As Pastorais Sociais dos cinco regionais do nordeste realizaram, entre os dias 4 e 6 de abril, em Lagoa Seca (PB), o Nordestão da 5ª Semana Social Brasileira (SSB). Representações de quilombolas, indígenas, pescadores artesanais, ribeirinhos, camponeses, catadores de materiais recicláveis, juventudes, movimento negro, movimento de mulheres, atingidos por grandes empreendimentos, sem-terra, sem-teto, população de rua, igrejas cristãs e de religiões de matriz africana partilharam os desdobramentos da 5ª SSB e publicaram uma carta com as conclusões do encontro, que teve o tema “O Nordeste que temos. E o Nordeste que queremos”.

Após resgate histórico, os participantes fizeram uma análise de conjuntura, em especial do nordeste. Com a metodologia de mini plenárias, partilharam experiências da busca pela construção de uma região em que o Estado esteja a serviço de todos.

Na carta final do encontro, são apresentadas duas listas. Uma de repúdio às estruturas que, segundo as Pastorais Sociais, impedem um Estado plenamente a serviço de todos. “[Repudiamos] a destituição dos direitos sociais garantidos e a privatização dos serviços públicos, como saúde e educação, cuja a garantia é dever do Estado”, afirma um trecho do texto.

A outra lista traz a exigência da efetivação e ampliação dos direitos, com o comprometimento no controle social das políticas públicas e afirmações de alternativas mais justas para a construção do Estado que desejam. “Afirmamos o nosso compromisso com a radicalização da democracia e a importância das mobilizações populares como forma de expressar a indignação diante do modelo de desenvolvimento, de participação efetiva nos rumos do país”, escreve outro trecho.

Confira na íntegra a carta do Nordestão da 5ª Semana Social Brasileira:

CARTA DO NORDESTÃO DA 5ª SEMANA SOCIAL BRASILEIRA

CONVENTO IPUARANA, LAGOA SECA – PB

04 A 06 DE ABRIL DE 2014

Somos povos que insistem no direito de viver! Não somos um povo único. Somos diversos: quilombolas, indígenas, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos e ribeirinhas, camponeses e camponesas, catadores e catadoras de materiais recicláveis, juventudes, movimento negro, movimento de mulheres, atingidos pelos grandes projetos, sem-terra, sem-teto, população de rua, igrejas cristãs com suas pastorais sociais e organismos e religião de matriz africana. Vindos dos nove estados da região, movidos e movidas pela esperança da construção do Nordeste que queremos, nos reunimos entre os dias 04 e 06 de abril, em Lagoa Seca/PB, no momento Nordeste da 5ª Semana Social Brasileira.

Puxando o fio da história, tecemos juntos e juntas a conjuntura política, econômica, social brasileira, especificamente do Nordeste. Partilhamos, em nossas miniplenárias, as experiências de resistência rumo ao Nordeste que queremos. Buscamos, a exemplo daqueles e daquelas que nos antecederam na luta, fortalecer a articulação das forças vivas comprometidas no processo de construção de um Estado a serviço de todos e de todas. Neste sentido, repudiamos:

o modelo de desenvolvimento neoliberal e neodesenvolvimentista imposto pelo Estado, que tem impactado negativamente os povos, comunidades e populações empobrecidas do Nordeste;

a criminalização das manifestações populares e movimentos sociais, bem como todas as formas de legalização e regulação da repressão, classificando-as como atos terroristas;

a destituição dos direitos sociais garantidos e a privatização dos serviços públicos, como saúde e educação, cuja a garantia é dever do Estado, sendo entregues a grupos declaradamente a serviço da lógica mercantilista da vida.

Repudiamos a expulsão de povos e comunidades tradicionais e camponeses de seus territórios, sendo o Estado o promotor da expropriação e violência, aliado aos interesses do capital;

a falta de uma efetiva Reforma Agrária e a implementação de um modelo agrícola baseado no agronegócio, com o uso indiscriminado de agrotóxicos e a dependência de sementes geneticamente modificadas, gerando um contexto de violência extrema no campo, gerando negação e ameaça à soberania e segurança alimentar e nutricional;

a privatização e mercantilização dos bens comuns, como água, biodiversidade;

a negação do direito humano à cidade e a crescente repressão policial, criminalização dos empobrecidos e expulsão de seus espaços de moradia e trabalho;

