Ministro da economia é mais um nome do governo a cogitar reedição de ato da ditadura

Por Emilly Dulce e Nara Lacerda | Brasil de Fato 

“Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, afirmou o ministro da Economia Paulo Guedes a jornalistas em Washington, nos Estados Unidos, nesta segunda-feira (25). No dia seguinte, ele voltou à polêmica e disse que a edição de um novo Ato Institucional seria necessária em caso de radicalização de manifestações de rua – que classificou como “bagunça” e “convulsão social”. O ministro ainda pediu uma “democracia responsável” no país.

Bolsonaro não quis comentar o tema e disse querer falar do seu novo partido, | Foto Mauro Pimentel/AFP

Escalada autoritária

As declarações, somadas às últimas movimentações do governo federal, apontam para uma escalada autoritária que mira, principalmente, os movimentos populares.

Na semana passada o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL) com regras sobre o chamado excludente de ilicitude.

texto isenta de punições militares das Forças Armadas e integrantes de forças de segurança, que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

“Ladrão de celular tem que ir para o pau. E quando falo em ir para o pau, foi protocolado há poucos minutos na Câmara dos Deputados um projeto nosso que fala do excludente de ilicitude”, afirmou o presidente. 

Nesta semana Bolsonaro foi além e afirmou que estuda enviar ao Congresso Nacional um projeto prevendo a aplicação de ações da GLO em processo de reintegração de posse no campo.

Nas palavras dele o mecanismo “para chegar e tirar o cara da propriedade”, processo que, segundo o capitão reformado, vem sendo protelado por governadores. 

O representante da coordenação nacional do Movimento dos Sem Terra (MST), Alexandre Conceição, afirma que a utilização da GLO para reprimir movimentos sociais é uma atitude ditatorial e que o governo brasileiro constrói um arcabouço jurídico de criminalização dos movimentos sociais. 

“Essa tentativa de GLO do campo é mais uma tentativa de Jair Bolsonaro de resolver um problema social, que por incompetência dele o governo não tem condições de resolver do ponto de vista econômico e do ponto de vista de amenizar a crise social que atravessa o Brasil.” 

Rubens Siqueira, da Coordenação Nacional Executiva da Comissão Pastoral da Terra (CPT), avalia que as afirmações do presidente acirram a violência no campo e são centralizadoras. Ele aponta os riscos de se tirar dos governos estaduais a função de negociar reintegrações de posse e substituir esse processo pelo uso das forças armadas. 

“Existe hoje um padrão de reintegração de posse, dialogada, com preocupação explícita com as famílias e as pessoas. Não é que esteja sempre sendo cumprido, mas existe, principalmente por parte de governos dos estados do Norte e do Nordeste. Querem deixar de lado isso para facilitar o uso da força e a violência legalizada contra os pobres do campo.”

Recorrência

Há menos de um mês, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) também sugeriu a reedição do AI-5 ao falar de uma possível “radicalização da esquerda”. Mais tarde, o filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL) se retratou e disse que “talvez tenha sido infeliz” na declaração. 

Após as repercussões negativas, a equipe de Guedes também tentou reparar a fala do ministro.

Segundo os assessores, além de “infeliz”, a declaração não reflete o que o ministro pensa. Ele mesmo, logo depois, se corrigiu e disse que a democracia brasileira não admitiria um ato de repressão.

::Entenda o que foi o AI-5, ato ditatorial defendido por Eduardo Bolsonaro::

O quinto decreto dos anos de chumbo resultou no fechamento do Congresso Nacional e reforçou o autoritarismo do presidente para decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, suspender direitos políticos, confiscar bens privados e intervir em todos os estados e municípios.

Repercussão negativa

A declaração de Guedes foi duramente reprovada pelos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Para eles, os comentários de Guedes não condizem com a democracia. 

“O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado”, afirmou o presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

Maia disse que o uso recorrente dessas ameaças por integrantes da gestão de Jair Bolsonaro gera insegurança sobre o intuito do governo. “Tem que tomar cuidado, porque se está usando um argumento que não faz sentido do ponto de vista do discurso, e como não faz sentido, acaba gerando insegurança em todos nós sobre qual é o intuito por trás da utilização de forma recorrente dessa palavra.”

Bolsonaro, por sua vez, não comentou as declarações do ministro da Economia. Ele disse que preferia falar sobre o seu novo partido, o Aliança pelo Brasil. Caso o partido seja criado, o número da legenda na urna eletrônica deve ser o 38.

“Eu falo de AI-38. Quer falar de AI-38? Eu falo agora contigo. Quer o AI-38? Eu falo agora. Esse é meu número. Outra pergunta aí”, disse o presidente.

Confira outras repercussões do Twitter:

Senador Humberto Costa (PT): “Iremos representar o ministro da Economia, Paulo Guedes, na Procuradoria-Geral da República e na Comissão de Ética Pública da Presidência por ter falado em reapresentar um novo AI-5 para conter manifestações contra o governo Bolsonaro”.

Guilherme Boulos (PSOL): “Aos que achavam Bolsonaro muito autoritário, mas defendem Paulo Guedes e sua agenda, o próprio ministro deu a resposta com sua fala sobre o AI-5. Barbárie econômica e autoritarismo político andam juntos”.

Marina Silva (Rede Sustentabilidade): “É assustadora, irresponsável e muito grave a fala do ministro da Economia ao cogitar um possível novo AI-5 no Brasil e o uso do excludente de ilicitude para se contrapor aos adversários políticos. Esse tipo de comportamento antidemocrático merece ser repudiado com veemência”.

Bruno Covas (PSDB): “Alguém me avise se pedirem o AI-5 de novo para eu sair do hospital e ir para a rua protestar contra”. 

Marcelo Freixo (PSOL): “Congelamento do salário mínimo, taxação dos desempregados, corte nos salários dos servidores, trabalho aos domingos, desmonte dos serviços públicos… E se você reclamar, ganha um AI-5. Não é só a economia da ditadura Pinochet que inspira Paulo Guedes. A violência também”.

João Pedro Stédile (MST): “Tão revoltante quanto a naturalidade com que Paulo Guedes defende o fim das liberdades democráticas com um novo AI-5 é a naturalidade com que o capital financeiro acha normal este tipo de declaração. A única liberdade que lhes interessa é a do capital em busca do lucro”.

Edição: Rodrigo Chagas

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