Organizações populares distribuíram mudas de árvores e chamaram atenção crise climática: “a catástrofe que ocorreu no Rio Grande do Sul é político-ambiental”
Na semana do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 junho, movimentos populares, centrais sindicais, partidos e organizações da sociedade civil promoveram, nesta sexta-feira (7), um ato público em frente ao Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, para lembrar que “a catástrofe que ocorreu no Rio Grande do Sul é político-ambiental”. Ao final do ato, foram distribuídas mudas como parte da campanha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), iniciada em 2020, de plantar 100 milhões de árvores. Vinte e cinco milhões já foram plantadas.
“É tempo de semear, é tempo de colher, não é mais tempo de defender migalhas pútridas do capitalismo. Se há flores em nosso jardim é porque cuidamos da terra, dedicamos nosso tempo a plantar nosso amor à vida. É tempo de respirar profundo, lembrar quem somos, classe trabalhadora do campo e da cidade, que somos centelha de justiça socioambiental”, declarou o agrônomo Álvaro Delatorre, integrante do MST.
A organização do ato denuncia a tragédia no Rio Grande do Sul, que deixou 172 mortos, como uma crise anunciada, tendo em vista os alertas feitos pela ciência há mais de 30 anos por meio do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas. O último boletim da Defesa Civil aponta 476 municípios afetados, 35 mil pessoas em abrigos, mais de 575 mil desalojados e 2,3 milhões de atingidos.
Durante o protesto, que iniciou com uma caminhada de acampados e assentados do MST da prefeitura até a Praça da Matriz, os manifestantes chamaram atenção para a urgência da crise climática. “Nessa semana do meio ambiente, enquanto o Rio Grande do Sul afunda, nós dizemos: ‘Chega! Chega! Vocês são os culpados!’. Acabaram com os serviços básicos, sabiam dos perigos da chuva e não fizeram nada. Abandonaram o povo gaúcho”, disse Luiza Moraes, do Levante Popular da Juventude.
Maurício Roman, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), lembrou o compromisso das organizações do campo ali presentes na defesa do clima por meio da agroecologia e destacou a necessidade de revisão das leis ambientais do estado. “Defender o clima, defender a sociedade e defender a natureza é um ato de amor. É esse ato de amor que o MST vem fazendo há mais de 40 anos em seus territórios, com a agroecologia, a defesa do meio ambiente e a preservação das águas e rios. Precisamos retomar sim o plantio das árvores e a proteção das nossas nascentes”, propôs.
Aula pública com Francisco Milanez
O especialista em análise de impactos ambientais e diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, fez uma aula pública sobre a calamidade vivida no estado. Integrante da entidade ecológica pioneira no Brasil, fundada em 1971 por ambientalistas como José Lutzenberger, iniciou dizendo que não tinha uma boa notícia: “Vão vir mais chuvas. Nós temos que nos proteger”.
Para o ambientalista, a proteção é a reconstrução da natureza radical. “Ninguém vai ter agricultura se não tiver solo. E quem deixar o solo ir na erosão, como foi agora, não tem mais solo nas terras. Só tem subsolo, que não dá nada. Então nós temos que proteger nossa agricultura. Como é que se protege a agricultura? Através das áreas de proteção permanente. Ah, mas não dá para plantar. Dá para fazer agrofloresta, dá para fazer várias coisas que retém água, que protegem os rios. Dá para fazer uma agricultura orgânica, sem uso de agrotóxico.”
Milanez afirmou que Porto Alegre foi muito protegido, que estaria muito pior se não fossem as várzeas do MST com arroz orgânico. “O arroz orgânico nos protegeu, o MST teve prejuízo grande, mas nos protegeu, porque a água ficou lá. Estaria muito pior se não fossem os assentamentos de Eldorado, Nova Santa Rita. Tudo isso está nos protegendo.”
Segundo ele, em outros países, o pessoal gasta uma fortuna pra pagar para ter áreas verdes ao redor das cidades. “Nós temos a produção de arroz orgânico do MST circulando a metrópole, a zona metropolitana, e nos protegendo, o nosso ar, nossa água. Sim, porque se eles não usam veneno, está protegendo a nossa água, tá filtrando, tá melhorando.”
