Os dados levantados pela CPT, entidade membro da Rede Jubileu Sul Brasil, apontam o avanço de um ambiente ainda mais hostil contra os povos indígenas, comunidades quilombolas, sem-terra e posseiros
Dados do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2022 lançado hoje (17) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no formato de Seminário, na Universidade de Brasília (UNB), revela um crescimento exponencial de violações contra povos indígenas, comunidades quilombolas, sem-terra e famílias posseiras. A natureza também está sob ataque, com destaque para a região da Amazônia Legal. Segundo informações, no Caderno, os agrotóxicos têm sido usados como arma química. O documento ressalta ainda, que nesse último ano ocorreu o aumento de pistolagem e do trabalho escravo.
Os dados revelam, nos eixos que a CPT trabalha: terra, água e trabalho, que foram registradas 2.018 ocorrências, envolvendo 909.450 pessoas e 80.165.951 hectares de terra em disputa em todo o território nacional. Isso corresponde à média de um conflito a cada quatro horas. Esses números indicam um aumento de 10,39% em relação ao ano anterior, quando houve o registro de 1.828 ocorrências.
Em conflitos, somente por terra, foram registradas 1.572 ocorrências de no país. O número representa um aumento de 16,70% em relação a 2021. Ao todo, 181.304 famílias viveram diante da mira desse tipo de conflito no Brasil, 4,61% a mais que o registrado no ano anterior.
Desde 2019, os povos indígenas aparecem nos registros da CPT como a categoria que mais tem sofrido ocorrências de violências nos conflitos por terra. Em 2022 eles seguiram em evidência. Do total de ocorrências registradas, 28% envolveram povos originários. Em seguida, está a categoria posseiro, envolvida em 19% dos registros de conflitos por terra. Logo depois estão comunidades quilombolas (16%), sem terras (12%) e famílias assentadas da reforma agrária (9%).
Agentes causadores dos conflitos
27,66% dos assassinatos estavam ligados a alguma ocorrência de pistolagem, governo federal, com 16%; empresários, com 13%; e grileiros, com 11%
Os dados também apresentam os principais causadores desses conflitos. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%; empresários, com 13%; e grileiros, com 11%. A principal mudança em relação ao ano de 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para os já mencionados 16%.
O tipo de violência mais grave levantado pela CPT foi a invasão de territórios, que afetou 95.578 famílias em todo o país, e mais: dos 47 assassinatos no campo registrados em 2022, 14,89% estavam associados a esse tipo de violência. Em 2021, esse número foi de 5,56%.
Segundo o levantamento Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), as invasões de territórios vêm crescendo no país, sobretudo a partir de 2019, com o início do governo Bolsonaro. Entre 2013 e 2022, houve 1.935 ocorrências de invasões de territórios no Brasil. Porém, somente nos anos do governo bolsonarista, foram registradas 1.185 ocorrências desse tipo de violência, o equivalente a 61,25% dos registros da década. Do total de 661 Terras Indígenas invadidas na última década, 411 das ocorrências se deram entre 2019 e 2022.
Ao todo, 30.624 famílias sofreram ações de pistoleiros em 180 ocorrências, com aumento de 32% no número de famílias e 86% no número de registros em relação a 2021. Em 2022, 27,66% dos assassinatos estavam ligados a alguma ocorrência de pistolagem. Em 2021, a porcentagem foi de 11%. Os dados indicam que a prática de pistolagem no campo emerge em contextos de ausência de mediação ou atuação do Estado para solucionar ou mitigar os conflitos no campo.
Amazônia Legal e áreas de fronteira agrícola sob ataque
Foram registrados 1.107 conflitos no campo, na região da Amazônia Legal
O último governo, que se encerrou no dia 31 de dezembro de 2022, resultou em um saldo preocupante para o país, no que diz respeito à violência no campo. No ano de 2022, foram registrados 1.107 conflitos no campo, na região da Amazônia Legal, o que representa mais da metade de todos os conflitos ocorridos no país (54,86%). Esse número é o segundo maior já registrado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), ficando atrás apenas de 2020.
A região da Amazônia Legal tem sido marcada por um crescente número de conflitos por terra nos últimos dez anos, com agravamento da situação após 2016. Dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil em 2022, 34 ocorreram na Amazônia Legal, o que representa 72,35% de todos os assassinatos no país.
A questão dos conflitos por terra na região da Amazônia Legal não acomete apenas as estatísticas de ocorrências, mas também o número de famílias envolvidas. Nos últimos dez anos, o número de famílias afetadas pelos conflitos aumentou de forma significativa, ultrapassando a marca de 100 mil após 2018.
