Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

Saúdo-te, esperança, tu que vens de longe,
inundas com teu canto os tristes corações,
tu que dás novas asas aos sonhos mais antigos,
tu que nos enches a alma de brancas ilusões.
Saúdo-te, Esperança. Tu forjarás os sonhos
naquelas solitárias desenganadas vidas,
carentes do possível de um futuro risonho,
naquelas que inda sangram as recentes feridas.
Ao teu sopro divino fugirão as dores
como tímido bando de ninho despojado,
e uma aurora radiante, com suas belas cores,
anunciará às almas que o amor é chegado.

Os poemas do brasileiro Mario Quintana e do chileno Pablo Neruda nos falam sobre esperança. A esperança do verbo esperançar, como nos ensinou Paulo Freire, brasileiro que foi exilado no Chile, país onde escreveu sua “Pedagogia do Oprimido”.

Mas essa conexão entre as esperanças que pulsam dos territórios brasileiro e chileno, e que mobilizam sonhos, não terminam em Quintana, Neruda e Freire. O terceiro painel do ciclo de debates “Dívida, Privatização e Livre Comércio: o que aprendemos com nossas lutas? Quais perspectivas temos?”, promovido pela Rede Jubileu Sul/Américas e realizado na tarde desta segunda-feira (26), revela que há muitas possibilidades de esperanças, articulações e organizações populares comuns não apenas entre os dois países, mas em nível regional.

“Vemos que há muita esperança. Apesar do cenário muito adverso, muito conflitivo, muito violento, vemos também um espaço de esperança, de possibilidades de irmos construindo processo político com mais pessoas, mais pluralista, mais democrático”, expressou Ingrid Conejeros Montecino, do Povo Nação Mapuche, ao falar sobre o processo constituinte em curso no Chile.

Candidata à cadeira reservada ao Povo Mapuche na eleição da Assembleia Constituinte do seu país, que acontecerá nos dias 15 e 16 de maio, Ingrid frisou que esse processo só está sendo possível por uma histórica mobilização de diversos segmentos do povo chileno.

“Se não houvesse uma luta intensa de distintos atores políticos e sociais por direitos, não teríamos esse momento, que vem empurrado por movimentos das ruas, das manifestações, das organizações de base, dos estudantes, das forças emergentes, que reconhece que tivemos algumas conquistas, mas que foram insuficientes e superficiais para enfrentar as profundas desigualdades que têm bases na ditadura Pinochet e que se consolidaram no modelo neoliberal”, destacou.

Construir o poder popular

Também analisando o contexto sociopolítico do Chile, Vania Ochoa, da Marcha Mundial de Mulheres Fio Fio, acredita que é essencial a priorização das experiências que materializam o poder popular, como “as assembleias socioambientais, de mulheres, de corpos dissidentes, que fortalecem a autonomia e soberania dos povos”.

Ressaltando que essas assembleias e iniciativas de exercício do protagonismo popular na definição dos  rumos coletivos resultam das manifestações que ocuparam as ruas do país no final de 2019, Vania entende que “essa revolta social e popular que aconteceu no Chile agudizou a crise de legitimidade e da representatividade política e, ao mesmo tempo, vai interpelando a classe política que está no poder”.

Para ela, todo o processo de mobilização vivenciado recentemente no país “é também uma sinalização de que a sociedade quer um sistema muito diferente do atual e que o movimento popular não aceitou delegar as discussões importantes e as proposta de transformações ao sistema político institucional”.

Os caminhos da esperança

Bispo da Diocese de Brejo, no Maranhão, Dom José Valdeci Santos Mendes, fez uma trajetória das edições da Semana Social Brasileira como “um processo, um acontecimento, em que vão surgindo coisas novas e que integra lutas por vida, por direitos e por uma sociedade justa e fraterna”.

Ao mencionar o tema “Mutirão pela Vida – por Terra, Teto e Trabalho”, Dom Valdeci enfatizou que a 6ª Semana Social Brasileira se afirma como “um mutirão de defesa da soberania enquanto possibilidade dos povos decidirem seu presente e seu futuro, da democracia como garantia de respeito aos direitos conquistados na Constituição de 1988 e de defesa da vida acima do lucro”.

Citando o exemplo da Teia dos Povos Tradicionais (que acontece no Maranhão e articula indígenas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores e outras comunidades), o bispo Valdeci, que é presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora , apontou o caminho: “precisamos juntar as experiências do Cone Sul e de toda a América Latina e construir pontes de esperança e de partilha de experiências de lutas e resistência”.

Mediadora do debate, Rosilene Wansetto, da Rede Jubileu Sul Brasil, manifestou um desejo que certamente é coletivo: “que sejamos sempre aprendiz da vida, do amor, da esperança. Sabemos que a realidade está muito dura, muito complexa. Solidariedade a todas as pessoas que estão sofrendo com a pandemia, há muita gente sofrendo pela pandemia e pela irresponsabilidade dos governos. Que sigamos cantando a vida, a esperança, o amor, a luta e a resistência que vem das ruas”.

Durante o painel, o bispo Valdeci fez referência à memória de Dom André de Witte, que faleceu na noite do último domingo, 25/04. Presidente da Comissão Pastoral da Terra e com uma vida dedicada ao compromisso com a causa dos pobres da terra desde que chegou ao Brasil vindo da Bélgica, Dom André era conhecido como o “dom da simplicidade e da esperança”. Numa atividade em que a palavra esperança foi tantas vezes mencionada, Dom André, sem dúvidas, estava presente.

O objetivo da Rede Jubileu Sul/Américas é dar continuidade aos debates a partir de uma agenda articulada e comum, visando colaborar e somar nas diversas ações apresentadas ao longo dos três painéis realizados neste mês de abril. Está prevista ainda a elaboração de uma publicação sobre o ciclo.

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