Desde os mais diversos territórios do Brasil, testemunhos de vida, poesias, denúncias e esperanças fizeram parte da Coletiva de Imprensa do 28º Grito dos Excluídos e Excluídas 2022

 

Participantes da coletiva de imprensa do 28º Grito dos Excluídos e Excluídas 2022

Por Osnilda Lima | 6ªSSB e Pastorais Sociais

“A nossa luta por liberdade, por independência nunca se completou, a construção da nossa soberania é um projeto em disputa em nossa sociedade, a luta por condições dignas de vida para o nosso povo nos atravessa ao longo desses 520 anos do Brasil”, expressou Ângela Guimarães, na manhã de quinta-feira (1), durante a coletiva de imprensa, online, do 28º Grito dos Excluídos e Excluídas. Este ano o lema é “Brasil: 200 anos de (In)dependência. Para quem?”, com o tema: “Vida em primeiro lugar”. O Grito dos Excluídos e Excluídas ocorre historicamente no dia 7 de setembro, escolhido como data fixa anual, para uma ação em rede, uma mobilização à reflexão crítica sobre o Dia da Independência.

 

Dom José Valdeci Santos Mendes, bispo da diocese de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Ação Sociotransformadora da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB) | Foto: Arquivo 6ªSSB

Dom José Valdeci Santos Mendes, bispo da diocese de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Ação Sociotransformadora da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB), ressaltou que falar do  28º Grito dos Excluídos e Excluídas, leva a pensar e refletir sobre o conjuntura que está a viver o povo brasileiro. “Basta olhar a realidade que nós enfrentamos: a situação dos povos negros, das comunidades quilombolas, dos negros que estão nas periferias que ao longo desta história foram sempre deixados de lado”, lembrou.

Segundo o bispo, a realização 28º Grito leva a pensar nos povos indígenas que hoje têm os seus territórios ameaçados e violados com os garimpos ilegais. “Isso causa preocupação, sem falar de todo o veneno que é lançado nesses territórios. Estou pesando nas políticas públicas que não chegam às periferias urbanas e às nossas comunidades rurais, que não chegam às comunidades tradicionais. Estou pensando nas violações de direitos, direitos que têm sido pisoteados e negados, principalmente nestes últimos anos. Estou pensando na democracia que está sendo ameaçada, principalmente nestes tempos atuais”, salientou dom Valdeci.

Por outro lado, conforme o bispo, o Grito dos Excluídos e Excluídas é um momento importante de retomada da luta e compromissos, sobretudo, “com a justiça e com o direito. Para dom Valdeci, a realização do Grito “leva a pensar numa sociedade que resiste, a pensar numa sociedade que é capaz de construir um espaço democrático, um espaço fraterno, um espaço que nos leva de fato, a vivenciarmos entre nós e com todas as comunidades tradicionais, com os povos indígenas, as comunidades quilombolas a construir uma solidariedade sólida”.

O bispo ressalta que “o Grito dos Excluídos e das Excluídas nos leva a um compromisso, eu diria, um compromisso com a vida humana, mas também, um compromisso com a Casa Comum, isto é, com toda a criação”, com isso dom Valdeci convida a “juntar as vozes, de todos os cantos e recantos do nosso país para dizer que a vida deve estar em primeiro lugar: a vida humana e a vida de toda a criação”.

Dom Valdeci lembrou que o Grito dos Excluídos e Excluídas nasceu da 2ª Semana Social Brasileira (1993-1994) da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Essa edição teve como tema, Brasil: alternativas e protagonistas. “As Semanas Sociais trazem essa garra, essa resistência, esse dizer que estamos juntos e juntas para lutar por uma sociedade justa e fraterna […]. Que o nosso Grito seja uma convocação permanente, um Grito que atinja, mais do que isso, que cause transformação numa sociedade tão injusta. Esse Brasil que está aqui, não é o Brasil que queremos, o que queremos de fato, é que prevaleça a justiça, a solidariedade e, sobretudo, uma democracia sólida, uma democracia participativa”, reforçou.

“Estava pensando esses dias, por 200 anos nos passaram uma história, uma mentira do grito de independência do Brasil. […]. Eu diria que o nosso Grito hoje, não vem de alguém que está montado num cavalo, às margens do rio, mas o nosso Grito é com os excluídos e excluídas, o nosso Grito é também o Grito do rio que está sendo aterrado, que está sendo envenenado, é também o Grito das florestas que estão sendo derrubadas, é também o Grito de tantos irmãos e irmãs que lutam por vida e vida com dignidade. Eu diria também que o nosso Grito vem do nosso coração, do coração que está em nosso corpo, e não, com todo o respeito, um grito que vem do coração que vai passando de mão em mão”, discorreu dom Valdeci. Ele lembrou ainda que está sendo realizada a 6ª Semana Social Brasileira (2020-2023), que traz como tema Mutirão pela vida: por terra, teto e trabalho, e convida e unir forças na luta para “dizer que a vida deve prevalecer”.

