Na América Central, organizações de Honduras, Guatemala, Nicarágua e El Salvador estiveram reunidas por quase uma semana na segunda quinzena de setembro. O centro das discussões foram as alianças com outras organizações e articulações da região, mas também sobre a conjuntura dos países e como alcançar essas alianças em defesa da vida, dos direitos da natureza, entre outros pontos de convergência. A unidade se faz urgente frente à conjuntura vivida na região, com o avanço da violência, corrupção e autoritarismo resultantes do neoliberalismo que se aprofunda.
Em 15 de setembro, dia do bicentenário da “independência” centro-americana, a população foi às ruas se manifestando contra os retrocessos à democracia e, no caso de El Salvador, também contra a adoção de bitcoins como moeda oficial, numa grande mobilização que uniu setores à direita e à esquerda, além do movimento de mulheres, estudantes, professores, aposentados e pensionistas para pressionar os três poderes do Estado que são manipulados como querem pelo presidente Nayib Bukele.
A América Central também vem sendo afetada pela implementação de políticas de maior controle territorial devido à pandemia, em Honduras e Guatemala. Na Guatemala, houve fortes mobilizações em reação ao estado de sítio decretado em julho de 2020 pelo presidente Alejandro Giammattei com a alegação de “combate” à Covid-19 e, em 2021, como estado de calamidade pública até o último 11 de setembro.
Quanto ao enfrentamento à pandemia, o que se observa é uma variação no percentual da população vacinada, mostrando a desigualdade de acesso à imunização nos países devido à questão orçamentária e ao endividamento. Em El Salvador, quase metade da população está imunizada com as duas doses, enquanto a Nicarágua é neste momento o país com menor taxa de vacinação.
Continuam os protestos crescentes no Panamá contra a expansão das mineradoras e hidrelétricas no país, com uma efervescência de mobilizações. E avança em Honduras o julgamento pelo assassinato de Berta Cáceres, com Roberto David Castillo Mejía confirmado como culpado pela autoria intelectual do crime, porém até o momento não houve uma sentença da justiça. Seguimos com a Campanha de Defesa de Defensoras e Defensores dando todo apoio para apuração e responsabilização dos culpados por esse crime cometido há cinco anos, em março de 2016.
Com as eleições realizadas em junho passado no México, apesar da vitória de López Obrador na presidência, o partido do governo diminuiu significativamente o percentual de cadeiras ocupadas pela situação no congresso, trazendo mudanças significativas na correlação de forças no país. A mudança é elemento chave, pois vai impactar a composição e a negociação dos processos de endividamento, além da questão migratória.
Avaliou-se o impacto do o 6º Encontro da Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac), ocorrido no México no início de setembro, para a região. O documento final divulgado pela Celac traz 44 pontos com o posicionamento da organização (confira a íntegra em espanhol), entre os quais a consolidação da democracia e uma ordem internacional mais justa, fortalecimento da educação e igualdade de gênero, respeito aos direitos humanos e das minorias, luta contra a corrupção e a pobreza. O desafio é ficarmos em alerta para que estes compromissos realmente sejam implementados.
Luta dos povos indígenas se reconfigura na região Andina
Na região Andina, apesar das dificuldades iniciais para ser reconhecido presidente, Pedro Castillo afinal assumiu a presidência no Peru em julho último e o cenário é de muitas expectativas de transformação, mas também da realidade quanto ao tema socioambiental devido à aproximação com o setor mineiro e o discurso de “expansão mineira sustentável”. Ao mesmo tempo, a mudança de governo traz uma efervescência de movimentos e organizações sociais, com a realização de uma assembleia dos povos andinos no Peru ainda neste mês de setembro e que terá a participação da equatoriana Blanca Chocosa, da Acción Ecológica (Equador), num encontro de mulheres indígenas.
As eleições presidenciais de 2022 estão em pauta na Colômbia com destaque para o candidato de esquerda Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá que disputou a eleição passada com o atual presidente Álvaro Uribe, trazendo um outro discurso ambiental, contrário à exploração do petróleo colombiano, retomando essa ideia pelos setores mais progressistas no país.
No Equador, segue um tipo de legislação por decreto, não só com o congresso editando leis, mas também a presidência implementando suas políticas por meio de decretos. Três destes recentes decretos são gravíssimos, voltados à expansão mineira em toda a costa equatoriana, assim como as petroleiras, além de uma lei de arbitragem e mediação que vai facilitar a negociação de acordos comerciais com empresas estrangeiras na linha neoliberal do presidente Guilhermo Lasso. Em contrapartida, a vacinação avança no país, com quase 70% da população com a primeira dose e a imunização de crianças e adolescentes de 12 a 16 anos.
Contra a dívida e as privatizações
Em 22 de setembro, os movimentos e organizações que Auto Convocatória para a Suspensão de Pagamentos e Investigação da Dívida, entre os quais o Diálogo 2000, membro do Jubileu Sul/Américas, foram às ruas na Argentina contra o pagamento da dívida ao Fundo Monetário Internacional. A data coincide com o dia do primeiro pagamento exigido pelo FMI sobre os US$ 45 bilhões que o Fundo entregou ao governo de Mauricio Macri, mesmo sabendo que haveria a fuga desses mesmos recursos.
No Brasil e Paraguai, avançam as articulações da Jubileu Sul/Américas nas lutas do setor elétrico, entre as quais o embate contra as privatizações. Os esforços são relevantes porque, em o governo paraguaio recusando a privatização de Itaipu, há um fortalecimento ainda maior contra a privatização, definindo inclusive o destino da Eletrobrás. Um seminário está em organização para tratar do tema e também da dívida causada aos povos indígenas e outros corpos e territórios por conta da construção da hidrelétrica binacional.
Bolsonaro abriu a Assembleia da ONU neste 21 de setembro, com um discurso distante da dura realidade vivida no país, sobretudo em relação à pandemia e à questão ambiental, com uma fala marcada por dados e informações falsas. Nas ruas a resistência continua, principalmente dos povos indígenas que ocuparam Brasília numa grande mobilização contra o marco temporal de demarcação de terras. Na Marcha das Mulheres Indígenas, em 10 de setembro, mais de 4 mil mulheres de 150 etnias se reuniram na capital do país, com a participação de Maria Reis Pankararu e Elane Pankararu representando o Jubileu Sul/Brasil.
Quanto à vacinação, apesar do descaso do governo genocida, 66% da população tomou a primeira dose e quase 40% estão totalmente imunizados, graças ao Sistema Único de Saúde pública e universal conquistado pela luta popular na promulgação da Constituição de 1988.
No 7 de setembro, dia da independência do Brasil, mesmo com as ameaças de violência e ataques – inclusive com boatos sobre franco atiradores e grupos armados – o 27º Grito das Excluídas e dos Excluídos foi às ruas de todo o país, reforçando a luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda. No país, o controle dos corpos e territórios avança pelas mãos das leis aprovadas pelo Congresso Nacional e o aprofundamento das privatizações.
A memória do Grito é fundamental para a travessia do momento atual. Mais do que nunca, não só no Brasil, mas também na América Central e no Caribe, a esperança se impõe como necessidade para manter o enfrentamento à conjuntura.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores.
Coletivo de Coordenação Operativa (CCO) da Rede Jubileu Sul/Américas
24 de setembro de 2021