Evento no Parlamento Europeu fortalece a articulação por relações justas entre UE e países da América Latina e Caribe, reafirmando que a luta é o único caminho
Por Redação – Jubileu Sul Brasil
A Frente Brasileira Contra o Acordo UE-Mercosul está em Bruxelas e participa da Conferência no Parlamento Europeu, evento que fortalece a luta por relações justas entre União Europeia e países da América Latina e Caribe e acontece paralelamente à Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos e da União Europeia (UE-Celac).
A Comissão Europeia e vários Estados-Membros da UE querem aproveitar a Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos e da União Europeia (UE-Celac) para avançar na ratificação dos acordos comerciais (e de investimento) UE-Mercosul, UE-México, UE-Chile e abrir mercados onde possa obter as suas necessidades industriais de matérias-primas criando “benefícios mútuos e relacionamentos de longo prazo” com países ricos em recursos. Em Bruxelas, a narrativa está mudando, com pressões geopolíticas crescentes, a UE quer fornecer um modelo alternativo de desenvolvimento para o Sul Global por meio da Nova Agenda para as Relações entre a UE e a América Latina e o Caribe (ALC), e com ferramentas como o Portal Global. No entanto, a abordagem de desenvolvimento e cooperação da UE não garante uma Transição Justa.
A América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo e o encolhimento do espaço da sociedade civil e as violações dos direitos humanos continuam a atormentar os povos indígenas e os defensores da terra e da água. Sem fortes medidas de devida diligência, a tentativa de cooperação da UE servirá apenas aos interesses industriais, ao mesmo tempo em que exacerba os limites planetários.
Luta contra os acordos
Em articulação e preparação para manifestar o posicionamento de movimentos sociais e populares diante da realização da Cúpula UE-Mercosul, em maio, reunidos em Brasília, as organizações da Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo publicaram um pronunciamento onde afirma que a mesma “deve partir de princípios para garantir a defesa da democracia, a cooperação reparadora do colonialismo e respeitadora da autodeterminação dos povos, a conclusão de bloqueios e a defesa da América Latina e Caribe como território de paz”. (íntegra da declaração no final da matéria)
No Brasil, a Frente Brasileira Contra o Acordo UE-Mercosul tem fortalecido a luta contra esse acordo e denunciando graves aspectos nele previstos. “Rejeitamos categoricamente o Protocolo Adicional ou instrumento interpretativo neocolonial que a UE pretende impor bilateralmente para a assinatura e ratificação final do Acordo UE-Mercosul. É inaceitável a intenção de resolver questões ambientais e/ou de direitos humanos através do sistema de resolução de litígios do Acordo UE-Mercosul, alargando os poderes jurídicos do que deveria limitar-se a um acordo comercial. Defendemos que as questões ambientais e de direitos humanos devem ser resolvidas nas instâncias multilaterais competentes, dotando-as dos mecanismos de exigibilidade e aplicação que requerem face aos problemas da sua esfera de ação, estabelecendo responsabilidades diferenciadas e impondo sanções exemplares”, denuncia um trecho da Declaração da Jornada Continental pela Democracia contra o Neoliberalismo, da qual participa a Frente Brasileira Contra o Acordo UE-Mercosul.
O acordo UE-Mercosul
O acordo comercial entre a UE e o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) é ultrapassado e injusto. Este acordo de livre comércio serve ao interesses das multinacionais em detrimento do planeta, direitos humanos, trabalhadores e pequenos agricultores. Se for ratificado, aumentaria as desigualdades, o desmatamento e o uso de pesticidas tóxicos. Faz parte de um modelo ultrapassado que impulsionará o comércio de produtos nocivos que impulsionam o desmatamento, a crise climática e o envenenamento por pesticidas. Isso vai piorar a opressão dos povos indígenas e camponeses e exacerbar os abusos dos trabalhadores e dos direitos humanos.
Os ativistas pedem mais cooperação entre as duas regiões para enfrentar os grandes desafios sociais e ambientais de nossos tempos e uma mudança de paradigma em direção à justiça comercial.
Declaração da Jornada Continental pela Democracia contra o Neoliberalismo na perspectiva da Cúpula UE – CELAC
Tendo em vista a Cúpula que se realizará em Bruxelas entre a União Europeia (UE) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), a Jornada Continental pela Democracia Contra o Neoliberalismo, articulação de movimentos e organizações sociais, sindicais, camponesas, ambientalistas, feministas, de direitos humanos e de soberania, saúda a possibilidade de diálogo para avançar com propostas que favoreçam os povos da América Latina e Caribe.
Consideramos que, no âmbito da Cúpula, devem ser levados em conta princípios orientadores que garantam a defesa da democracia e a equidade inter-regional, princípios esses que deverão ser enquadrados no âmbito da cooperação para a reparação do colonialismo e do respeito pela autodeterminação dos povos, o fim dos bloqueios e das medidas coercivas unilaterais, a defesa do multilateralismo e a defesa da América Latina e Caribe como território de paz. Ratificamos a nossa denúncia do ilegal e criminoso bloqueio a Cuba por parte do governo dos Estados Unidos e exigimos que a Cúpula UE-CELAC exija a imediata retirada de Cuba da lista unilateral e arbitrária de países promotores do terrorismo da administração norte-americana, por representar um aumento extremo dos efeitos nocivos do bloqueio para toda a população.
