“Não há como manter isolamento numa casa onde tem sete pessoas vivendo em barracos com três metros de largura por oito metros de comprimento. A comunidade tem tentado se manter em isolamento, mas dentro da nossa realidade, que é todo mundo junto”. Moradora da Comunidade Raízes da Praia, Taciane Soares vive com a família num terreno ocupado pelo Movimento dos Conselhos Populares (MCP), próximo à Praia do Futuro, em Fortaleza (CE), entre a comunidade Serviluz e o bairro Vicente Pizon.
A ocupação existe desde julho de 2009, com 84 famílias em condições de vida precárias que têm sido ainda mais complicadas com a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), pois como conta Taciane, a aglomeração impede o isolamento. “É usar mais sabão. O álcool gel não é uma realidade para todos, é apenas para alguns e muito poucos, mas temos reforçado a importância do sabão, detergente, como forma de prevenir”.
Para fugir do calor que faz dentro dos barracos, com a temperatura média de 30° na cidade, os moradores se veem obrigados a se concentrar nas portas das casas. Há uma pessoa da comunidade internada com suspeita do COVID-19 e outra com sintomas, mas ainda sem internação, com os familiares tentando se manter isolados.
“Precisaria que houvesse testes dentro da comunidade para que as pessoas pudessem ser isoladas, levadas para outro local onde realmente pudessem manter esse isolamento porque dentro da comunidade é quase impossível”.
Apesar da gravidade da pandemia e da precariedade na ocupação, Taciane afirma que até o momento a comunidade não recebeu assistência da prefeitura ou dos órgãos de saúde, e a Defensoria Pública é o único órgão público que tem auxiliado os moradores. “Vamos esperar quantas pessoas ficarem doentes para que a prefeitura tome uma atitude?”, questiona.
Apoio necessário
Com o poder público distante, a Comunidade Raízes da Praia conta com o auxílio de organizações não governamentais, movimentos sociais, associações e pessoas que têm feito doações de alimentos e produtos de higiene às famílias. “Enquanto está na mídia, as pessoas vão ajudando, mas à medida que a quarentena vai se prolongando, não temos certeza de que essas doações vão continuar chegando”, pondera.
Além da sobrevivência em meio à pandemia do coronavírus, a questão sanitária é outra o principal problema, pois a falta de saneamento na comunidade está atrelada com diversas doenças sofridas pelos moradores, como enfermidades da pele.
Segundo Taciane, dois moradores tiveram erisipela, doença causada por bactéria, o estreptococo, que penetra por ferimento na pele ou mucosa e atinge os vasos linfáticos, causando mal-estar, febre alta, náuseas, vômitos, tremores. “Eles fizeram e ainda estão fazendo um tratamento longo e há crianças com micose. Como estão em casa em isolamento, foram 12 crianças, com idade de um a 8 anos, com o mesmo problema de pele. Também há muitas pessoas com problemas respiratórios, que sentem cansaço, que têm asma, e os problemas de saúde são agravados”.
Urbanização mantendo as raízes
A luta e resistência das famílias é pela urbanização da comunidade com direito à moradia digna e saneamento, mas tendo como prioridade a permanência na região porque a maioria dos moradores tiram da praia sua subsistência e ali têm suas raízes.
“O nome é Raízes da Praia porque as pessoas que ocuparam o terreno são da localidade, nela residem e dela vivem. São pescadores, ambulantes, muita gente vive da praia”, explica a moradora.
Taciane conta que no início da ocupação, a prefeitura de Fortaleza propôs implementar o programa Minha Casa, Minha Vida, mas sem dar garantias efetivas de que a urbanização seria no mesmo terreno nem que o projeto contemplaria moradia para todas e todos. A proposta feita na época era para construção das casas no bairro Prefeito José Walter, a mais de 20 quilômetros da comunidade.
Ainda segundo a Taciane, é uma falácia a afirmação que a prefeitura vem fazendo junto aos meios de comunicação, de que a comunidade está em condições precárias “porque quer”. Ela diz que ocorre uma falta de comprometimento em melhorar a qualidade de vida e que nunca foi algo negociável, pois sempre houve dificuldades quanto à urbanizar e organizar o saneamento básico do terreno.
“Quando a prefeitura afirma que foi dada uma possibilidade de se sair dessa situação, não é bem assim. Foi apresentado um projeto sem garantia nenhuma e que não entendia o que a comunidade tem como fundamental, que é se manter próximo à localidade, às escolas dos filhos e da praia porque muitas das pessoas da comunidade vivem e tiram seu sustento da praia”. Apesar da crise sanitária com a pandemia, o embate segue com a resistência diária da comunidade, mantendo a luta aguerrida por moradia digna e valorização de suas raízes.