Trabalho escravo
207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.618 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas
O Cedoc-CPT contabilizou, em 2022, 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.618 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas, o maior número dos últimos dez anos. Em comparação ao ano anterior, o aumento foi de 29% no número de pessoas resgatadas e 32% no número de casos.
O estado de Minas Gerais concentrou o maior número desse tipo de violência (62 casos com 984 pessoas resgatadas), seguido por Goiás (17 casos com 258 pessoas resgatadas); Piauí (23 casos com 180 pessoas resgatadas); Rio Grande do Sul (10 casos com 148 pessoas resgatadas); Mato Grosso do Sul (10 casos com 116 pessoas resgatadas); e São Paulo (10 casos com 87 pessoas resgatadas).
O agronegócio é o maior responsável pelo trabalho análogo ao escravo no Brasil. O número registrado pelo Cedoc-CPT refere-se exclusivamente às pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão no meio rural. Esse dado representou, em 2022, 88% do total de pessoas libertas no país, sendo os outros 12% de pessoas resgatadas em atividades laborais não-rurais.
Violência contra a pessoa
Foram 553 ocorrências, que vitimaram 1.095 pessoas, destas 47 perderam a vida
O ano de 2022 foi marcado pelo elevado crescimento do número de violência contra a pessoa. Foram 553 ocorrências, que vitimaram 1.095 pessoas. O número de casos é 50% maior do que o registrado em 2021 (368, com 819 vítimas). O registro desta categoria abrange todos os eixos de conflitos, sendo eles terra, água, trabalhista e outros conflitos. Em 2022 ocorreram 47 assassinatos por conflitos no campo, um crescimento de 30,55% em relação a 2021 (36) e 123% em comparação com os dados registrados em 2020 (21).
Outro número que revela esta dinâmica dos conflitos é o relativo às tentativas de assassinatos. Em 2022, 123 pessoas sofreram esse tipo de violência, um número 272,72% maior que as 33 registradas em 2021. Um aumento de mais de duas vezes e meia em relação ao ano anterior, além de ser o maior registro em todo o século XXI.
Em relação às identidades sociais das vítimas de assassinatos, os indígenas foram os alvos mais frequentes. Em 2022, 38% das pessoas assassinadas eram indígenas (18), seguidos por sem-terra (9), com 19%; ambientalistas (3); assentados (3) e trabalhadores assalariados (3), os três com 7%. Além destes, as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, somam-se ao cenário crítico de vítimas dos conflitos no campo em 2022.
Infância e adolescência ameaçadas
91 crianças mortas em 2022, consequência de conflito no campo
Ao analisar os assassinatos em conflitos no campo, percebe-se que crianças e adolescentes passaram a estar na mira deste tipo de violência durante o governo Bolsonaro. De 2019 a 2022, nove (09) adolescentes e uma (1) criança foram mortos no campo. Destes, cinco (5) eram indígenas. Essa tendência alarmante sugere uma tentativa de aniquilar o futuro do país, bem como a permanência dos povos originários e camponeses em seus territórios.
Chamam a atenção, ainda, as mortes em decorrência de conflitos. Em 2022, dos 113 registros de morte em consequência obtidos, 103 foram em Terra Indígena Yanomami, e destes, 91 eram crianças, representando 80,5% dos casos. Estes números foram baseados em denúncia revelada pelo portal Sumaúma neste ano de 2023, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), que apresentou números ainda mais altos de mortes evitáveis de indígenas Yanomami desde 2019, além das divulgadas por lideranças da Associação Hutukara em 2021, e contabilizadas pela CPT naquele ano.
A quase totalidade desta violência durante o governo Bolsonaro atingiu pessoas de 0 a 12 anos em Terra Indígena Yanomami. Em 2021 foram 156 ocorrências, das quais 150 eram crianças (96,1%); em 2020, 162, e em 2019, 159 – nestes dois anos todos os registros foram de crianças vitimadas. anos em que o total dos registros representaram 100% de crianças vitimadas.
Agrotóxicos, uma arma nos conflitos no campo
6.831 famílias foram atingidas pela aplicação de veneno
No âmbito geral das violências sofridas pelas pessoas no eixo terra, verifica-se o aumento dos casos de contaminação por agrotóxicos. Se em 2021, já havia sido registrado uma grande elevação deste tipo de violência, passando de 2 casos em 2020, para 71, no ano de 2022 o número é ainda maior. Foram 193 pessoas atingidas, um crescimento de 171,85%. Além disso, é importante destacar que essa forma de violência também acompanhou o aumento de famílias afetadas conforme registrado nas violências contra a ocupação e posse: 6.831 famílias foram atingidas pela aplicação de veneno, 86% a mais que 2021 e o maior número registrado pela CPT desde 2010, quando esse tipo de violência passou a ser apurada pela Pastoral.
Informações do Setor de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra