A atividade integra o Abril Vermelho, iniciativa que historicamente marca a luta dos povos indígenas no país.

A tarde do último domingo (11) foi marcada pela iniciativa de mulheres indígenas, que juntas estão fortalecendo a luta por garantia de direitos e afirmação identitária, especialmente no contexto urbano.

A live “Reconhecendo Raízes – Com as indígenas Pankararu de Francisco Morato/SP”, pautou questões como o acesso à educação, identidades, resistência dos povos, saúde no contexto de pandemia, dívidas sociais históricas e construção coletiva para garantia de direitos.

O momento também foi embalado por poemas e músicas. “Jurema chorou, Jurema chora. Oi desamara essa corrente, deixa os índios trabalhar. Oh quem deu esse nó não soube dar, esse nó tá dado eu desato já. Eu venho da catinga eu venho de um lugar aonde a terra branca, terra de Payaya”, diz o Toré embalado pela voz da ativista do Coletivo Mulheres Indígenas Lutar é Resistir, Letycia Rendy Yobá Payaya, que abriu a live denunciando o sequestro do direito de ser indígena no Brasil.

“Meu nome indígena Rendy Yobá significa luz dourada em tupi. Eu venho de um processo de autoafirmação. Ser descendente de indígena nunca me foi negado, mas me foi negado o direito de ser indígena. Então, eu fui atrás para saber o que estava acontecendo, foi quando eu entendi que quando meu tataravô, que foi uma criança pega no laço, pra ser tirado da sua cultura e inserido numa cultura eurocêntrica, uma cultura branca, diferente da nossa, que o meu direito de ter nascido com a cultura indígena foi sequestrado junto com ele”, conta a indígena que hoje se orgulha de viver e compartilhar a cultura Payaya.

Letycia Rendy Yobá Payaya entoa um Toré, expressão da cultura indígena que ela preserva e compartilha.

Letycia retomou seu caminho identitário em 2014 e conta como se deu esse processo. “Eu tenho feito essa retomada porque pra mim é fundamental me reconhecer enquanto indígena, não só pra mim, mas porque também já estou criando meus netos com essa perspectiva identitária de afirmação do que é ser Payaya, do que significa pertencer a um povo”, afirma.

Para a ativista, a negação da cultura indígena é uma dívida histórica com as mais de 300 etnias que vivem na Brasil. “Não necessariamente as pessoas precisam se dedicar à cultura indígena como a gente tem feito, mas não negar é muito mais importante, porque o apagamento histórico é o maior agente da negação das nossas raízes, tanto das raízes negras, quanto indígenas. A nossa luta é pra reverter esse cenário”, enfatiza Letycia.

“Nós carregamos um fardo pesado pelo fato de sermos indígenas, mulheres, negras. Eu também sofro o duplo preconceito, por ser indígena da pele negra as pessoas questionam”. Relata Maria Pankararu, liderança indígena em Francisco Morato (SP), que já chegou a perder o emprego para participar da Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.

“Pra mim fazer esse sacrifício não é nada em vista do que os meus ancestrais já passaram. O sacrifício que eu fiz de perder o meu emprego é pouco diante do que nossos parentes já passaram, diante do derramamento de sangue que já aconteceu para que nós estivéssemos aqui, para garantir nossos territórios e nosso direto de fala. A Marcha em 2019 foi essencial para que eu resgatasse a minha essência, lá eu conheci muitas etnias, muitos parentes”, conta a jovem Pankararu.

A jovem Maria Pankararu perdeu o emprego para garantir a participação na Marcha das Mulheres Indígenas e recorda que o momento marcou o fortalecimento de sua identidade como mulher indígena.

A questão indígena, a partir da perspectiva da população que vive nos centros urbanos, também foi destaque no bate papo. Para o representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em São Paulo, Rafael Martins, ter esse encontro com mulheres indígenas, no cenário de pandemia é um ato de resistência. “Falar da população indígena em contexto urbano é algo muito urgente, nesse contexto de negação, exclusão e atentado contra identidades tão presentes nesse desgoverno que a gente está vivendo”, afirmou o representante do CIMI.

