Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
O sistema de endividamento perpétuo que subjuga os povos tem relação estreita com o modelo extrativista que saqueia e promove violações sistemáticas dos corpos, territórios e da natureza. Neste período de pandemia, mesmo diante da quarentena, distanciamento social e outras medidas de segurança necessários, tanto o setor extrativista como o endividamento público avançam, exigindo estratégias de mobilização popular capazes de garantir segurança e, ao mesmo tempo, a continuidade da luta por direitos.
Visando fortalecer a resistência contra o sistema de dívida perpétua e seus impactos nas várias dimensões da vida social e do meio ambiente, a associação civil Diálogo 2000 trabalha na Argentina para ampliar o conhecimento sobre a relação desse sistema com a defesa dos direitos humanos e os direitos da natureza, em parceria com a Rede Jubileu Sul/Américas e Jubileu Sul Brasil.
Articular as lutas territoriais contra esse extrativismo, com campanhas e ações de enfrentamento ao sistema da dívida e por soberania é outro objetivo central do projeto, que o Diálogo 2000 impulsiona, entre outros, por meio da Autoconvocatoria por la Suspensión del Pago y Investigación de la Deuda (Auto Convocatória pela Suspensão do Pagamento e Investigação da Dívida), que debate o tema e incentiva a mobilização popular contra a dívida ilegítima y odiosa e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Criado em 1997, o Diálogo 2000 “é um coletivo pequeno no momento, mas com algumas vozes fortes como a de Nora Cortiñas, fundadora das Mães da Praça de Maio, e do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. Continuamos a ser o que nos propomos, um espaço aberto de reflexão e ação coletiva voltado à defesa e promoção dos direitos dos povos e da natureza”, explica a coordenadora da associação, a economista Beverly Keene, uma das fundadoras do Jubileu Sul. O eixo central da associação é enfocar o problema do sistema de endividamento e vinculá-lo à dívida ecológica.
Dívida é ilegítima, água é essencial
Desde o seu início, o Diálogo 2000 tem promovido diversas iniciativas e espaços de articulação diante do drama da dívida, incluindo sua conexão com a luta contra a ALCA e, entre 2014 e 2016, em pleno conflito com os “fundos abutres” na Argentina, com a “Assembleia para Suspensão do Pagamento e Investigação da Dívida e para a Defesa do Património Nacional e do Bem Comum”. Diante da fraude do acordo firmado com o FMI em 2018, e da evidente dívida acumulada impagável, com a mudança de governo argentino, em dezembro de 2020, o Diálogo 2000 promoveu a construção de uma nova Campanha pela suspensão de pagamentos e investigação integral e participativa dívida.
Lançada como campanha popular de informação e debate em bairros, locais de trabalho e mobilização de rua, todas as atividades tiveram que ser repensadas com a explosão da pandemia de Covid-19. Foi assim que as organizações autoconvocadas decidiram impor visibilidade e dinamismo à campanha por meio do julgamento da dívida e do FMI, num tribunal popular que permitiu trabalhar a multidimensionalidade da dívida e seus impactos na população, na natureza e em todo o país.
Para isso, Diálogo 2000, junto com as demais organizações que integram a Auto Convocatória, atuou para ampliar a capacidade de ação conjunta, articulando o combate à dívida e às condicionantes do FMI aos países que, como a Argentina, negociaram empréstimos com o fundo – na prática, a imposição da cartilha neoliberal que corta o investimento em políticas públicas para “ajuste” econômico que garanta o pagamento da dívida. Foram realizadas dezenas de fóruns de denúncia com transmissão virtual, unindo trabalhadores, moradores das periferias, povos originários, ambientalistas populares, feministas, aposentados, crianças e jovens, defensores de direitos humanos e do meio ambiente, entre outros. Ao longo dos cinco meses do julgamento popular, cerca de 150 pessoas participaram das sessões semanais como reclamantes e testemunhas.
“Realizamos uma série de oficinas para ajudar a preparar a participação dos e das denunciantes populares no Julgamento, que em várias sessões destacaram o papel da dívida em relação ao extrativismo, justiça ecológica e respeito a todos os direitos humanos e à natureza”, afirma Beverly.
A unidade construída nas mobilizações contra a dívida também contribuiu para avançar em outra ação de articulação e mobilização em torno da reivindicação da água como essencial – a Campanha Plurinacional em Defesa da Água para a Vida.
Os debates durante o Julgamento Popular da Dívida e do FMI, no segundo semestre de 2020, ampliaram a atenção sobre o problema da dívida ecológica e a necessidade de romper com a lógica destrutiva do endividamento extrativista e, em setembro passado, a questão pautou uma semana de atividades virtuais “As dívidas com a água”, com o lançamento, entre outros, de um dossiê.
Articulação contra a mineração
O Diálogo 2000 tem atuado ainda apoiando diretamente a luta contra a megamineração nas províncias argentinas como Chubut e San Juan, além da Assembleia El Algarrobo, em Andalgalá, cidade da província de Catamarca, onde as comunidades lutam contra o projeto de mineração Água Rica, da mineradora canadense Yamana Gold Inc.
Segundo a coordenadora do Diálogo 2000, a Assembleia El Algarrobo, várias outras assembleias e comunidades em resistência à megamineração, têm sido alvo não só da política de extrativismo forçada por e com dívidas, mas também da repressão, com detenções arbitrárias, perseguições constantes e outras estratégias de intimidação.
Nesse enfrentamento, o Diálogo 2000 tem ajudado a estabelecer vínculos solidários e trocas entre a Assembleia, grupos e organizações internacionais, principalmente no Canadá, para abrir novos caminhos de incidência e apoio na luta por direitos.
“O mais importante na nossa metodologia de trabalho é a articulação. Raramente propomos uma atividade ‘sozinhos’, mas por meio de espaços de articulação que procuram uma consolidação temporária”, explica Beverly.
Quando houver melhores condições sanitárias, está prevista a realização de uma viagem ao Canadá para fortalecer as alianças e o embate conjunto com a mineração em Andalgalá.
O trabalho do Diálogo 2000 continua com atividades adaptadas ao cenário incerto da pandemia, com atividades essencialmente de forma virtual, e a expectativa é pela retomada presencial das mobilizações, sempre respeitando os protocolos de segurança.
Confira um resumo das atividades Autoconvocatoria por la Suspensión del Pago e Investigación de la Deuda no vídeo: