Por Rogéria Araujo
No dia 25 de março, o *projeto Direitos Sociais e Saúde: Fortalecendo a Cidadania e a Incidência Política *realizou em Natal (RN) uma formação sobre direitos humanos e seguridade social. A atividade faz parte de uma série de formações que tem o objetivo de gerar mais conhecimento junto às comunidades, aos agentes da Pastoral da Saúde e lideranças locais.
A formação teve assessoria de Roberval Pinheiro de Lima, economista, especialista em Gestão e Planejamento em Saúde, mestre em Ciências Sociais e doutor em Saúde Coletiva. Foi com ele que conversamos sobre as questões da conjuntura atual do país e suas relações com os direitos sociais básicos. “Mais do que nunca a múltipla representação brasileira em sua diversidade de movimentos, tal como foi quando houve a queda do regime militar, precisa fazer algo similar agora. Este é um grande chamando social, político e, sobretudo, cidadão”, afirmou.
Roberval falou, ainda, sobre os retrocesso e ameaças que podem ocorrer com as mudanças de estrutura proposta pela atual governo, como a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista, bem como os caminhos a serem traçados para que se possa garantir o livre exercício da democracia. Confira a entrevista.
O Controle Social tem sido uma grande ferramenta para fiscalizar o funcionamento das políticas públicas. Nessa conjuntura que estamos vivendo, como fortalecer o Controle Social?
Roberval Lima – É importante saber que em virtude do que está acontecendo no nosso país com o retrocesso de direitos, as conquistas que foram conseguidas com a Constituição e outras bases legais, nós estejamos nesta discussão que é política, cidadã, social e que envolve principalmente as questões do viver cotidiano de cada cidadão e cidadã, do indivíduo ao coletivo. Os últimos fatos [proposta da Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista] preocupam muito o espaço do Controle Social. Em que aspecto: O Controle Social, a partir da Constituição Federal de 1988, assim como diversas políticas de saúde, educação, a própria seguridade social, na Previdência e Assistência Social, também têm nos seus organismos constituídos nos Conselhos estaduais, municipais e nacional uma participação muito efetiva na defesa dos direitos, na construção de políticas, na programação de recursos orçamentários e financeiros e no acompanhamento da prestação de conta dessas políticas.
Então o movimento, o Controle Social ganhou um corpo muito forte com a Constituição de 88. Mas é preciso que agora, os organismos do Controle Social, sobretudo, os Conselhos tenham base pelos movimentos sociais. É importantíssimo que os movimentos sociais também se agreguem às lutas dos organismos de Controle. Aí vão entrar as pastorais, sindicatos, movimentos de bairros, movimento estudantil, movimento de mulheres. É fundamental que os movimentos deem lastro a essa grande luta social e política para defender direitos e avançar no que já foi construído ao longo dos 28 anos de Constituição.
Estamos falando sobre Seguridade Social, sobre um projeto que tende ao retrocesso de várias conquistas. Como você vê essas propostas em curso?
Roberval Lima – Infelizmente no contexto atual das políticas que têm como foco as reformas estruturais de nosso governo, há alguns itens que precisam ser pontuados. Temos a aprovação das PEC 55 na Câmara dos Deputados e a 241 no Senado Federal. Hoje já não são mais propostas são emendas da Constituição e vão fazer “correção” de valores, os recursos serão diminuídos em relação à necessidade. Isso é negar tudo aquilo que está na Constituição. Esse risco se estende também a outras políticas, como segurança alimentar, de proteção à pessoa com deficiência, a própria política de segurança pública, de educação…Todas elas estão agora no foco desse grande aspecto de mudanças e na Previdência Social. A reforma da Previdência Social e a Reforma Trabalhista trazem alguns elementos que são preocupantes como a redução de direitos, limite de idade para aposentadoria, o quanto se tem de provento à pensão por morte. Sem falar na licença à maternidade, questão rural …
Tudo isso tem que ser colocado num grande processo de discussão. Não podemos olhar a discussão apenas por pontos extras. Tem que ser algo muito coeso e perceber estas propostas em todo o seu contexto. Agora é preciso ser dito: há um grande risco de perda de direito e grande retrocesso para todas as políticas que estão pensadas nessa reestruturação, sobretudo analisando o contexto político desse país, pensando na idoneidade das instituições políticas é algo que precisa ser colocado aqui como preocupante neste cenário.
