“Enquanto a sociedade se mobiliza em vários países do mundo, no Brasil parece que não existe vida política para além de eleições, como se tudo estivesse ótimo e resolvido e não fosse preciso se mobilizar para mais nada – nem em prol da Palestina!”, pontua a análise de conjuntura da Coordenação do Jubileu Sul Brasil
O ano de 2024 se inicia e nos alerta para novos e velhos desafios: a onda conservadora que se aprofunda mundialmente, a disputa entre os estados nacionais se acirra, uma violência brutal se espalha. Nacionalmente, as eleições municipais ocupam a pauta de tal modo que paralisam mobilizações e o andamento de lutas relevantes para o conjunto da sociedade.
Há uma incógnita quanto às eleições nos Estados Unidos, o que é preocupante, pois o Brasil é afetado pela dependência militar e financeira, pela cultura de ódio e da imposição de valores estadunidenses, o que impacta o futuro que teremos, sobretudo para as juventudes e povos indígenas.
No caos de violência e mortes por conflitos bélicos, como está ocorrendo na Palestina, estamos sem perspectivas porque há uma crise nas instituições criadas pós-Segunda Guerra para retomada dos direitos humanos, com um desrespeito total às decisões tomadas por cortes internacionais ou pelas Nações Unidas. Depois da crise da Palestina, o que vemos é “vale tudo” onde a violência passa a ser algo institucional, algo dado e assumido pelos organismos internacionais e pelos governantes.
Isso também fica evidente no caso do Brasil, onde o governo não tem ousadia e coragem para fazer movimentações fora dos padrões de manutenção do sistema capitalista. O enfrentamento à pobreza se resume à distribuição de alguns recursos e não no enfrentamento aos fatores geradores da pobreza.
Não existe política para além das eleições?
As eleições municipais estão no centro das atenções no contexto nacional. O pleito é relevante, mas a questão é que a política fica totalmente capturada pela luta institucional e isso se reflete em várias esferas. Enquanto a sociedade se mobiliza em vários países do mundo, no Brasil parece que não existe vida política para além de eleições, como se tudo estivesse ótimo e resolvido e não fosse preciso se mobilizar para mais nada – nem em prol da Palestina!
Enquanto isso, o conservadorismo avança. Os movimentos sociais históricos não fazem mais as lutas nas ruas, com o argumento de garantir a governabilidade. Desta forma não se têm políticas públicas transformadoras, e o agronegócio e o latifúndio avançam aumentando o conflito e a violência nos territórios. O que explica essa inércia?
Na área econômica, como já sabíamos, a conta não fechou. O déficit primário de 2023 foi de R$ 230 bilhões e a tendência é não fechar também em 2024, mas ninguém questiona a falácia neoliberal na qual o ministro Fernando Haddad pauta sua atuação no Ministério da Fazenda, nem propõe outra proposta de política econômica.
A realização do encontro do G-20 no Brasil, no Rio de Janeiro, em novembro próximo, é outra pauta que tem tido ampla visibilidade midiática. Na preparação para esse evento, a mobilização dos movimentos populares adquire maior relevância porque um dos temas centrais é a troca das dívidas públicas por saúde – na prática, por meio de privatizações, de mercantilização, financeirização e do rentismo explorando a área da saúde no país -, e a troca da dívida por natureza através da exploração de nossos recursos e do meio ambiente – proposta que vem sendo retomada pelos países do Norte global. Além da questão da transição energética, que mais se aproxima de uma transação financeira tendo como moeda de troca os territórios quilombolas e camponeses.
Vale recordar que o G-20 nasceu porque o Fundo Monetário Internacional (FMI) já não respondia mais à resolução de crises como a financeira de 2008, o que fez do G-20 um foro privilegiado do capital financeiro mundial. Como reagir frente a isso?
Conservadorismo e o neopentecostalismo neoliberal
A recente pesquisa de opinião, divulgada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), chama atenção pela proporção de 28% dos entrevistados se declarando de direita quanto à preferência política, ante 16,8% à esquerda. Se na década de 1990 era bacana ser de esquerda, ser progressista, o que “pega bem” hoje é ser conservador, reacionário, defensor da “família, tradição e propriedade”. Esse espírito do tempo que estamos vivendo é o mais grave.
Não é à toa que no caso brasileiro haja insuficiente mobilização pró-Palestina, pois há no Brasil um tecido social muito enraizado no neopentecostalismo neoliberal. Até os judeus que no Brasil se colocam como pró-Palestina têm sofrido rechaços e retaliações.
Tudo isso nos coloca desafios muito profundos, pois se a situação continuar como está, as eleições municipais servirão de trampolim para a direita e seu conservadorismo avançarem ainda mais.
Nesse sentido, a aposta da Rede Jubileu Sul Brasil continua sendo a ação e articulação a partir dos territórios, com formação e educação popular, trazendo transformações e avançando na construção de uma outra sociedade.
Não podemos resumir a política ao institucional, ao apoio às eleições municipais ou apoio ao governo. Se mantermos essa forma de pensar e de atuar, não vamos construir e abrir perspectiva de futuro. Não vamos assumir esse espírito da atualidade, pois o quadro é grave e é preciso somarmos forças nas muitas frentes de luta. É nelas que devemos seguir, sempre sinalizando para o futuro.
Nosso internacionalismo e defesa intransigente dos Direitos Humanos nos clama pela defesa do direito fundamental à vida do povo Palestino. Manifestamos nosso rechaço à violência e às atrocidades perpetrados por Israel, exigindo cessar-fogo imediato, na defesa aguerrida contra o genocídio da população e cobrando o governo brasileiro para que rompa as relações diplomáticas e os acordos comerciais, como já fizeram dezenas de países. “Do rio ao mar, a luta é por uma Palestina livre!”.
Seguimos na luta, nas ruas, nos territórios!
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores!
Rede Jubileu Sul Brasil, 1º de fevereiro de 2024.