Um mês após o desaparecimento e morte do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips, assassinados no Vale do Javari (AM), seguimos em luto e em luta por justiça e reparações, solidárias e solidários com defensoras e defensores dos direitos humanos e dos direitos da natureza, em meio à escalada ininterrupta e absurda de violências de todos os tipos, que atinge especialmente mulheres, populações tradicionais, LGBTQIAP+ e negra.
Neste cenário de estrangulamento das camadas populares que resistem à barbárie humana, ao aprofundamento da fragilidade democrática, à legitimação da extrema violência como forma de sustentação do poder político e econômico, a lista de arbitrariedades, manobras ilegais e crimes recorrentes não para de crescer, ao mesmo tempo em que ressoa uma questão fundamental na base de lutas: por que estão nos matando?
O chamado Marco Temporal (PL 490), que ameaça a vida de milhares de indígenas e a demarcação de seus territórios ancestrais, o risco eminente de despejo para cerca de meio milhão de pessoas — entre estas 97.391 são crianças e 95,1 mil idosas — ameaçadas de perder o seu teto (ADPF 828), em meio à pandemia de Covid-19 que segue, são apenas dois exemplos emblemáticos de processos de estrangulamento e morte em curso. A resistência organizada nessas duas pautas tem garantido oxigênio suficiente para a sobrevivência de indígenas e seus territórios, assim como para famílias que vivem em ocupações por absoluta falta de possibilidade de ingresso em programas sociais de acesso à moradia. Mas, até quando? Ao custo de quantas vidas mais? Sob a violência de quantas emboscadas ainda? De quantos crimes mais? De quantas omissões e arbitrariedades por porte do poder público e das instituições legalmente responsáveis por defender e garantir direitos, de proteger as vidas?
Se voltamos o olhar para a América Latina, o cenário se repete, com destaque nesse momento para a Nicarágua. O país enfrenta graves tensões políticas, que representam para muitos a implosão de sua frágil democracia. Por outro lado, temos também o esperançar no Chile. A eleição de Gabriel Boric afirmou a retomada do projeto democrático no país que terá o plebiscito constitucional em 4 de setembro. Na Colômbia, a eleição de Gustavo Petro e Francia Márquez rompeu um ciclo duradouro da direita tradicional e inaugura o primeiro governo de esquerda no país. Cabe ao Brasil superar a perspectiva de que somos um super país e considerar a América Latina no plano político e econômico dos próximos anos.
Numa conjuntura que deixa em constrangedora exposição fraturas e fragilidades políticas das esquerdas ainda ativas nas disputas eleitorais e nos embates políticos, parece nos restar apenas uma questão: no já estabelecido programa neoliberal ortodoxo ou heterodoxo, qual dessas vertentes pode ter maior disponibilidade ou boa vontade para salvar vidas da fome, da violência, do desemprego, do abandono, da morte?
Estamos em meio a uma política macroeconômica desastrosa e perguntamos: qual dos projetos em disputa nas eleições representa o pagamento das dívidas sociais históricas que marcam a trajetória do país que neste ano fará memória dos seus 200 anos de independência? A articulação do Grito dos Excluídos/as está aí para mobilizar a crítica ativa questionando em seu lema: (in)dependência para quem?
Como seguir enfrentando, a partir das organizações de base, um projeto de mundo pautado nas relações capitalistas elevadas à máxima potência? As tensões políticas por toda a região sinalizam que não haverá trégua nas lutas por democracia, contra a violência de Estado e na resistência aos processos de financeirização que se ampliam e dos quais não escapam nem as pessoas, nem os outros seres do planeta, sejam eles bichos, florestas em sua biodiversidade ou recursos minerais disponíveis.
A histórica base popular está viva e ativa, só não vê quem dela se distanciou e agora por culpa, limitação intelectual ou dissimulação, repete o discurso do “voltemos às bases”! A decisão que se construirá a partir de uma decisão individual, via voto, nas eleições gerais em outubro terá efeitos coletivos! Qual o papel das organizações populares, dos sindicatos, das igrejas, da comunidade acadêmica, da classe artística, das instituições de educação, de influenciadoras e influenciadores digitais, na construção da consciência política individual e coletiva para esse tempo que vivemos?
Em meio às denúncias e escândalos que se acumulam, o governo Bolsonaro está desmoronando. A pergunta que fica é: como vamos organizar o revogaço de todos os retrocessos implantados no coração dos poderes executivo, legislativo e judiciário? As vidas perdidas não voltarão, mas a dignidade de quem está sobrevivendo precisa ser defendida mais do que nunca.
O caminho para a saída da cloaca em que o Brasil se encontra é seguirmos resistindo bravamente sem perder a esperança, guia das mulheres e homens que sonham com um futuro político verdadeiramente democrático, um horizonte econômico com crescimento satisfatório para o setor produtivo e justo para a população empobrecida, socialmente menos violento e mais inclusivo. Sem ilusões, vamos fincar o pé na luta!
No chão real dos becos, vielas, malocas, comunidades, ocupações no campo e na cidade. Há muita vida circulando para defender as muitas vidas ameaçadas ou já vitimadas por fome, bala, intolerâncias inaceitáveis e canetadas que assinam leis assassinas.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores!
Rede Jubileu Sul Brasil, 07 de julho de 2022.