Regularização fundiária, autogestão e organização popular estão entre os avanços e experiências exitosas da ação com mulheres
Por Flaviana Serafim | Jubileu Sul Brasil
O ano de 2022 marca a retomada das atividades presenciais e do enfrentamento às várias crises que afetam sobretudo as mulheres: “pós-pandemia”, aumento da desigualdade e da fome. Não faltaram desafios na luta por moradia, acesso à cidade e vida digna, mas a atuação organizada das comunidades deu passos rumo à conquistas, avanços e experiências exitosas nos territórios da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais.
Na zona Leste de Manaus (AM), as comunidades Coliseu 1, 2 e 3 estão em processo de regularização fundiária na prefeitura. Conquistaram abastecimento de água e lutam pelo fornecimento de luz regular. Nas três comunidades e na ocupação Alcir Matos, no Centro, avançam os grupos de geração de renda formados por mulheres, com a produção de itens de limpeza e higiene que têm o sabão ecológico como carro-chefe.
Na Nova Vida, comunidade que reúne 16 diferentes etnias indígenas no contexto urbano, o apoio jurídico e a resistência da população, engajada na Campanha Despejo Zero, garantiram a regularização da área, que quase foi desocupada na pandemia.
“A ação presta um serviço à comunidade com a orientação jurídica. Conseguimos intervenção da Defensoria do Estado e a área passou a ser regulamentada”, afirma a articuladora Marcela Vieira. A expectativa agora é por uma sede para a comunidade Coliseu 3, que será construída em mutirão com apoio da Ação Mulheres.
Luta por regularização
Há avanços rumo à regularização fundiária também na ocupação Vida Nova, que existe há 10 anos em Porto Alegre (RS) e reúne cerca de 400 famílias numa área rural. “Essa comunidade viveu vários anos sob ameaças de despejo e agora está se encaminhando um acordo de compra e venda da área, que é da prefeitura”, relata a articuladora Jamile Mallet. Avança ainda uma proposta de horta comunitária.
“Depois de 13 anos de luta na ocupação Raízes da Praia, demos mais um passo para regularização fundiária, com uma reunião com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional, com quem até então havia dificuldade de diálogo”, celebra Nenzinha Ferreira, articuladora no Ceará. Na Zona Vitória, em Croatá, a 70 quilômetros de Fortaleza, a ocupação elaborou seu plano de ação e plano de resposta, e conta com ampla participação das mulheres que seguem lutando pela regularização da área.
Comida, cultura e formação
Na capital cearense, o grupo de mulheres do bairro Planalto Pici voltou a se reunir presencialmente e a comunidade segue a luta por direito à cidade, numa parceria entre a Ação Mulheres, o Movimento dos Conselhos Populares (MCP) e ainda o apoio de universidades. No Conjunto Palmeiras, a autogestão é um dos pontos fortes no “Sisteminha”, iniciativa que fortalece soberania e segurança alimentar no local, com produção coletiva de peixes, hortas e galinheiros.
Na região de Cajazeiras, em Salvador (BA) está a comunidade Águas Claras, onde a Ação Mulheres ocorre em parceria com o movimento cultural local, com a música engajando a juventude, e com o grupo de mulheres que trabalham com a prosa, poesia e sopa. “Toda segunda-feira elas realizam encontros, falam de realidades e questões sociais, trocam poesias temáticas, depois distribuem uma sopa que é preparada ao longo da atividade”, explica a articuladora Raimunda Oliveira.
Em Nova Brasília de Valéria, também na periferia de Salvador, as mães participam de reuniões formativas com temáticas diversas, como prevenção à violência e ao feminicídio, e dos grupos de geração de renda, enquanto as cirandinhas arte-educativas têm sido estratégicas para acolher as crianças. Já no Centro Antigo, o foco principalmente é fortalecer a articulação das mulheres sem moradia.
No Grupo Geracional, na capital paulista, as frequentadoras da Casa de Solidariedade seguem participando de atividades de formação política e outros saberes, para além dos trabalhos manuais, numa “ troca geracional muito interessante e intensa entre nós e elas que estão na melhor idade”, conta a articuladora de São Paulo, Ana Paula Evangelista.
No trabalho com as mulheres Pankararus no contexto urbano, em Francisco Morato, região metropolitana de São Paulo, a articuladora destaca o papel da ação ao promover “uma inclusão sociopolítica de grupos sistematicamente negligenciados pela extrema vulnerabilidade”.
Com as formações, articulações, intervenções e diálogos “foi possível empoderar essas mulheres, pensar na construção de projetos políticos que dialoguem com suas demandas e as de suas comunidades, em estratégias coletivas para inserir essas mulheres nos debates de políticas públicas, e formá-las como agentes multiplicadoras dos territórios”, completa
Organização e conflitos mediados
Em Belo Horizonte (MG), o principal êxito foi a formação de um grupo comunitário no Alto das Antenas “por se tratar de uma ocupação espontânea onde nunca houve uma organização ou movimento popular. As lutas eram muito individualizadas, sem ter um espaço coletivo”, afirma a articuladora local Karla Monteiro.
No Rio de Janeiro, a ação fortalece a luta por moradia na região portuária, em ocupações organizadas e espontâneas, e nas comunidades do Horto. Segundo a articuladora Gorete Gama, com a ação “foi possível dar continuidade às mesas de mediação e diálogo, presididas pelo Ministério Público, para tratar dos conflitos fundiários enfrentados pelas comunidades do Horto, no Jardim Botânico, bairro muito elitista, além das ocupações Vito Giannotti e Quilombo da Gamboa”.
Destaque ainda à experiência de desenvolvimento sustentável, para produção agrícola em harmonia com a natureza no assentamento PDS Osvaldo de Oliveira, em Macaé, a 184 quilômetros da capital fluminense.
As iniciativas da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais contam com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program).
As ações também integram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro, contando ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.
O conteúdo desta reportagem é de responsabilidade exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil. Não necessariamente representa o ponto de vista dos apoiadores, financiadores e co-financiadores.