 

Márcia Mura, do povo indígena mura, que vive no baixo Rio Madeira (RO), doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), arte educadora, escritora, pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral e atua no grupo Wayrakuna formado por mulheres indígenas | Foto: Vanessa Generoso Paes

Uma aliança pela vida em abundância

Márcia Mura, do povo indígena mura, que vive no baixo Rio Madeira (RO), doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), arte educadora, escritora, pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral e atua no grupo Wayrakuna formado por mulheres indígenas, também trouxe seu Grito à coletiva. “Eu sou a Marcia Mura, do Rio Madeira, rio antigo conhecido como Rio Iriru, o Rio que Rreme, Rio Ancestral Mura, território pindorama”, apresentou-se Márcia.

“Nós povos indígenas lutamos para continuarmos livres, independentes, desde a chegada das caravelas – porque somos povos originalmente livres, que vivemos plenamente, interligados com o ambiente inteiro –, essa liberdade de viver, vem sendo tirada de nós. Nós povos indígenas, somos resistência, há 520 anos. E esse Grito de independência, é um Grito que ecoa em nossas lutas, em nossas existências”, afirma.

Márcia ressaltou, “esse ato hoje nos lembra e traz presente a aliança dos povos da floresta, traz presente a luta indígena, negra e popular, uma aliança pela vida em abundância. Por essa vida que já existia e que foi tirada por esses colonizadores que chegaram invadindo nosso território. Que chegaram nos impondo uma lógica que não faz parte de nossa percepção de mundo, que aos poucos foi transformando o nosso território num lugar de exploração, num lugar de morte”. E é contra isso que lutamos e resistimos, para manter as florestas, para manter as águas, para manter todos os biomas, porque todos os biomas são importantes, um depende do outro para continuar existindo”, assegurou.

“Estamos aqui para lutar pelo direito à vida dos peixes, dos rios, das florestas, de todos os animais, de todos os seres, de todos os encantados que fazem parte das águas e das florestas, o ambiente inteiro, a Mãe Terra, a vida do mundo inteiro. E precisamos lutar juntos, porque essa luta é comum e faz parte de todos nós, todas, todes”, concluiu a professora.

 

Ângela Guimarães, presidenta nacional da União de Negras e Negros pela Igualdade (UNEGRO) | Foto: Reprodução Instagran

Reconstruir o Brasil sem deixar ninguém pra trás

Ângela Guimarães, presidenta nacional da União de Negras e Negros pela Igualdade (UNEGRO); Membro da Frente Nacional Antirracista, Convergência Negra e Coalizão Negra por Direitos, também partilhou o seu Grito. “Lutamos pelo país que acreditamos, pelo Brasil que nós queremos construir. Muito simbólico que gente esteja realizando esse Grito neste momento mais grave que o país vive, desde a sua redemocratização”, afirmou

“A gente tem a impressão que demos um grande salto, um triplo mortal carpado na direção do passado. A nossa luta por liberdade, por independência nunca se completou, a construção da nossa soberania é um projeto em disputa em nossa sociedade, a luta por condições dignas de vida para o nosso povo nos atravessa ao longo desses 520 anos do Brasil. A nossa luta por igualdade e respeito às populações negras, indígenas, as populações vulnerabilizadas é uma tarefa que não se completou”, lembrou Ângela.

Ângela indicou que neste momento o “Grito nos convoca a refletir sobre as raízes de nossas desigualdades, nós conseguimos ter mais nitidez dos desafios presentes e futuros. Nós estamos à véspera de uma eleição. É nossa tarefa reconstruir o Brasil sem deixar ninguém pra trás. É exatamente esse projeto que o Grito propõe […]. Ninguém sem casa, ninguém sem teto, ninguém sem terra, ninguém com fome, ninguém sem trabalho, nenhuma criança ou jovem fora da escola, fora da universidade, nenhuma mãe desesperada, chorando porque seus filhos vêm sendo abatidos pela violência racista das forças de segurança pública. Nenhum pai trabalhador desesperado porque não tem como levar comida para casa”.  Ângela reforçou que é fundamental organizar o povo, renovar as esperanças e congregar as pessoas em torno do projeto de vida com dignidade, pão, paz e democracia.

A Coletiva foi mediada por Alessandra Miranda, secretária-executiva da 6ª Semana Social Brasileira, durante o evento, diversas pessoas, de distintos território do Brasil, participaram por meio de vídeos, com poesias, músicas e testemunhos.

Acompanhe a íntegra da coletiva:

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