Em dezembro, integrantes do Cimi Regional Sul já haviam solicitado o cumprimento de medidas urgentes por parte dos órgãos responsáveis pelos direitos e proteção dos indígenas
Por Marina Oliveira – Assessoria de Comunicação do Cimi
No começo da noite dessa última quarta-feira (10), os Avá-Guarani – da retomada Yvyju Avary, próxima ao Tekoha Y’Hovy e dentro dos limites da Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavira, no oeste do Paraná – foram atacados, mais uma vez, por fazendeiros e capangas da região. O episódio ocorreu poucos dias após as primeiras investidas, nos dias 23 e 24 de dezembro do ano passado.
Esse último ataque deixou quatro indígenas feridos – entre eles um líder espiritual, uma mulher e dois homens. Além disso, animais da comunidade também foram atingidos pelos disparos de arma de chumbo. A Polícia Federal (PF) foi acionada pelos indígenas, no entanto os agentes não chegaram a tempo de socorrê-los nem prestaram a devida assistência.
Ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma liderança indígena – que terá a identidade preservada – relatou o momento em que a comunidade foi atacada pelos criminosos.
“A gente sempre se reúne para fazer nossas rezas e rodas de conversa. Ontem, nos juntamos no final do dia, já estava escurecendo. Logo que chegou ao local onde fica o altar, minha irmã acendeu uma fogueira. Enquanto isso, outras pessoas foram chegando e preparando o fumo. Já quando estávamos juntos, minha irmã levantou e foi em direção ao altar com o seu cachimbo, jogando fumaça sobre o altar. Nesse momento, ela convidou o rezador para ir também até o altar. Em um momento, ela se agachou para jogar a fumaça também sobre o Takuapu [instrumento de reza dos Guarani], e foi quando escutamos um tiro e vimos a minha irmã caída no chão, gritando e chorando de dor”.
Em meio ao pânico, os indígenas notaram que outras pessoas também foram atingidas pelos disparos: entre eles, o rezador, que está com dois chumbos alojados na perna, e mais dois homens da comunidade. A única mulher Avá-Guarani ferida está com quatro projéteis também alojados no corpo.
De acordo com pessoas da comunidade, profissionais da Assistência Social do município de Toledo (PR) se deslocaram até o hospital onde os indígenas estão, desde a noite do dia 10 de janeiro, aguardando por procedimento cirúrgico para remover os chumbos. “Os feridos estão abandonados, sem atendimento e precisando urgentemente de cirurgia”, denunciou uma fonte.
A liderança mencionada anteriormente nesta matéria disse que casos parecidos como esse estão ocorrendo com frequência.
“Essas tocaias já vêm acontecendo, toda noite tinha pessoas não-indígenas entrando e rodeando a retomada. Nós sempre conseguíamos intimidar para que fossem embora, mas ontem, por um instante de descuido, aconteceu essa triste barbaridade e covardia, principalmente contra uma mulher, que foi a mais atingida”, lamentou.
Após o ataque, homens da comunidade se mobilizaram para localizar o autor dos disparos, mas não encontraram. Pelos relatos, ainda há invasores cercando o local e intimidando os indígenas com armamentos.
Na avaliação da mesma liderança, tudo isso poderia ter sido evitado se o Governo Federal tivesse tomado as providências necessárias desde que os indígenas retomaram parte do território originário.
“Se tivessem garantido proteção para nós, desde o dia que estamos aqui, ninguém sairia ferido, nenhuma mulher sofreria de dor dentro de um hospital. Estamos pedindo socorro, pressionando e exigindo a presença da Força Nacional aqui. Se não vierem, vai acontecer um massacre contra o povo Avá-Guarani. A qualquer momento vai acontecer uma verdadeira guerra. Não vamos recuar, vamos enfrentar sim, porque desde sempre a gente vem sofrendo com essa falta do território”.