Milanez defendeu a necessidade de recuperar as leis ambientais perdidas. “Nós podemos recuperar e nós podemos avançar, que é o que interessa. Nós precisamos avançar. E é contra o egoísmo do lucro estúpido. Nós temos que semear o amor à vida, à solidariedade. É isso que vai mudar nosso Estado. É isso que é a solução para os nossos problemas. Os ambientalistas já disseram há 53 anos, é o amor à vida como um todo que vai proteger a vida humana”, finalizou.
Organizações populares
Letícia Paranhos, da organização Amigas da Terra Brasil, aponta que “a defesa do meio ambiente é a defesa das nossas vidas”. Ela citou o seringueiro e ambientalista Chico Mendes, ao lembrar que “ecologia sem luta de classe é só jardinagem. E só de jardinagem ninguém vive”.
“O que a gente está vivendo não é o acaso, é um projeto político de morte. Precarizou, privatizou, terceirizou. Esse governo [de Eduardo Leite] nos deixou vulneráveis à iniciativa privada e à disposição do lucro do capital”, critica.
A ambientalista lembrou ainda, como exemplo das tentativas de avanço do capital em detrimento do bem comum, do projeto Mina Guaíba. “Ela foi barrada, e a gente segue em luta porque esses projetos de morte são projetos zumbis, eles nunca acabam. Queriam ser a maior mineração de carvão a céu aberto da América Latina. Essa é a disputa que nós estamos fazendo. É como os projetos de morte.” O projeto foi embargado na Justiça.
A pesquisadora Patrícia Morales, da comunidade do Passo dos Negros, em Pelotas, destacou a luta para reconhecimento da região como patrimônio cultural. “Aquele território tem vários patrimônios materiais e imateriais. Tem a última ponte feita por mãos negras na época da escravatura. Tem figueiras centenárias. Tem toda uma comunidade, entre humanos e não humanos, dentro daquele espaço que está sendo ameaçada de ser retirada, que estão abandonados”, denuncia. A região foi muito afetada pelas enchentes.
Apoio de parlamentares
O ato também recebeu apoio de parlamentares. A deputada federal Maria do Rosário (PT) cobrou a responsabilidade do Poder Público municipal pela manutenção do sistema anti-cheias. “Vemos os territórios populares da cidade, do Sarandi, do Humaitá, da Vila Farrapos, da região do 4º Distrito, do centro e das regiões todas da nossa cidade invadidas pela água dos bueiros que não receberam a manutenção, que foram descuidados pela atual gestão. A responsabilidade de um governo, antes de tudo, é a prevenção e o cuidado.”
Rosário chamou atenção ainda para o processo de reconstrução das cidades, o qual deve estar embasado numa lógica sustentável. “Onde nós não tenhamos apenas alguns decidindo qual é o futuro, porque o futuro pertence a quem está nessa praça, a quem conscientiza, a quem está nas cozinhas solidárias, a quem espalha a consciência, a quem busca a transformação. Ou o futuro será melhor, diferente, sustentável e ambientalmente referenciado, ou não haverá futuro para as cidades, para o Brasil e para o mundo”, defendeu.
Para o vereador Roberto Robaina (Psol), é preciso estar atento às escolhas diante dos processos eleitorais municipais que se aproximam. “[Precisamos] estabelecer um modelo local de desenvolvimento que faça uma aliança entre a cidade e o campo e que garanta que nós possamos contar com a solidariedade da pequena produção agrícola para garantir o abastecimento e a alimentação dos nossos trabalhadores, das nossas trabalhadoras e da nossa juventude”, aponta.
Ele chamou atenção para o aumento do empobrecimento como um efeito da catástrofe no estado. “Milhões de pessoas foram jogadas para um patamar inferior de condições materiais de existência. E, portanto, a luta contra a fome tem um valor fundamental e um governo comprometido com os trabalhadores têm que encarar esse desafio em aliança com o Movimento Sem Terra, com os pequenos agricultores e com toda a sociedade democrática que percebe que nós não podemos seguir no caminho da barbárie”, defende.
Também participaram do ato a deputada federal Reginete Bispo (PT), a deputada estadual Luciana Genro (Psol) e a vereadora Biga Pereira (PCdoB) e o vereador Jonas Reis (PT).
Diversas entidades se manifestaram também denunciando a negligência política e a necessidade de mudanças. Ao final, foi lida uma Carta elaborada pelos movimentos sociais que organizaram o ato.
O Brasil de Fato RS solicitou um posicionamento do governo do estado e da prefeitura de Porto Alegre, e aguarda retorno. O espaço segue disponível para atualização.