O que é e como fazer uma cartografia social feminista? Essas foram as perguntas centrais do momento que contou com partilhas de experiências já realizadas.
Por Jucelene Rocha | Jubileu Sul Brasil
No contexto da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais, a formação sobre cartografia social reuniu cerca 30 mulheres, que estão mobilizadas nos territórios de comunidades das cidades de Belo Horizonte (MG). Fortaleza (CE), Salvador (BA), São Paulo, Rio de Janeiro (RJ), Manaus (AM) e Porto Alegre (RS). A atividade aconteceu por meio de chamada de vídeo, no dia 22 de setembro.
“A metodologia da cartografia social é fundamental para o debate político. Mas buscando um jeito simples de explicar, a cartografia é uma forma de representar, de registrar, alguma coisa, uma situação ou um contexto que se quer utilizar para um determinado fim. É interessante saber que não se começou a realizar a metodologia das cartografias agora, ela existe pelo menos desde o ano 2.500 antes de Cristo e foi desenvolvida pelos povos sumérios, na Mesopotâmia, hoje Iraque, para delimitar seus territórios e registrar a passagem deles nesses lugares”, explica Magnólia Said, assessora técnica em Fortaleza (CE) da Ação Mulheres.
“O primeiro mapa reconhecido pela história foi registrado em placa de barro cozido com inscrições sobre todo o território da Mesopotâmia. Com o passar do tempo outros mapas importantes foram feitos pelos gregos para orientar as expedições militares e de navegação, para conquista de novos territórios. Assim percebemos que a cartografia pode ter várias utilidades”, complementa Magnólia.
A palavra cartografia foi introduzida no Brasil pelo historiador português, Manoel Francisco para designar mapas, levantamentos. Nesse contexto, o que significa cartografar? “Mapear um conjunto de informações de uma determinada área ou lugar que nos dê elementos, que sirvam de registro e orientação para o que desejamos alcançar, para nossa incidência política, porque primeiro é preciso conhecer para depois fazer a incidência política”, explica a assessora técnica.
Mas o que difere a cartografia social da cartografia tradicional? Magnólia Said explica que “essa cartografia com a qual nós trabalhamos e que estão sendo feitas em diversos territórios, com diferentes objetivos, consideram o olhar das mulheres, levam em conta as relações políticas, culturais, comerciais, religiosas, sociais e subjetivas no espaço observado na cartografia”. Nesse sentido, o levantamento realizado pela cartografia consegue mapear aspectos para além do contexto geográfico e físico. Contempla também a observação crítica sobre o que falta para a comunidade, quais são as necessidades das famílias, das mulheres, das crianças, das juventudes. Traz em si a perspectiva da mudança da realidade vivida pelas mulheres submetidas a todo tipo de opressão, por isso também é feminista. “A cartografia representa vida e memória, dialoga com a história do lugar e com a história contada sob a perspectiva das mulheres sobre o que existia e o que existe no lugar onde vivem”, completa Magnólia.
O momento animou a organização das mulheres. Para Alfa Martins, que atua no âmbito do planejamento participativo, em Manaus (AM), a formação trouxe elementos importantes para a continuidade das lutas por moradia. “Quando vocês estavam falando fiquei pensando nas comunidades do Coliseu. Na primeira visita ao local foi um jovem que nos acolheu, começou a contar a história da comunidade e nos conduziu pelo território. No entanto, a gente percebe que nesse processo muitas vezes as mulheres não aparecem, até mesmo por medo de falar o que pensam e pelos traumas que já vivenciaram. Mas, o Jubileu trouxe uma metodologia fantástica! Estamos avançando no trabalho com as mulheres, jovens e crianças porque a metodologia vai nos ajudando a driblar com estratégias mais leves, os riscos que existem. Quando começarmos o processo das cartografias certamente vamos mexer com muitas coisas que existem dentro das ocupações”, destaca Alfa.
Uiara Garcia, arte-educadora, em Fortaleza (CE), destacou a participação das crianças na realização das cartografias nas comunidades. “Nas cartografias com participação de crianças no Planalto Pici ficou bem evidente a percepção delas sobre a questão da violência, da polícia, de não poder ir estudar em outro local ou não poder frequentar espaços públicos por conflitos de facções criminosas no bairro. Já na comunidade Raízes da Praia, as crianças revelaram perceber a falta de políticas públicas porque eles sentem a dificuldade de frequentar espaços que existem mas não estão à serviço da comunidade. O fato é que apesar de tão pequenas, as crianças também conseguem contribuir trazendo a visão e a percepção que elas tem das comunidades”, partilha a arte-educadora.
A formação seguiu destacando recursos metodológicos que podem ser aplicados na realização da cartografia social. Com exemplos vividos especialmente em comunidades de Porto Alegre e Fortaleza, as mulheres trocaram ideias e inspirações, a partir das experiências já vivenciadas.
Entre os elementos citados nas metodologias, destacaram-se o desenho do território, fotografias, vídeos feitos pelas moradoras e caminhada coletiva pela comunidade marcando espaços em que as mulheres identifiquem pontos que contribuem com a qualidade de vida no território e espaços de problemas, como pontos de lixo, esgotos a céu aberto, entre outros.
Todos os territórios inseridos na Ação Mulheres estão realizando sua cartografia social com o objetivo de avançar no plano de resposta, na busca por direitos básicos fundamentais para a comunidade e para fortalecer o protagonismo das mulheres nesses espaços.
As iniciativas da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais ocorrem numa parceria entre o Jubileu Sul Brasil, 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP), com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program). As ações também integram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro e contam ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.
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