Em sua participação durante a formação você afirmou que precisamos agir nos micro e macro espaços. Como isso se daria?
Roberval Lima – É importante que neste momento sejam construídas agendas de convergência tanto dos organismos de Controle oficialmente reconhecidos na nossa base legal, sobretudo os Conselhos que têm toda uma agenda de reuniões, plenárias, como conferências que estão acontecendo, e que a sociedade organizada se aproxime dos Conselhos para saber quais são as agendas que estão postas e pactuadas e, a partir disso, repensar uma construção comum das agendas. Então é preciso agora a gente aproximar os diálogos, os movimentos de luta, para fazer algo mais coeso, fazer caminhos mais conjuntos sob a forma de conferências, plenárias estendidas, regionalizadas…porque, às vezes, essas discussões passam tão próximas dos grandes centros e passam distantes dos lugares que têm pouca assistência.
Precisamos ver quais são as bases mais vulneráveis e tentar chegar junto com uma grande estratégia de comunicação. Acredito muito que o processo comunicacional e de diálogo vai ser a grande ferramenta ou estratégia que vamos ter para fazer com que a informação chegue, seja produzida, reproduzida, questionada. E essa informação vai produzir efeitos sobre os movimentos sociais que impactem junto aos organismos de Conselhos e Controle e, assim, façamos uma grande luta coesa em função de uma construção coletiva. Mas isso vai passar por uma aproximação de diálogo entre as instituições. É um grande chamamento para uma proposta ampla. Porque agora toda a nação está afetada. Então mais do que nunca a múltipla representação brasileira em sua diversidade de movimentos, tal como foi quando houve a queda do regime militar, precisa fazer algo similar agora. Este é um grande chamando social, político e, sobretudo, cidadão.
Tem havido muitas manifestações, atos públicos e chamamentos em todo o país. Qual a dimensão desses atos? Estamos indo na direção certa?
Roberval Lima – Esses processos de manifestações, essas insurgências populares, sinalizam pelo menos vários aspectos. Por um lado eles dão um alento de que a sociedade está preocupada com os caminhos que podem ser trilhados e como o processo decisório que este país enfrenta. Então ver o movimento estudantil, de mulheres, de sem-terra, dos sem-teto, os que não têm acesso ao transporte público é algo muito salutar. Porém, por outro lado, temos uma outra preocupação que seria a própria dimensão desses movimentos e o impacto que eles conseguem causar no grande público.
Às vezes grandes massas ainda desconhecem que essas manifestações ocorrem. Daí mais uma vez cito o importante trabalho de base que precisa ser feito urgentemente. A quantidade e qualidade de ressoar dessa mensagem é um marcador para a gente, pois vemos que ainda está embrionário, mas que tem força muito grande para crescer. É preciso ainda impactar e gerar uma provocação em outras áreas para outros grupos que venham criar um corpo ainda mais forte para esta luta. É preciso que se tenha uma mídia bem aderente a essa proposta de luta, muito embora saibamos que existe uma pluralidade muito grande de grupos de interesses que estão envolvidos nessa questão. Por isso mesmo a população precisa ter instrução. É preciso acreditar que vamos conseguir fazer a adesão dessas pessoas de um modo pacífico, de um modo ordenado, que seja inteligente, pluripartidário. É uma discussão nacional que merece atenção de todos e todas.
Fonte: Projeto Direitos Sociais e Saúde: Fortalecendo a Cidadania e a Incidência Política* – Programa Justiça Econômica
* O projeto é executado pelo Programa Justiça Econômica, através do Grito dos Excluídos Continental, Pastorais Sociais da CNBB, Pastoral da Saúde e Comissão Brasileira de Justiça e Paz. Conta com parceria da rede Jubileu Sul Brasil. E tem apoio da CAFOD e União Europeia.
“O conteúdo deste documento é da responsabilidade exclusiva do Programa Justiça Econômica, não podendo, em caso algum, considerar-se que reflete a posição da União Europeia”