Avaliação é da advogada e feminista Magnólia Said, em análise sobre o pleito concedida em entrevista ao Jubileu Sul/Américas. Educação popular e articular gênero, classe, raça e etnia para luta política estão entre os desafios da próxima Presidência, afirma Said.
Por Redação – Jubileu Sul Brasil
A advogada agrarista e feminista Magnólia Said, técnica do Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar, organização membro do Jubileu Sul Brasil, faz uma análise das eleições gerais de 2022 no Brasil, em entrevista concedida para as mídias sociais do Jubileu Sul/Américas (JS/A).
Ela comenta os impactos do pleito no país e na região, os desafios do próximo período e como a questão da dívida tem sido tratada nas eleições. A reflexão visa compartilhar a conjuntura nacional com os demais países da América Latina e Caribe, nos quais atuam as organizações membro e movimentos parceiros das redes JSA.
Os desafios e perspectivas também são comentados por Luis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), na versão em espanhol com as duas análises, publicada pelo Jubileu Sul/Américas.
Confira a seguir a entrevista com Magnólia Said:
Quais elementos você acha que devemos levar em consideração sobre as eleições que se aproximam no Brasil?
Primeiramente, a montagem dos pilares para trazer de volta o fascismo, cujo nascedouro está na crise política iniciada em 2014. Dentre eles estão uma relação populista com as massas, exacerbado nacionalismo, culto da tradição, repúdio às diferenças, um “escolhido” por Deus para governar.
Em segundo, o aprofundamento do racismo, agora com espaços favoráveis para que ele se expresse, tanto em função da fragilidade da Lei Anti-Racismo, como da dubiedade do que significa racismo nos termos da nossa legislação.
E em terceiro lugar, o aumento da violência contra a mulher em suas diversas expressões, amparado pelo fortalecimento do patriarcado e pela fragilidade do sistema de proteção.
O que está em disputa no cenário atual do Brasil, considerando o contexto das eleições?
Um projeto de vida contra um projeto de morte. A candidatura de Bolsonaro poderá ser descartada, mas o bolsonarismo que ele plantou continua. Ganhar essa disputa dependerá de nossa capacidade de atuar coletivamente em diferentes campos, no enfrentamento aos símbolos, certezas, razões e estruturas de poder que o alimentam.
A partir das agendas que o Jubileu Sul Brasil acompanha, quais demandas estão sendo construídas no contexto atual?
No sentido de favorecer as condiçõe, de incentivar a formação de grupos para atuar na sociedade, fazer incidência junto aos poderes públicos e aos organismos de mercado, de modo coletivo.
Também realizando processos de formação sobre temas relacionados e que afetam o cotidiano das pessoas, investindo na formação de mulheres para autonomia e incidência política. E trazendo para o debate público temas estruturais desse modelo, dando a eles uma abordagem continental.
O que o resultado dessas eleições no Brasil implica para toda a região da América Latina e Caribe?
Caso Lula seja eleito, servirá de inspiração para partidos e movimentos de esquerda de outros países. Poderá implicar na percepção da importância do exercício de uma solidariedade ativa entre povos latinoamericanos e caribenhos, nas causas e lutas que defendem.
Pode implicar também em uma atenção maior das esquerdas latino-americanas sobre os sinais da constituição de processos autoritários e suas formas de enraizamento junto aos setores populares, a necessidade de um investimento maior em tecnologias da informação a partir de grupos de juventudes para quebrar o monopólio das grandes redes de comunicação.
Implicar fundamentalmente na necessidade dos setores populares entenderem que uma esquerda construída, mantida nos marcos do capitalismo para o exercício da governança, não irá romper com esse sistema, porque tem como perspectiva apenas torná-lo mais aceitável. Daí, as pessoas acabam confundindo com liberdades democráticas o controle feito pelo capital em suas mentes, pela via da comunicação. Os sucessivos golpes desse sistema sobre América Latina e Caribe nos ensinam que não podemos ter ilusões.
5-Qual o papel da dívida na agenda política destas eleições e qual é a posição da Rede Jubileu Sul Brasil sobre isso?
O debate sobre a dívida pública nessas eleições não aconteceu porque sempre esteve fora da agenda política das principais candidaturas. Enfrentá-la seria se posicionar sobre as privatizações, o Teto de Gastos, as reformas trabalhista e previdenciária, o sucateamento de políticas públicas indispensáveis à vida da maioria da população, como o Sistema Único de Saúde – SUS, o Programa Bolsa Família e as garantias trabalhistas.
No caso de Lula, tratar da dívida durante o processo eleitoral seria ter que dar respostas sobre todo um enxugamento das políticas sociais e a retirada de direitos, em função da normatização em que se foi transformando a gestão da dívida. Dar respostas significaria se comprometer com uma auditoria integral da dívida, comprando uma briga com parte dos atores do sistema financeiro que têm manifestado apoio nos últimos momentos do processo eleitoral.
Para o Jubileu Sul Brasil, enfrentar e equacionar a dívida pública significa evitar a continuidade de suas consequências na vida das populações vulnerabilizadas. A Rede se coloca frontalmente contra todas as medidas que têm sido tomadas pelo governo atual no sentido de manter uma gestão rentista dessa dívida. A Rede apresentou como medidas urgentes, dentre outras: a suspensão do pagamento do serviço da dívida, uma auditoria integral e a revogação de todas as medidas que reforçam esse sistema de saqueio dos cofres públicos.
Independentemente dos resultados das eleições, que desafios futuros acredita que devem ser abordados a partir do campo popular?
Com a retomada da democracia, mesmo genérica e a estabilidade das instituições, teremos que repensar os movimentos e as lutas sociais se quisermos realmente recuperar o que perdemos, termos novas conquistas no campo dos direitos, além de avanços.
As esquerdas terão que repensar suas estratégias e processos de formação, considerando esse monopólio da informação e desinformação que passou a se concentrar nas redes sociais, para voltar a mobilizar e formar pessoas, na perspectiva da luta de classes.
Precisamos atualizar a leitura da sociedade a partir das nossas histórias e as de nossos ancestrais e sermos criativas/os na comunicação com as pessoas, para que percebam que as questões identitárias andam juntas com a questão da luta de classes. Creio que isso explica muito da dificuldade de nossas candidatas e candidatos de esquerda nestas eleições.
Nesse sentido, apontaria como desafios:
– Reconstruir esse campo popular, com uma extensão latinoamericana e caribenha, de modo que se possa pensar conjuntamente prioridades para a luta política e ideológica e as estratégias de incidência;
– Articular gênero, classe, raça e etnia para luta política, na perspectiva de ir provocando mudanças no pensamento naturalizado de que, se o racismo é estrutural, não se pode mudar e podemos sim, bem como na concepção de territorialidade, entendendo como um direito dos povos indígenas;
– Mobilizar as populações para uma luta contra o capital, com um horizonte socialista, pois governos que se pautam agregados com o capital não mudam nada;
Nesse sentido, a tarefa que se nos impõe é aprofundarmos e ampliarmos o que sempre fizemos: educação popular, construção de pensamento crítico que possa provocar o governo Lula a buscar caminhos que venham enterrar, de vez, a possibilidade da volta de tamanho retrocesso.