Repudiamos o extermínio das juventudes, em especial negra e empobrecida, promovido por uma violência institucionalizada, constituída pela negação dos direitos fundamentais e repressão policial;

a violação dos direitos das mulheres, especialmente o direito a uma vida sem violências;

a omissão do Estado frente à realidade do tráfico de pessoas, especialmente mulheres, crianças e homossexuais;

a falta de transparência dos atos do judiciário, o comprometimento dessa instância com os interesses das elites brasileiras e a total ausência de mecanismos de controle social, tendo impacto extremamente negativo sobre as lutas populares e suas justas reivindicações;

Por outro lado, afirmamos ser o Nordeste um território fecundo de lutas e resistências históricas, traduzidas em múltiplas e diversas experiências de alternativas de produção, de propostas de políticas públicas, de articulação e organização popular, de autonomia, de afirmação das identidades e da diversidade cultural dos vários povos e comunidades, cotidianamente ameaçados pelo avanço do grande capital. Por isso,

Exigimos a efetivação e ampliação dos direitos, ao mesmo tempo em que nos comprometemos com o controle social das políticas públicas, que deve ser plenamente exercido pela sociedade;

Afirmamos a necessidade de Reforma Agrária Popular, do reconhecimento e regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais, que garanta a plena autonomia de organização e as condições necessárias para quem vive da terra e das águas;

Afirmamos a agricultura familiar e camponesa, as experiências de produção de base agroecológicas, as formas sustentáveis de produção e utilização dos bens naturais pelos nossos povos como caminho válido e necessário para a soberania e segurança alimentar e nutricional;

Afirmamos o nosso compromisso com a radicalização da democracia e a importância das mobilizações populares como forma de expressar a indignação diante do modelo de desenvolvimento, de participação efetiva nos rumos do país, reconhecendo que, historicamente, os direitos garantidos que temos, só foram possíveis pela organização e mobilização da sociedade civil;

Afirmamos a necessidade da garantia do direito humano à cidade e de que suas estruturas sejam colocadas a serviço de todos e todas. Que sejam garantidas as condições de mobilidade, moradia, saúde, acessibilidade, trabalho. Sem que sejamos ameaçados e ameaçadas pelas violências física, psicológica, institucional e simbólica.

Afirmamos a necessidade de construir um controle popular do sistema de justiça, dentro de um processo que visa repensar o Estado, superar a parcialidade do poder judiciário, de maneira a garantir a celeridade e justiça necessárias nos casos que envolvem as lutas dos nossos povos e suas reivindicações;

Afirmamos a importância das mais diversas experiências locais adequadas ao modo de vida dos nossos povos, de produção, dos ecossistemas e biomas, a partir da perspectiva de convivência e sustentabilidade, em vista da vida com dignidade das atuais e futuras gerações;

Afirmamos a urgência de garantias para que as juventudes tenham as condições necessárias para desenvolverem suas potencialidades; reconhecemos a importância do protagonismo das juventudes na construção de uma sociedade justa e a necessidade de políticas públicas que reconheçam suas especificidades no campo e na cidade, de gênero, de etnias, de orientação sexual;

Afirmamos a necessidade de mecanismos que garantam a efetiva participação das mulheres nos espaços de decisão política, a garantia do direito a uma vida sem violência, a implementação efetiva da Lei Maria da Penha e a formação numa perspectiva de igualdade de gênero, com reconhecimento pleno das diferenças, para a realização das mulheres e homens;

Nesta perspectiva, estamos empenhados e empenhadas na desconstrução do colonialismo imposto sobre nós há cinco séculos e rompemos com a presente colonialidade, atualizada em estruturas políticas, sociais, econômicas que se colocam de forma subserviente aos interesses das oligarquias aliadas ao grande capital.

E partindo do processo de afirmação dos nossos valores de raiz, reafirmamos a rica tradição cultural do Bem Viver dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e camponesas, ribeirinhos e ribeirinhas, pescadores e pescadoras. Marchamos rumo à construção dessa sociedade do Bem Viver no Nordeste Brasileiro, através da memória das experiências de nossos ancestrais, de lutas concretas cotidianas, comunitárias, solidárias de partilha e de comunhão de todos os seres humanos entre si e com a natureza.

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