Com o projeto Migração Sem Fronteira, que teve início em 2019, a Rede Emancipa Santa Rosa atendeu mais de 300 imigrantes e suas famílias.
Por Marcos Vinicius dos Santos* | Jubileu Sul Brasil
Mesmo com diversos desafios, nos últimos dois anos o objetivo de estreitar os laços entre a população imigrante do bairro Santa Rosa de Lima foi cumprido pela Rede Emancipa, do Rio Grande do Sul, por meio do projeto “Migração sem fronteira: ações de acolhimento pelo direito à cidadania de pessoas em deslocamento”, que integra ação de fortalecimento territorial da Rede Jubileu Sul Brasil e Jubileu Sul/Américas, com apoio da União Europeia.
Por meio do projeto conjunto foram desenvolvidas iniciativas de ajuda mútua entre migrantes e brasileiros/as, como ato de resistência a uma série de violências institucionais que resultou no atendimento a 300 imigrantes e suas famílias.
O coletivo buscou fazer uma ponte entre brasileiros, haitianos, venezuelanos e diversas outras nações da América Latina e também junto aos órgãos públicos que trabalham com os migrantes, fortalecendo vínculos na luta por direitos e contribuindo para diminuir a precariedades enfrentada.
Para alcançar os objetivos do projeto, houve uma força tarefa em busca daqueles com mais necessidade de auxílio. Além de cartazes distribuídos pelas cidades da região, a atuação do coletivo foi muito forte nas redes sociais, com tradução ao creole das principais informações das políticas públicas aos novos cidadãos e cidadãs do Brasil, e ainda a produção de uma cartilha, acessível clicando aqui.
Comunicar e acolher
A barreira do idioma entre os imigrantes e as informações que eles precisam para buscar ajuda do Estado brasileiro foi outro ponto que precisou ser superado ao longo do desenvolvimento do projeto, pois podia gerar um distanciamento entre os imigrantes, que acabam ficando muito fechados entre seus próprios grupos.
Frente a essa necessidade de comunicação com as famílias migrante, os grupos de Whatsapp foram muito importantes. Pelos grupos no aplicativo, a Rede Emancipa compartilhou orientações diversas, como os cuidados necessários durante a pandemia de Covid-19 e informações sobre a lotação de hospitais.
Identificadas as famílias que estavam precisando de ajuda, foram realizadas diversas ações que incluíram a entrega de cestas básicas e hortifruti, material de higiene e kits de autocuidado das mulheres, além da distribuição de 400 marmitas entregues para várias comunidades. Esse primeiro contato foi fundamental para estabelecer uma troca entre as famílias atendidas e a Rede Emancipa e, a partir disso, estabelecer uma conexão e identificar as políticas públicas mais adequadas para cada situação.
“Os desafios foram muitos, principalmente no que diz respeito ao aumento dos preços dos alimentos, onde tivemos que diminuir a quantidade de famílias atendidas, gerando uma demanda reprimida e, com isso, foi preciso explicar aos imigrantes que precisavam ter um cadastro antecipado de atendimentos para esse benefício. Muitos imigrantes, a maioria deles haitianos, vinham por intermédio dessas informações em busca desse recurso alimentar”, conta Fátima Cardoso, coordenadora da Casa Emancipa Santa Rosa.
Escuta e atendimento socioassistencial
Vencido essas dificuldades do primeiro contato, começou o processo de escuta dessa população vulnerável. Todos os atendimentos tiveram a consulta e encaminhamento para as políticas públicas de assistência social, como CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), CREAS (Centro de Referência de Assistência Social) e SAF (Serviço de Assistência Familiar) e, além disso, o convite para participar das discussões regionais, como as CORAS (Comissões Locais de Assistência Social) e outros conselhos da rede socioassistencial.
Além disso, Fátima conta que nas ações de distribuição de itens de higiene, percebeu-se uma necessidade de um apoio maior às mulheres, o que movimentou companhas de solidariedade e conscientização (leia mais).
“Enfrentamos isso com o kit de autocuidados e de material informativo, criando um vínculo com as mulheres, mas ainda temos muito o que avançar”, avalia a coordenadora.
Junto com o kit, foram entregues panfletos com orientações para o autocuidado e prevenção da violência contra a mulher, com informações sobre Lei Maria da Penha, por exemplo, e os meios de realizar denúncias no Brasil.
Vínculos construídos permanecem
Após 24 meses de ações em defesa dos imigrantes, a Rede Emancipa avalia que foram muitos os avanços na maneira como o imigrante é recebido aqui no Brasil. Porém, entre os problemas que ainda estão sem solução está a questão da regularização dos documentos dessa população.
Vale ressaltar que a Constituição brasileira é clara ao garantir direitos irrestritos a todos aqueles em território nacional, além de exigir políticas públicas de combate e prevenção à xenofobia, mas ainda faltam esforços dos órgãos públicos, tornando fundamental esse trabalho de acolhimento pelo direito à cidadania dos migrantes.
Além da documentação, a prevenção à Covid-19 com a vacinação da população migrante, o enfrentamento à fome e ao frio durante o inferno são questões urgentes apontadas pela coordenadora.
A parceria entre o Jubileu Sul Brasil e a Rede Emancipa no ‘Migração sem fronteiras’ se encerra após estes dois anos, mas o vínculo construído por meio do projeto é motivo de orgulho entre as pessoas que trabalham na ação.
Segundo Fátima, “para além do projeto beneficiar com recurso, a parceria foi de troca de conhecimentos e capacitações, com destaque para o ingresso dos estudantes do Emancipa Cursinho que fizeram cursos com o Jubileu Sul Brasil. Esta capacitação foi de extrema importância para o desenvolvimento do projeto dentro da comunidade. Destacamos também na parceria a disponibilidades dos profissionais do JSB na troca de saberes. Avaliamos com muita ênfase positiva que esse projeto veio mudar o rumo dos imigrantes que ingressam na comunidade e a visão dos brasileiros quanto a acolhida dos mesmos”.
A inclusão é fundamental para que seja possível dar continuidade ao trabalho do Emancipa por outros núcleos da organização, como o cursinho pré-vestibular, a geração de renda do Emancipa Mulher e a diversidade do Emancipa Cultura. Segunda Fátima, já existem imigrantes inseridos nesses núcleos, com destaque para os venezuelanos.
*Com supervisão de Jucelene Rocha