“Se for preciso tombar e morrer para proteger a nossa Mãe-Terra, iremos tomar. Mas se sobrar 50 ou 60 adultos Guarani, sempre restarão crianças que levarão essa luta adiante e erguerão essa bandeira por justiça, por tudo o que a Itaipu causou a nós. Eles têm responsabilidade por não termos, até hoje, nosso território demarcado e por ainda sofrermos ataques. Vamos resistir com a nossa própria vida. E cobramos as devidas investigações para que encontrem a pessoa que atirou contra nós na noite de ontem [10 de janeiro de 2023] e prendam”, finalizou a liderança Avá-Guarani.
Cimi cobra providências desde dezembro
Ainda em dezembro de 2023, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul já havia encaminhado um ofício ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), solicitando a implementação de medidas urgentes para assegurar a proteção dos Avá-Guarani. Porém, as poucas ações não surtiram efeito até o momento.
Em um trecho do documento, o Cimi Regional Sul narra como ocorreu o primeiro episódio de violência.
“A comunidade ingressou nessa área [retomada Yvyju Avary] no dia 23 de dezembro e, logo na sequência, houve ataques de ruralistas. Os Avá-Guarani resistiram. De acordo com depoimentos colhidos na comunidade, no momento do ataque, estavam presentes alguns policiais militares. Eles, no entanto, teriam ficado na retaguarda, deixando os ruralistas agredirem os indígenas”, denuncia.
Já a ocupação da comunidade Tek ocorreu no dia 24 de dezembro, véspera de Natal. Conforme consta em ofício, “o único acesso até a ocupação é por uma trilha, de difícil acesso, entre plantação de soja e mata”.
Em dezembro, os indígenas tentaram dialogar com os fazendeiros da região, mas foram brutalmente atacados. Por meio de tratores, os ruralistas demoliram tudo ao redor, atearam fogo nos barracos dos indígenas, mataram dois cachorros da comunidade e queimaram duas motocicletas.
O Cimi Regional Sul está acompanhando, de perto, toda a situação desde dezembro do ano passado. Em uma ida até o território após os primeiros ataques, um missionário – a identidade será preservada por questão de segurança – disse que foi monitorado por meio de drones e homens não identificados.
Na ocasião, ele foi até o local para prestar apoio e solidariedade aos indígenas e realizar a entrega de doações, como alimentos, roupas, lonas e ferramentas. Ao retomar para a cidade, o missionário diz ter sido seguido por um homem que pilotava uma moto enquanto fotografava o seu veículo.
É preciso ressaltar que, assim como mencionado no início desta matéria, as retomadas estão localizadas dentro dos limites da TI Guasu Guavira, território já identificado e delimitado pela Funai. Ou seja, é direito dos indígenas permanecerem no local.
Falta de conexão no governo
O Cimi Regional Sul manifesta preocupação e exige dos órgãos públicos do Estado brasileiro a proteção aos Avá-Guarani, a investigação e a punição dos responsáveis por esses crimes. O MPI foi acionado no final de dezembro – pelo Cimi – e pediu ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a presença da Força Nacional de Segurança Pública, que ainda não chegou à região – morosidade que impede a devida proteção e garantia dos direitos dos Avá Guarani dessa terra indígena.
Para o Cimi Regional Sul, “é necessário que o MPI e MJSP se desloquem para a região no sentido de articular as forças de seguranças e os órgãos públicos na defesa das comunidades Guarani. É preciso que o Estado marque presença no local para coibir os abusos que vêm sendo cometidos diuturnamente, como se o município de Guaíra fosse uma terra sem lei”.
No dia 5 de janeiro deste ano, o Secretário Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, autorizou o uso da Força Nacional na TI Tekoha Guasu Guavira. Apenas nesta quinta-feira (11), o documento foi encaminhado ao MPI.
“Tendo em vista que a Força Nacional realiza atividades em apoio aos órgãos de segurança pública do Paraná, atualmente nos municípios de Foz do Iguaçu, Guaíra e Paranaguá, no combate aos homicídios e ao crime organizado, seguindo um protocolo de ações integradas previamente pactuado com o Governo do Paraná, informo que foram realizadas gestões necessárias, junto ao ponto focal do Estado do Paraná, colocando o efetivo da Força Nacional à disposição para possíveis ações na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, sob a coordenação e conforme planejamento daquele Estado”, diz um trecho do documento assinado pelo secretário Tadeu.