Enfrentar os impactos da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, assim como visibilizar os conflitos socioambientais já existentes no território foram objetivos presentes nas visitas a comunidades no Oeste do Pará.
Por redação | Jubileu Sul Brasil
Como parte da programação da Conferência Internacional Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, as organizações que formam a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA realizaram uma visita de três dias em áreas desmatadas pelo avanço do agronegócio, portos e infraestruturas logísticas para a exportação de commodities, em Santarém (PA). A programação no Oeste do Pará também contou com Roda de Conversa com comunidades tradicionais e rurais da região. A visita foi acompanhada por parlamentares e jornalistas convidados, além de representantes de organizações sociais da Europa, entre elas a Misereor, da Alemanha, e Ecologistas, da Espanha.
A expansão da produção de soja, milho, carnes e minérios na região nos últimos anos é responsável por graves conflitos socioambientais, os quais podem se intensificar com a redução ou eliminação de tarifas comerciais. O Acordo deve facilitar o aumento da importação de agrotóxicos da Europa que são proibidos nos seus países de origem e de carros a combustão, já produzidos no Brasil. Do ponto de vista ambiental e climático, o Acordo contribui para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação da Amazônia, beneficia de forma desproporcional as empresas transnacionais europeias e aprofunda a desindustrialização no Mercosul. “As negociações de políticas internacionais devem, também, seguir o compromisso do atual governo sobre a retomada da participação social. A Frente defende que novos modelos de comércio, que respondam às necessidades dos povos e ao contexto histórico de hoje, devem ser pautados nos princípios de solidariedade, igualdade, cooperação, sustentabilidade e democracia”, pontua Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil.
Danos irreparáveis
Durante a visita ao Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR), a presidente Maria Ivete dos Santos expressou a surpresa da comunidade diante do avanço da soja na região. “Até os anos de 1995 nós nunca tínhamos discutido sobre isso, porque a gente só conhecia esse nome, soja, pela lata de óleo, quando vieram nos alertar, em 1998, que a Cargill já estava se instalando, que ela acabou com uma praia chamada Vera Paz, logo depois, com sua ampliação, foi retirado também da comunidade um campo de futebol e um sítio arqueológico que ninguém conseguiu barrar”. O Sindicato atua na linha de frente contra as atividades predatórias da Cargill e sojicultores na região.
A praia de Vera Paz ficava em uma área de fácil acesso para a população da cidade de Santarém. A comunidade local foi terrivelmente impactada pela instalação do Terminal da multinacional Cargill. Hoje o local é marcado pela presença de um complexo de estruturas portuárias e de armazenamento situados à margem direita do rio Tapajós. Nesse processo, famílias ribeirinhas foram retiradas de suas moradas à beira do rio, onde plantavam e pescavam seus alimentos e empurradas para a periferia, enquanto a paisagem se transformava.
“Só tem lei para o rico, para quem ganha muito. Aqui para o pobre não tem [lei]. Se for um pobre pego retirando madeira ou fazendo carvão para sobreviver, pegam, multam, prendem. Eu tinha mil e poucas caixas de abelhas e não tenho nenhuma mais. É o agrotóxico! Vem no vento, na chuva, de todo jeito vem”, relata indignado o agricultor rural João do Mel, que sofre as consequências das mudanças ambientais na região causadas pelo agrotóxico.
De acordo estudos realizados pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de Minas Gerais, o agrotóxico é um dos principais fatores para redução das abelhas na região. As pesquisas reforçam as consequências negativas do uso de agrotóxicos para as espécies de abelhas nativas sem ferrão, utilizadas na meliponicultura para a coleta de mel e outros recursos, na região Oeste do Pará. Esses agrotóxicos são utilizados nas plantações para onde as abelhas voam e ao ter contato com essas substâncias acabam sofrendo intoxicação.
“O Acordo como está sendo discutido, de fato, não corresponde aos parâmetros de direitos humanos e defesa do meio ambiente que nós consideramos importantes. Então, o Acordo precisa ser renegociado. Temos que ter presente que este Acordo está sendo negociado há 20 anos, ou seja, muita coisa aconteceu, então temos que reformular completamente as negociações e a sociedade civil precisa ser considerada, precisa ser ouvida. É preciso ir aos territórios afetados pela mineração, pelo agronegócio, pelos agrotóxicos. Fazer estudos de impactos e verificar quais são as consequências para as pessoas”, destaca Madalena Ramos Görne encarregada para projetos no Brasil do Departamento da América Latina da Misereor.
A programação da Conferência Internacional contou com a visita a comunidade de Santarém — 02 a 04 de fevereiro — e com o Seminário “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional” — 06 e 07 de fevereiro —, a iniciativa foi realizada pela Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul, cuja coordenação executiva é composta por Fase – Solidariedade e Educação, Inesc, Amigos da Terra Brasil, REBRIP, Internacional dos Serviços Públicos, Rede Jubileu Sul e Contraf Brasil. Contou com o apoio da Misereor e da HEKS.