Afirmação é da advogada Magnólia Said, membro da Rede Jubileu Sul Brasil. Em entrevista ela defende que o governo garanta renda às famílias e avalia que as ações de solidariedade vão permitir a retomada dos processos organizativos junto à população
Advogada agrarista e feminista, Magnólia Said é membro da Rede Jubileu Sul Brasil. Com especialização em saúde, trabalho e meio ambiente para o desenvolvimento, e em economia ecológica pela Universidade Federal do Ceará, nesta entrevista ela trata da questão das dívidas sociais em meio à pandemia no novo coronavírus (COVID-19), bem como as ações de enfrentamento a essa realidade.
Explique o que são as dívidas sociais e como elas se constituem.
Dívidas sociais são aquelas resultado de políticas sociais que não foram efetivadas pelos governos nas suas mais diferentes esferas. Por exemplo, uma política de saúde seletiva que não atende às necessidades da população; uma política de habitação praticamente inexistente e, quando é aplicada, se traduz em habitações desumanas destinadas a famílias pobres nas cidades; políticas de educação que não educam para a liberdade, muito pelo contrário, elas aprisionam.
Diante da pandemia de COVID-19, que se alastra pelo mundo, você percebe que essas dívidas são agravadas? Em que local isso é mais visível?
Com o coronavírus, essas ausências acabam ficando muito mais evidentes porque pessoas desprotegidas pela ação do Estado são alvos fáceis para o vírus. São essas pessoas que estão principalmente nas periferias das cidades, nas áreas de quilombos, nas áreas indígenas.
Por outro lado, a pandemia deixa mais visível a fragilidade do sistema de saúde e a incapacidade institucional do governo federal de dar conta de uma situação dessa ordem. Deixa visível também o desprezo, por parte do poder público, com relação à vida das pessoas pobres.
Quais as ações necessárias para se enfrentar essa realidade? Como o povo pode agir para enfrentar essa situação?
É preciso inicialmente que o governo se assuma devedor, não só de uma dívida social como a dívida econômica e ambiental, que pode, inclusive, ser paga de diversas formas.
O enfrentamento dessa realidade, em princípio, para serem pagas essas dívidas, é preciso que o governo determine uma renda para milhares de trabalhadoras e trabalhadores sem carteira assinada. Mas não uma renda mínima, e sim uma renda que atenda às principais necessidades de uma família.
Outra forma de pagamento dessa dívida é que o governo determine um investimento orçamentário no Sistema Únicos de Saúde, o SUS, de modo que possa atender com qualidade e também, a partir dos postos de saúde, das Unidade de Pronto Atendimento (UPAs), atender com qualidade quem necessite do SUS.
Uma outra forma de pagamento dessa dívida é que o governo tenha uma campanha massiva de orientação na TV, em rádio e outras mídias. Ao mesmo tempo, com pessoal qualificado para informar à população sobre a necessidade de ficar em casa e sobre a necessidade de distribuir máscaras àquelas pessoas e famílias que dela precisam.
E como nós podemos enfrentar essa situação? Acho que nas ações de solidariedade é que vamos poder retomar nas comunidades, nas periferias, nas aldeias, os processos organizativos que foram deixados de lado há um bom tempo. Esse é o momento do povo voltar a se organizar, a refletir sobre o porquê vive do jeito que vive. E o segundo momento, pós-pandemia, é o povo organizado nas ruas reivindicando direitos. Eu só conheço esse jeito e a história nos tem mostrado que esse é o jeito certo.