Exigimos que a UE e os países do Grupo Central ponham termo à sua política de ingerência e ocupação do território haitiano e que o povo haitiano e as suas organizações sociais e políticas definam soberanamente o seu presente e o seu futuro.
Neste cenário de diálogo, é necessário avançar no reconhecimento e na reparação das dívidas históricas da Europa para com a América Latina e Caribe, acumuladas em matéria ambiental, social e econômica. Este reconhecimento e as vias de reparação são a condição sine qua non para a promoção conjunta de uma solução para a crise da dívida e para a construção de uma arquitetura financeira internacional justa e equitativa.
É inquestionável a necessidade de promover uma verdadeira integração dos povos da América Latina e Caribe com os povos da Europa que tenha em conta as responsabilidades históricas e atuais marcadas pelas crises globais e que, por isso, deve incluir um tratamento especial e diferenciado para os povos da nossa região.
Rejeitamos categoricamente os Acordos de Livre Comércio e de Proteção do Investimento (disfarçados de Acordos de Associação ou outras denominações menos impopulares) como paradigma e eixo da integração e das relações entre as duas regiões, porque visam reduzir o papel do Estado como garante do bem comum e dar privilégios e poder (econômico e político) extraordinários às empresas transnacionais e aos investimentos estrangeiros.
Defendemos a auditoria/revisão/renegociação ou anulação dos Tratados Bilaterais de Proteção e Promoção do Investimento (BIT) e a eliminação do sistema de resolução de litígios investidor-Estado (ISDS). Os litígios, especialmente quando envolvem ou podem envolver violações dos direitos humanos, devem ser resolvidos em tribunais nacionais regulares, onde os direitos humanos são primordiais, e não no sistema de justiça privada pró-corporativa que o regime ISDS representa. Defendemos a renúncia dos nossos países ao Centro Internacional para a Resolução de Litígios em Matéria de Investimento (ICSID) do Banco Mundial.
Para além do acima exposto, consideramos que a Cúpula deve debater um quadro regulamentar internacional e quadros regulamentares nacionais que ponham termo à impunidade das Empresas Transnacionais (ETN) e alarguem o acesso à justiça para as pessoas afetadas pelas suas, indo para além do voluntarismo (diretrizes da OCDE, Pacto Global, Princípios Orientadores), da responsabilidade social das empresas, da conduta empresarial responsável e de quadros de diligência devida estreitos e insuficientes. As empresas transnacionais devem ser responsabilizadas pelas violações dos direitos humanos e do ambiente ao longo das cadeias de produção que controlam e das quais retiram os maiores lucros; as empresas transnacionais devem também ser responsabilizadas pelas crises globais interligadas que afetam as pessoas e o planeta. Exortamos os governos da UE e da CELAC a aprovarem a proposta de um Tratado Vinculativo sobre Empresas e Direitos Humanos no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, mantendo os aspectos que foram levantados pelas organizações da sociedade civil.
Um aspeto prioritário no contexto atual é a rejeição pelos povos da América Latina e da Europa dos termos dos Acordos de Livre Comércio atualizados da UE com o México e o Chile, e do “Acordo de Princípio” alcançado em 2019 entre a UE e o Mercosul.
Rejeitamos categoricamente o Protocolo Adicional ou instrumento interpretativo neocolonial que a UE pretende impor bilateralmente para a assinatura e ratificação final do Acordo UE-Mercosul. É inaceitável a intenção de resolver questões ambientais e/ou de direitos humanos através do sistema de resolução de litígios do Acordo UE-Mercosul, alargando os poderes jurídicos do que deveria limitar-se a um acordo comercial. Defendemos que as questões ambientais e de direitos humanos devem ser resolvidas nas instâncias multilaterais competentes, dotando-as dos mecanismos de exigibilidade e aplicação que requerem face aos problemas da sua esfera de ação, estabelecendo responsabilidades diferenciadas e impondo sanções exemplares.
Os povos da América Latina e Caribe rejeitam a inclusão ou o alargamento do âmbito de alguns capítulos da última geração de Acordo de Livre Comércio (como os que nos referimos), impostos pela UE, que vão muito para além dos aspectos estritamente comerciais e alargam o poder e a esfera de influência das transnacionais na definição das políticas públicas, ajustando-as às suas necessidades e à maximização dos seus lucros nas cadeias de produção. Algumas delas são: Contratos Públicos (Compras Governamentais), Propriedade Intelectual, Transparência (e Coerência Regulatória), Regulação Nacional, Empresas Estatais, Serviços Públicos, Investimentos.
A história das relações entre as duas regiões é atravessada por fluxos migratórios em ambos os sentidos, os migrantes são fundamentais para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político das nossas regiões. Exigimos que a sua contribuição seja reconhecida, bem como os direitos dos migrantes a migrar e a não migrar, que se ponha fim à criminalização e à discriminação dos migrantes latino-americanos na UE, garantindo condições de vida e de trabalho dignas.
Por último, defendemos uma reformulação radical das relações governamentais e interpessoais entre a América Latina e Caribe e a Europa, com base na cooperação, solidariedade, igualdade, democracia e sustentabilidade para “garantir uma vida boa para todos” em vez de “assegurar benefícios para alguns”.
Brasília, 31 de maio de 2023