Por Karla Maria | Rede Jubileu Sul Brasil
Na Argentina, a taxa de inflação anual está acima de 40%, o desemprego subiu de 8,7% para 9,6% entre 2017 e junho de 2018. Também em junho, país assinou acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), depois dos ajustes e recortes em áreas essenciais, o país segue na crise. No artigo Acordo da Argentina com FMI é impossível de cumprir, Hugo Rovelli, economista especializado em temas tributários e monetários da Universidade de Buenos Aires, revela que tanto o acordo assinado com o FMI como o Projeto de Lei do Orçamento Nacional de 2019 têm como principal objetivo a acumulação de fundos por parte do Estado para poder, essencialmente, pagar a dívida pública do país.
“Não importa se, para isso, serão afetadas as vidas dos aposentados que sofrem para chegar ao fim do mês, ou se as medidas aumentarão a pobreza e a indigência, e que parte desse aumento será de crianças sofrendo com esses males”.
Para falar de como está a vida do povo argentino diante de tamanha crise, entrevistamos Pablo Herrero Garisto, ativista, militantes dos Direitos Humanos e membro do Jubileo Sur/Américas. De Buenos Aires, ele falou da quarta greve geral, realizada em 25 de setembro, que parou o país e das consequências do acordo de Macri com o FMI no dia a dia dos argentinos. Confira:
Como avalia essa quarta greve geral contra a política econômica do governo de Mauricio Macri, convocada pela principal central sindical da Argentina, e como estão os movimentos sociais nesta atual conjuntura?
Esta nova greve nacional convocada por todos os centrais sindicais argentinas – a CGT e os três CTAs – foi o resultado de uma reivindicação que é vivida e expressa dia após dia nas ruas, como resultado do aumento contínuo dos preços de alimentos, nos transporte e da maioria dos serviços, como gás, eletricidade e água. Isso somado ao à forte rejeição deste novo acordo com o Fundo Monetário Internacional [FMI], que hipoteca o futuro dos argentinos por cem anos, e coloca como garantia de pagamento os nossos bens e recursos naturais. Diante dessa grave situação, houve um reagrupamento dos movimentos sociais diante do ajuste e da fome. A resistência vem de diferentes setores sindicais, pequenos comerciantes e produtores rurais, estudantes e movimentos de mulheres, de direitos humanos e ecumênicos populares que se uniram nesta grande greve nacional.
Qual é a realidade do povo mais pobre da Argentina?
Há um aumento na pobreza e na indigencia. O número de pessoas que vivem nas ruas e das famílias que se alimentam em cozinhas populares com sopas se multiplicou. É uma realidade apontada por todos os indicadores, desde os pesquisadores até a Pastoral Social da Igreja Católica. Estamos diante de uma crise alimentar causada pela inflação que acaba por desvalorizar os salários. Também diante de uma onda de milhares de demissões e suspensões, tanto no estado quanto no privado. Estamos caminhando para um aprofundamento do produto da crise social do modelo econômico que beneficia apenas uma pequena parcela da sociedade. Em três anos houve um forte ajuste nos direitos econômicos, sociais e culturais, que afetaram o dia a dia de milhões de pessoas. Por exemplo, é a primeira vez na história argentina que o Ministério da Saúde é rebaixado a um simples Secretaria, uma decisão tomada obedecendo o forte ajuste nos hospitais e na saúde pública.
Como avalia o acordo com o FMI e as políticas oficiais como o corte de subsídios e a demissão de funcionários públicos, no âmbito do ajuste das contas públicas que Macri tenta fazer?
O acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) é a restauração da ordem neoliberal e tudo o que isso implica. Diante de uma crise financeira, o FMI é novamente abordado como se não soubéssemos as conseqüências desastrosas que os planos dessa organização tiveram em toda a história argentina. É como voltar no tempo para o ano 2001, quando ocorreu o maior endividamento, o maior ajuste, e a maior pobreza e fome. Esse é o resultado. Um acordo que foi assinado pelo governo sem ser discutido no Congresso Nacional. Desse ponto de vista, falta qualquer legitimidade democrática e representação política.
Como está o nível de endividamento público, lembrando de toda a luta pelo não pagamento dos fundo buitres?
Estamos diante de um dos maiores processos de endividamento ilegítimo da história argentina, quase no mesmo patamar que o apresentado pela última ditadura civil-militar. No projeto de orçamento para o ano de 2019 apresentado pelo governo perante o Congresso Nacional, o valor reservado para o pagamento da dívida é 70 vezes maior do que o previsto para as políticas sociais de geração de trabalho. Isso evidencia a profundidade do processo de ajuste e saque que está em curso, juntamente com a fuga do capital, a estrangeirização da terra e a renúncia à soberania econômica e política.
Hoje, estamos sem o direito de reivindicar o não pagamento da dívida. Esses recursos que vão para o pagamento da Dívida deveriam ser utilizados para o benefício dos setores mais vulneráveis pelo ajuste, com investimentos na manutenção da saúde, educação, aposentadorias por invalidez, que foram cortadas, bem como medicamentos para aposentados e pensionistas.
Qual o papel da imprensa neste momento de mobilização nacional?
A imprensa hegemônica continua a desempenhar um papel de escudo midiático do governo, mas à medida que a crise social se aprofunda, começa a gerar rachaduras. Alguns jornalistas que apoiaram e fizeram campanha pelo governo começaram a criticar algumas medidas tomadas pelo presidente. Bem, diz o ditado quando o navio afunda … Mas é impossível não cobrir a realidade que o povo argentino está vivendo, a menos que você viva em uma bolha como a que vive o presidente Macri e sua família.
Qual o sentimento do povo argentino neste momento de crise?
Há um crescente mal-estar social que é sentido nas ruas, nas universidades, nos empregos. Uma certa tensão de como os fatos vão se desenrolar. Há um sentimento muito semelhante à crise do ano 2001, salvando as diferenças. Estamos diante da possibilidade de que uma faísca acenda uma explosão social na Argentina e não sabemos como ela pode terminar. O que sabemos é que o ajuste não se fecha sem repressão. E para conter tais manifestações o Governo está preparando um pacote de investimentos por meio do Ministério da Segurança comandado por Patricia Burllich, a mesma que no ano de 2001 assinou o corte de 13% nas aposentadorias. Os atores se repetem. Resistência e luta também.