Papel dos BRICs, do G20 e das instituições financeiras também pautou o 3º e último dia do Seminário “Transição ou transação energética: agenda internacional, financiamento e repercussões“
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
A mesa temática “Racismo ambiental e demandas estratégicas sobre bens comuns em meio à crise climática” trouxe o debate racial ao terceiro e último dia do Seminário “Transição ou transação energética: agenda internacional, financiamento e repercussões“, em 4 de abril. O evento ocorreu em Fortaleza, entre os dias 2 e 4 de abril, na Assembleia Legislativa do Ceará (leia mais sobre o segundo dia do seminário clicando aqui).
O filósofo e educador popular Charles Trocate, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM Pará), iniciou sua fala contextualizando algumas características da colonização brasileira sobre os bens e corpos.
Ele afirma que o racismo ambiental é fundamentalmente um racismo estrutural, “implantado a partir do capitalismo atlântico sobre os corpos, a floresta e os bens naturais” e critica o fato de que as propostas de descarbonização pela União Europeia, China e Estados Unidos “se assentam fundamentalmente na transformação da natureza em mercadoria e da mercadoria em consumo. As propostas de transição energética são todas imperialistas, não há uma proposta dos países da América Latina nem uma interna do Brasil”.
Da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Cristiane Faustino fez sua exposição destacando que “antes de qualquer coisa é preciso entender que o racismo existe e que não é só algo do ponto de vista da racionalidade, da subjetividade, ele é prático. É entender as tramas profundas do racismo na vida dessa população que, inclusive, tira a pessoa negra de si mesma, do reconhecimento como negra”.
Ao chamar a atenção para a supremacia branca nos espaços de poder e decisão, ela ressaltou que não se trata de um “discurso de vitimismo, nem pedido de solidariedade” e pontuou a tensão vivida no dia a dia pelas populações negras:
“É um cotidiano abalado. Nossa o corpo negro pode morrer pelo simples fato de existir. A naturalização da precarização dos territórios que não são brancos e das pessoas que não são brancas sempre foi presente, porque se considera natural despejar 200 famílias para construir um parque eólico, se considera natural homens negros encarcerados e a polícia invadindo territórios negros, sobre deficientes, idosos, matando criança…até isso é naturalizado”, criticou.
Mais cedo, o debate foi em torno do “Papel dos governos, BRICS, G20, COP, bancos e instituições financeiras multilaterais na impulsão de uma transição energética corporativa”. Ana Garcia, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Brics Policy Center, da PUC-Rio, discorreu sobre a história, contexto de surgimento e relevância do grupo das 20 maiores economias do mundo, o G20.
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Confira pasta de imagens das visitas de campo e do seminário (em alta resolução).
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Confira o vídeo sobre a visita de campo realizada no Quilombo do Cumbe, em Aracati, onde a comunidade enfrenta conflitos socioambientais causados por uma usina eólica que invadiu o território e também pela carcinicultura, as “fazendas” de criação de camarão em cativeiro. Assista:
Ela explicou que o tema da transição energética é central para o G20 na atualidade, assim como a discussão do financiamento às medidas para atingir os objetivos do milênio, dentre os quais a mitigação das mudanças climáticas, e que há desafios aos países do Sul global neste enfrentamento.
“É importante que se faça frente à União Europeia, aos Estados Unidos, porque não é um grupo que está nos oferecendo espaço desde o ponto de vista das lutas sociais, uma abertura para discutir os direitos das populações, das comunidades. O que estamos vendo é o banco dos Brics financiando a energia eólica precisamente onde tem comunidade quilombola. Não tem aí uma alternativa real do ponto de vista das lutas das comunidades, do meio ambiente e dos direitos”, diz Garcia.
Clarice Ferraz, economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que o objetivo principal, na realidade, é a descarbonização, com a saída de um sistema energético baseado em recursos fósseis para passar a outro, livre de emissões poluentes.
“Transição energética, além dos maus feitos, não é expansão dos renováveis. É conseguirmos não depender de energia fóssil, ter energia e poder viver sem o petróleo. Sair disso é em parte com energia renovável, em parte com eficiência energética e outras soluções pensadas a partir da engenhosidade humana”, afirma a economista.
Ela abordou o impactos do aumento da temperatura global e apresentou uma projeção sobre a situação do Brasil daqui uma década. “É muito grave, é uma crise ecológica. E por que se fala que é uma crise climática? Para vender tecnologia, para dizer que tem solução fácil e, sobretudo, para dizer que essa tecnologia está pronta em alguns países, que podemos importar e que, se formos todos amigos, vai dar tudo certo. Não está dando nada certo, estamos num mundo de conflitos e guerras”, ressaltou.
Saiba mais sobre o 2º dia do seminário e sobre a visita de campo ao Quilombo do Cumbe.
O debate seguiu com as intervenções e perguntas do público, e também com o lançamento do curta metragem de animação “Maré Braba”, que traz uma reflexão sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, trazendo sobretudo a perspectiva das mulheres impactadas nos territórios. Assista:
Após o almoço, os grupos de trabalho com os participantes do seminário refletiram sobre o que fazer e quais agendas fortalecer no nível local, nacional e internacional. Na plenária final de encerramento, a sistematização das relatorias foi compartilhada no coletivo, com a definição de uma série de ações e continuidade do diálogo para ampliar a articulação entre as organizações e movimentos populares engajados no tema.
A realização do seminário é resultado de uma articulação organizadora integrada pela Adelco – Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido, AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Cáritas Brasileira Regional Ceará, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), De Mãos Dadas Criamos Correnteza, ESPLAR Centro de Pesquisa e Assessoria, Frente por uma Nova Política Energética, Instituto PACS, Instituto Terramar, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Movimento de Atingidos por Renováveis – MAR, Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM, Observatório da Cultura e Meio Ambiente – Unilab, Rede Brasileira de Justiça Ambiental e Rede Jubileu Sul Brasil, Grupo Seridó Vivo, além da parceria com a Associação Fórum Suape, Marcha Mundial de Mulheres e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Ceará.
O evento em Fortaleza contou ainda com apoio da Cese, Misereor, Fondo de Mujeres del Sur, Fundação Ford, Fundação Rosa Luxemburgo, Fundo Casa Socioambiental, União Europeia, do mandato dos deputados estaduais Luizianne e Renato Roseno, do vereador Gabriel Aguiar e das covereadoras da Mandata Nossa Cara.
Veja o álbum de fotos do 3º dia do seminário: