guimarães, é a de uma campanha internacional “para popularizar o debate e trazer outros atores que não estão envolvidos, afirma a economista que defendeu a ação para alertar sobre os riscos dos agrotóxicos à saúde.
A proposta da representante da Rede JSB surgiu a partir da apreensão da comitiva quanto ao avanço do bolsonarismo e as consequências na agenda ambiental, o que levou os eurodeputados a alertar especialmente para a questão dos agrotóxicos como um caminho de incidência contra os acordos, porque os agroquímicos produzidos pela UE (onde a venda é proibida) foram liberados às centenas durante o governo Bolsonaro – foram 1801 produtos registrados de janeiro de 2019 até junho de 2022, segundo levantamento, feito pela pesquisadora Sônia Hess e divulgado pela Agência Pública.
“Os parlamentares apontaram a falta de insumos e relatórios de incidência para fortalecer a atuação na agenda contra os acordos, mas no caso dos agrotóxicos já existe, e há uma abertura para construção coletiva e cooperativa”, afirma Talita, apontando a realização de um plebiscito popular contra os agrotóxicos como exemplo de uma iniciativa possível a partir da campanha promovida pela frente parlamentar em conjunto com a sociedade civil.
O estudo Comércio tóxico: A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da União Europeia no Brasil, produzido pela Amigos da Terra, denuncia que “empresas europeias, como a Bayer/Monsanto e a BASF, que estão liderando os fabricantes europeus de agrotóxicos, têm promovido o acordo comercial UE-Mercosul através de grupos de lobby”, como o chamado CropLife International, “a poderosa associação de lobby de empresas agroquímicas”.
Segundo o relatório, de 45 agrotóxicos da Bayer e BASF liberados nos últimos três anos, 19 têm substância banidas na União Europeia, e somente em 2019 a UE exportou ao Mercosul mais de 6,5 milhões de quilos de agrotóxicos proibidos ou nunca autorizados para uso nos países europeus. Em julho de 2020, a prática de exportar agrotóxicos banidos na UE foi considerada por 36 relatores da ONU um abuso aos direitos humanos.
Do Brasil, além de Talita Guimarães, estiveram presentes Caroline Rodrigues (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase), Tatiana Oliveira (Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Gabriel Casnati, da Internacional dos Serviços Públicos (ISP).
Da comitiva de eurodeputados participaram Michèle Rivasi (Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia – França), Leila Chaibi (Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu GUE/NGL – França), Sandra Pereira (Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu GUE/NGL – Portugal), Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda (Bloco de Esquerda de Portugal), Ana Miranda (Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia – Galícia/Espanha), Miguel Urban Crespo (Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu GUE/NGL – Espanha) e Ester Miranda (Secretaria de Relações Internacionais do Podemos – Espanha).