Os dados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 revelam que a situação dos indígenas nos centros urbanos não são casos isolados, trata-se de uma realidade em todo o país. No entanto, as políticas públicas voltadas para a população indígena não oferecem o mesmo tratamento para indígenas aldeados e indígenas que vivem em contextos urbanos. “É importante a gente refletir que a situação urbana não interfere na condição da identidade indígena. Parece algo simples, mas isso é muito difícil de todo mundo entender, especialmente esse atual governo. O censo do IBGE de 2010 falava que 36% de toda população indígena está nos centros urbanos. Segundo o mesmo censo, na grande São Paulo temos aproximadamente 40 mil indígenas e, apesar de toda a luta, continuam invisibilizados”, destaca Martins.

A falta de acesso aos diretos se revela ainda mais fortemente no contexto de pandemia. Segundo Letycia Rendy Yobá Payaya, por não serem reconhecidos em sua identidade, muitos indígenas nos centros urbanos ainda não receberam a vacina contra a Covid-19. Nos protocolos do Ministério da Saúde, apenas a população aldeada é considerada como grupo prioritário.

“Não é todo mundo que está vacinado, a luta é grande! Os indígenas de contexto urbano aqui de São Paulo não conseguiram se vacinar ainda, quero deixar aqui esse manifesto pra que a gente possa pressionar a Secretaria de Saúde, porque indígena é indígena em qualquer lugar. Não tem esse negócio de que indígena de contexto urbano não tem a mesma constituição biológica que os indígenas que vivem em aldeias”, denuncia Letycia.

Clarice Pankararu lidera a Organização dos Povos Pankararu

Cerca de 20 famílias da etnia Pankararu, originária de Pernambuco, residem há 31 anos na região de Francisco Morato (SP). Mulheres indígenas como Maria, Elane e Clarice Pankararu, trabalham para que juntas possam mobilizar e promover o resgate das identidades e raízes Pankararu. Nessa trajetória, as Pankaruru caminham lado a lado com outras mulheres, organizações e comunidades.

“Eu também tive que passar por esse processo de autoafirmação na universidade e se você não souber contar sua história é como se você tivesse se perdido no meio do caminho. Foi a partir daí que conheci o movimento indígena em São Paulo e iniciei a trajetória de autoafirmação da minha identidade indígena em contexto urbano. Eu não tinha noção da quantidade de aldeias que temos aqui em São Paulo”, conta Clarice Pankararu, que hoje lidera a Organização dos Povos Pankararu.

A Rede Jubileu Sul apoia as lutas das mulheres indígenas. “A gente tem se desafiado historicamente de trabalhar não só com relação à dívida financeira que a gente tem, mas também uma dívida histórica com os povos, desde a colonização. O Jubileu também tem se dedicado à denúncia das violações de direitos humanos nos territórios, junto com outras organizações, com o objetivo de denunciar o impacto desse modelo de desenvolvimento econômico gerador de dívidas com os direitos dos povos. Então, seguimos nessa luta com os povos Pankararu, e que essa luta se fortaleça, seja semente!”, destaca a secretária executiva da Rede Jubileu Sul Brasil, Rosilene Wansetto.

A live “Reconhecendo Raízes – Com as indígenas Pankararu de Francisco Morato/SP” também marcou a abertura da semana de mobilização da 6ª Semana Social Brasileira. A iniciativa, que acontece de 12 a 17 de abril, segue realizando os Mutirões pela Vida: Por Terra, Território e Economia, para uma incidência territorial. A atividade integra o Abril Vermelho, iniciativa que historicamente marca a luta dos povos indígenas no país. A Rede Jubileu Sul Brasil e suas organizações membro em diversas regiões do país estão envolvidas nas mobilizações especialmente neste mês em que a pauta indígena se destaca.

Assiste na íntegra a live Reconhecendo Raízes – Com as indígenas Pankararu de Francisco Morato/SP.

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