Indígenas afetados pela hidrelétrica de Itaipu divulgaram carta após evento resgatando a memória dos 40 anos da mudança do Tekoha Jacutinga para o atual Tekoha Ocoy, no estado do Paraná

Os Avá-Guarani durante evento realizado para resgatar memória dos 40 anos da mudança do Tekoha Jacutinga para o atual Tekoha Ocoy. Foto Osmarina de Oliveira/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Entre os dias 8 e 10 de junho, os Avá-Guarani, do Tekoha Ocoy, junto a estudantes e professores, se reuniram em um evento para resgatar a memória dos 40 anos da mudança do Tekoha Jacutinga para o atual Tekoha Ocoy, no estado do Paraná. O encontro ocorreu em formato híbrido: teve transmissão pelo Youtube do Observatório da Temática Indígena na América Latina (OBIAL) e, presencial, na escola Teko Nemoingo, em São Miguel do Iguaçu (PR).

Durante o evento, as lideranças lembraram das lutadoras e lutadores que resistiram para não ser expulsos do território: ao longo das quatro décadas, foram feitas diversas denúncias a respeito das omissões da Itaipu, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) perante o contexto.

Por meio de uma carta, construída ao final do evento, os indígenas relataram o histórico de luta e violência sofrida ao longo dessas quatro décadas.

“O ano era 1982, as comportas da hidrelétrica de Itaipu estavam para ser fechadas cobrindo todas as nossas terras, a maioria dos agricultores tinham sido indenizados e nosso povos estava abandonado na margem do rio Paraná. A terra era nossa, nosso Tekoha, mas a Funai, a Itaipu e o Incra não reconheciam nossos direitos, ao contrário, tentaram nos expulsar, transferir nossas famílias para terras de outros povos”, diz um trecho do documento.

“A Itaipu e a Funai não queria reconhecer nossa terra que já tinha sido reservada em 1913, não queriam nos reconhecer como Ava-Guarani e sugeriram oferecer alguns trocadinhos individualmente por família. Nosso líder Fernando Marinez Kambai disse não, reafirmou que queria terra coletiva. Finalmente em junho de 1982 iniciou a transferências das 19 famílias de nossos parentes do Ocoy/Ocoy-Jacutinga para o atual Ocoy.”, completam as lideranças.

Como mesmo afirmam em carta, esse novo local – o atual Ocoy – era para ser provisório, até que conseguissem uma terra maior, nas mesmas proporções e condições do Jacutinga. No entanto, tornou-se permanente.

Mesmo após 40 anos, desde que começaram a subir as obras da Itaipu Binacional, os Avá-Guarani nunca tiveram os seus direitos reparados. Mas eles afirmam que continuarão resistindo – pelas suas próprias vidas e das próximas gerações.

O evento, realizado para resgatar memória dos 40 anos da mudança do Tekoha Jacutinga para o Tekoha Ocoy, reuniu lideranças Avá-Guarani, professores, estudantes e missionários do Cimi. Foto Osmarina de Oliveira/Cimi

Reencontro

De acordo com Osmarina de Oliveira, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Sul, essa atividade fez parte dos 50 anos do Cimi. Osmarina destacou a presença de Jussara Rezende, missionária do Cimi, durante o encontro realizado na última semana.

“A Jussara entrou no Cimi na década de 1970 e faz parte até hoje de nossa equipe. Entre as décadas de 1970 e 1980, ela foi trabalhar com os Avá-Guarani. Jussara, entre outros missionários, tiveram o papel fundamental no Oeste do Paraná, registrando as violências sofridas pelos Avá-Guarani ao longo desses anos. Contar com a presença dela foi muito importante e também emocionante. Ela reencontrou com um ancião do povo, que completará 100 anos agora e, vê-lo depois de 40 anos, foi uma emoção muito forte”.

Veja a carta na íntegra:

Quarenta anos de luta, quarenta anos de resistência

Tekoha Ocoy – Paraná – BR

Nos reunimos nesses dias 8, 9 e 10 de junho de 2022, lideranças, xamoi kuêra, xari kuêra, estudantes, professores e todos os membros da comunidade Ocoy, e membros de outras comunidades Ava-Guarani da região, para fazer a memória das histórias dos 40 anos da mudança do Tekoha Ocoy/Jacutinga para o atual Tekoha Ocoy, lembrar de nossos lutadores e lutadoras que resistiram até o fim para não serem expulsas, denunciar as omissões da Itaipu, Incra e Funai e reafirmar que não nos calaremos até a devida reparação.

O ano era 1982, as comportas da hidrelétrica de Itaipu estavam para ser fechadas cobrindo todas as nossas terras, a maioria dos agricultores tinham sido indenizados e nosso povos estava abandonado na margem do rio Paraná. A terra era nossa, nosso Tekoha, mas a Funai, a Itaipu e o Incra não reconheciam nossos direitos, ao contrário, tentaram nos expulsar, transferir nossas famílias para terras de outros povos. As famílias resistiram e lideradas pelo nosso xamói Fernando Martinez Kambai dissemos não a esses órgãos, preferíamos ficar na nossa terra, submersos pelo lago que aceitar a violência imposta.

A Itaipu e a Funai não queria reconhecer nossa terra que já tinha sido reservada em 1913, não queriam nos reconhecer como Ava-Guarani e sugeriram oferecer alguns trocadinhos individualmente por família. Nosso líder Fernando Marinez Kambai disse não, reafirmou que queria terra coletiva. Finalmente em junho de 1982 iniciou a transferências das 19 famílias de nossos parentes do Ocoy/Ocoy/Jacutinga para o atual Ocoy. Esse novo local era para ser provisório, até que fosse conseguida outra terra maior, do tamanho e nas condições do Ocoy/Jacutinga, mas tornou-se permanente. Além do Ocoy/Jacutinga havia pelo menos mais 20 tekoha kuêra que sequer foram considerados pela Itaipu e Funai.

Aqui estamos há 40 anos. Mesmo sendo pequeno, esse lugar tornou-se raiz, um tekoha mãe. Dezenas de famílias que estavam dispersas pela região, expulsas pela colonização e pela hidrelétrica, se reencontraram no Ocoy. Aqui nos fortalecemos e nos organizamos, reconstruímos nossos espaços de estudo, de reza, de lazer e de vida. A população cresceu, a terra ficou pequena, diversas famílias foram obrigadas a sair e formar outros nove tekoha kuêra. Atualmente somos mais de 1000 pessoas vivendo em 230 ha, espremidos em uma estreita faixa de terra entre o lago de Itaipu e as lavouras envenenadas e transgênicas do agronegócio.

Passados 40 anos não fomos indenizados, reparados e nossos direitos não foram reconhecidos. Nossa luta não se resume aos 40 anos, ela começou muito antes e seguirá para todo o sempre. Da mesma forma que nossos xamói kuêra e xari kuêra lutaram pelo direito de continuar vivendo em comunidade nós seguiremos o exemplo e a sabedoria de nossos sábios e continuaremos a lutar pelo direito de todos nossos parentes avá-guarani no oeste do Paraná.

Reafirmamos nossa convicção que sempre estivemos aqui e daqui não sairemos. Vamos continuar lutando pelas reparações, pela nossa vida e vida de nossos filhos e netos. Seguimos sempre resistentes e cada vez mais convictos de nossos direitos e de nosso teko e contamos com a inspiração, luz e proteção do grande Nhanderu Tenonde que nos guia e nos fortalece.

Tekoha Ocoy, 10 de junho de 2022″

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