Proposta visa combater desigualdades e crise climática, mas sem diálogo sobre gestão e destino dos recursos estimados em US$ 250 bilhões anuais. Documento foi entregue após “Reunião da Sociedade Civil sobre G20 e Tributação Internacional”, com a participação do Jubileu Sul Brasil, em Brasília

Representantes da sociedade civil e governos em reunião no Memorial Darcy Ribeiro (DF). Foto: Miguel Borba de Sá/Jubileu Sul Brasil

Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil

A Rede Jubileu Sul Brasil (JSB) participou da “Reunião da Sociedade Civil sobre G20 e Tributação Internacional”, nesta quarta (22) e quinta-feira (23), no Memorial Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília (DF). O encontro reuniu mais de cem organizações da sociedade civil internacional, sindicatos e membros da Trilha de Finanças do G20, formada pelos ministros de finanças e presidentes de Bancos Centrais do grupo das 20 maiores economias do mundo.

A reunião foi coordenada pelo G20 Social, espaço de participação prévia à Cúpula do G20 com organizações não-governamentais e os chamados Grupos de Engajamento, integrados por diferentes setores da sociedade civil, empresas e grupos de interesse em fóruns de discussão. As organizações da sociedade civil elaboraram previamente um documento com onze recomendações na área de governança tributária e internacional (confira no final do texto), que foi entregue neste 23 de maio ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da Trilha de Finanças do G20. As recomendações visam subsidiar as discussões dos ministros das Finanças na Cúpula do G20, em novembro próximo, no Rio de Janeiro.

A taxação das grandes fortunas e o financiamento de medidas frente à crise climática foram centro da pauta da reunião na capital federal, com destaque à proposta da presidência brasileira no G20 para a tributação global: imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos bilionários.

“Há um alinhamento à posição brasileira de querer propor ou reforçar as iniciativas multilaterais existentes de taxação dos super-ricos para financiar uma série de coisas, desde o combate à pobreza até às adaptações e mitigações decorrentes das mudanças climáticas”, explica o especialista em relações internacionais Miguel Borba de Sá, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele é membro da coordenação da Rede e participou da reunião representando o Jubileu Sul Brasil.

Construção coletiva limitada

As recomendações entregues à Trilha de Finanças foram construídas pelas organizações em etapas anteriores, por isso a reunião foi menos de debates e mais um momento de congregação, “para dar legitimidade ao que o Brasil está tentando fazer e um respaldo da sociedade civil”, diz Borba Sá.

“Por um lado, é interessante porque tenta dar legitimidade, não faz algo que simplesmente ignore a sociedade civil dialogando somente com empresários. Mas por outro lado, as verdadeiras negociações são feitas a portas fechadas – como já dito durante a reunião, inclusive -, e as contribuições das outras etapas são selecionadas por eles da Trilha de Finanças para fazer parte do texto final. Dá aparência de construção coletiva a algo que talvez tenha um limite do quão amplo e democrático pode ser”, avalia.

Gestão dos recursos exige controle e participação social

O texto entregue pela sociedade civil recomenda “que membros do G20 apoiem a criação de um imposto mínimo global sobre os super-ricos com garantias políticas de que os recursos angariados por meio deste mecanismo serão atribuídos à realização dos direitos humanos, em particular nos países empobrecidos do Sul Global”, como descreve a 6ª recomendação do documento.   

De acordo com cálculos do economista francês Gabriel Zucman, da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional, com um imposto mínimo de 2% é possível arrecadar cerca de US$ 250 bilhões (R$ 1,2 trilhão) anualmente com imposto na renda de 3 mil bilionários.

Para o Jubileu Sul Brasil, a preocupação vai além do aspecto da tributação. Com a arrecadação de recursos, é preciso questionar “qual a finalidade do fundo, quem vai administrar, e se realmente vai atender as necessidades das populações mais vulneráveis, que sofrem com as consequências de crimes ambientais e das mudanças climáticas”, alerta Rosilene Wansetto, secretária executiva do Jubileu Sul Brasil. “Instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional irão administrar? Sem um controle social e participação da sociedade, fica inviável”, completa.

A Rede JSB também tem acordo com a reflexão trazida à reunião pelo economista Adhemar Mineiro, de que não basta arrecadar mais e, ao mesmo tempo, manter políticas de austeridade impostas aos países ou usar os recursos para pagamento de dívidas públicas.

Participação popular na Cúpula do G20

O Jubileu Sul Brasil está engajado na mobilização para participação das organizações e movimentos populares na Cúpula dos Povos frente a Cúpula de Líderes do G20, que se realiza entre 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, reunindo chefes de Estado e países membro do “Grupo dos 20”, formado pelas maiores economias globais. Por isso, ao longo do ano, a Rede promove ações, debates e articulações para aprofundar estratégias, fortalecer a organização popular para o G20 e denunciar as falsas soluções que os países membros propõem para as múltiplas crises da atualidade.

Entre outros, o JSB participa da construção de uma Cúpula dos Povos que irá realizar-se nos dias 16, 17 e 18 de novembro, no Rio de Janeiro – a exemplo da realizada na Rio+20, em 2012 -, que vai se realizar em paralelo ao G20. A preparação para a atividade foi tema do Seminário Nacional de organização da Cúpula dos Povos frente ao G20, ocorrido nos dias 9 e 10 de maio, na capital fluminense.  

“É fundamental termos um espaço autônomo em relação aos governos. A agenda do G20 é a agenda do capital financeiro. Por mais que o governo Lula esteja pautando a taxação das grandes fortunas, o núcleo duro do debate é o foco em torno de políticas que fortaleçam o poder do capital privado sobre os interesses públicos”, diz a economista Sandra Quintela.

Outra iniciativa da Rede JSB para mobilizar a participação popular na cúpula é o Caderno para entender o G20, produzido numa parceria com o BRICS Policy Center da PUC-Rio, entre outras organizações.

A publicação visa familiarizar os participantes sobre os significados das diversas nomenclaturas do G20; apresentar de forma didática, o histórico, os termos e desafios do G20; trazer diferentes visões e um olhar crítico sobre os limites e possibilidades da presidência brasileira do G20 em 2024. Com versões em português e inglês, o caderno está disponível para baixar gratuitamente clicando aqui.

Conheça as recomendações da sociedade civil sobre tributação internacional: