Alerta é do engenheiro Ricardo Canese, representante paraguaio no Parlamento do Mercosul
Por Ricardo Canese*
A privatização da Eletrobras, última promessa de Bolsonaro a seus seguidores no mercado financeiro, continua causando muita polêmica no país vizinho. As principais questões são uma escandalosa subestimação do valor real da empresa pública, na ordem de dezenas de bilhões de dólares, a fim de baratear sua privatização e transformá-la em um negócio muito mais lucrativo para os seletos interesses privados que não reduzirão as tarifas de energia. O Partido dos Trabalhadores, liderado pelo ex-presidente Lula, favorito nas eleições de outubro, já planeja abertamente reverter a possível privatização da maior empresa de energia elétrica do Brasil e da América Latina.
Mas o que se discute muito pouco é o impacto da privatização da Eletrobras para o Paraguai. A Eletrobras e a Administração Nacional de Eletricidade (ANDE), do Paraguai, são parceiras conjuntas em Itaipu, cada uma com 50% de participação, representando seus respectivos Estados. Por estar sujeita a um acordo binacional – o Tratado de Itaipu – a parte brasileira não pode ficar com a Eletrobras privatizada. Portanto, a parte que cabe ao Estado brasileiro na usina deve ser transferida para a recém-criada Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar).
No entanto, o governo brasileiro terá que compensar a Eletrobras privatizada pela perda de Itaipu e aí está o problema. O capital integrado de Itaipu é de US$ 100 milhões, divididos igualmente entre ANDE e Eletrobras, de acordo com o Tratado e os últimos saldos, mas, evidentemente, isso é muito menos do que a usina realmente vale. Uma resolução do comitê de privatização do governo brasileiro (resolução CPPI 221) estabeleceu o valor a ser pago à Eletrobras em US$ 233.163.704.705. Ou seja, o governo brasileiro avaliou sua participação na Itaipu em US$ 233 milhões.
Quanto vale 50% de Itaipu? Apenas 50 milhões de dólares, como diz o Tratado e os balanços da Binacional? Vale cerca de US$ 233 milhões, como diz agora o Comitê de Desestatização da Eletrobras? Ou 50% equivale a 10.000 M US$, já que seu custo –inflacionado– foi o dobro? Ou, talvez, o valor atual de Itaipu não deva ser muito maior, dependendo da receita de eletricidade que pode ser obtida com a venda da energia a preço de mercado? Fixar um valor relativamente baixo para 50% do capital integrado de Itaipu é, obviamente, facilitar e baratear sua privatização, em benefício do setor privado que compra a Eletrobras e em detrimento do povo brasileiro.
Os governos do Paraguai e do Brasil devem esclarecer muitas coisas. O governo paraguaio esteve envolvido na avaliação de Itaipu feita pelo governo brasileiro? O governo paraguaio concorda com os critérios utilizados e com o resultado da avaliação, ou seja, concorda que sua participação na Itaipu também vale US$ 233 milhões?
Qual a participação do lado paraguaio em toda essa discussão sobre a transferência do controle do lado brasileiro em Itaipu? Como essa avaliação, feita unilateralmente pelo governo brasileiro para privatizar a Eletrobras, afeta o Paraguai? Como essa fixação unilateral, pelo governo brasileiro, do valor atual de Itaipu afetará a ANDE para fins de privatização no Brasil? Como esta questão está sendo tratada à luz da revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu para 2023?
É gravíssimo que não tenha sido levado em conta o disposto no artigo 9º do Anexo A, que estabelece as atribuições e obrigações do Conselho de Administração da Itaipu, e especificamente na alínea “e) as reavaliações de ativos e passivos, com parecer prévio, da Eletrobras e da ANDE, observado o disposto no parágrafo 4º do artigo 15 do Tratado”. A ANDE deu sua opinião?
Essas perguntas devem ser respondidas pelos governos paraguaio e brasileiro. Certamente, se o Paraguai estivesse tomando medidas unilaterais que pudessem interferir em questões tão críticas, como qual é o valor real de 50% do capital integrado em Itaipu, o governo brasileiro não ficaria de braços cruzados.
* Ricardo Canese é representante do Paraguai no Parlamento do Mercosul pela Frente Guaçu (FG).
Artigo originalmente publicado no portal ABC, com tradução do Jubileu Sul Brasil.