Retomada de vínculos no pós-pandemia e expectativas com o novo governo também foram debatidos no encontro de parceiras e parceiros e as equipes da ação “Mulheres por reparação das dívidas sociais”, que reuniu quase 60 participantes
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
O encontro de parceiras e parceiros e as equipes da ação Mulheres por reparação das dívidas sociais reuniu quase 60 participantes de todas as regiões do país, na reunião virtual realizada no último dia 8 de novembro. O objetivo central foi pautar o andamento da ação nos diferentes territórios, numa troca de experiências sobre os desafios e avanços até o momento.
Na abertura, a secretária executiva do Jubileu Sul Brasil, Rosilene Wansetto, agradeceu o apoio dos parceiros para realização das atividades e destacou que “a ação tem ganhado corpo e estrutura bastante importantes nos debates e articulação nos territórios. Que essa partilha tenha espaço para o sonho, para o existir e re-existir”.
Depois da rodada de apresentação de participantes, cada articuladora falou sobre como o trabalho tem sido organizado e realizado. Elas também abordaram as características, enfrentamentos, resultados e o público atendido em cada um dos territórios em Belo Horizonte (MG), Fortaleza e Croatá (CE), Manaus (AM), Porto Alegre, Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
“As comunidades do Coliseu 1, 2 e 3 já estão em processo de regularização fundiária na prefeitura de Manaus, têm abastecimento de água regular e tramita a questão da energia elétrica para regularizar o fornecimento. No Coliseu 3 há uma especificidade, pois não temos um lugar, uma sede, mas uma igreja católica que nos recebe e ficamos a céu aberto para os diálogos com a comunidade”, disse a manauara Marcela Vieira.
De Salvador, Raimunda Oliveira falou, entre outras, sobre a comunidade de Águas Claras, que fica a quase 20 quilômetros do centro da capital, na região de Cajazeiras. Segundo a articuladora, a atuação se dá em parceria com o movimento cultural e com o grupo de mulheres que trabalha com a prosa, poesia e sopa:
“Toda segunda-feira elas realizam um encontro e falam das realidades, das questões sociais e das mulheres, trocam poesias temáticas, depois distribuem uma sopa. Toda essa atividade é feita enquanto se está cozinhando a sopa”, disse Raimunda.
No Planalto Pici, em Fortaleza, o período marca a retomada dos encontros presenciais do grupo de mulheres e a forte atuação a partir de articulações de movimentos locais, em parceria com o Movimento dos Conselhos Populares (MCP) e com universidades.
“Na Raízes da Praia demos uma caminhada a mais depois desses 13 anos de luta por regularização fundiária, com a reunião com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional (Habitafor), com quem até então havia dificuldade de diálogo”, afirma a articuladora Nenzinha Ferreira. A comunidade está reorganizando seu plano de ação, retomou as ações de autogestão e as oficinas de confecção de bonecas.
Retomar vínculos
Em Belo Horizonte, onde a ação é realizada pela primeira vez, o foco no primeiro momento foi a formação do grupo. “Dos três territórios, em dois deles ficamos dois deles sem estar presencialmente. Tivemos que retomar esse vínculo, a construção do grupo como grupo. Focamos no reconhecimento do território nessa nova realidade e também nas formações’, explica a articuladora Karla Monteiro.
No Rio de Janeiro (RJ), a ação ocorre principalmente junto a mulheres de ocupações na capital fluminense e no assentamento PDS Osvaldo de Oliveira, em Macaé. A articuladora Gorete Gama destacou, entre outros, a construção coletiva dos planejamentos mensais na ocupação Vito Giannotti, com mulheres e juventudes protagonistas do processo, e os debates sobre direitos das mulheres, à vida digna e à moradia na ocupação Habib’s.
“As mulheres estão presentes em todas as formações e também nos atos públicos por direito à moradia porque a qualquer momento elas podem ser despejadas do teto que têm hoje”, diz Gorete.
Na ocupação Vida Nova, que existe há 10 anos em Porto Alegre, são cerca de 400 famílias numa área rural, onde avançaram passos rumo à regularização.
“Essa comunidade viveu vários anos sob ameaças de despejo e agora está se encaminhando um acordo de compra e venda da área que é da prefeitura”, relata a articuladora Jamile Mallet. Também avança a proposta de horta comunitária, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Teto (MST).
As experiências do trabalho com as mulheres Pankararus no contexto urbano, em Francisco Morato, na região metropolitana de São Paulo, foram compartilhadas pela articuladora Ana Paula Evangelista. “O quintal da família Pankararu é muito significativo, é onde acontecem as reuniões mensais onde fazemos formação e dialogamos sobre possibilidades. É uma comunidade que me trouxe muito aprendizado, trocas e tenho desenvolvido nesses territórios tudo o que aprendi nas reuniões semanais”.
No Grupo Geracional, na capital paulista, segue a atuação junto às mulheres que há décadas frequentam a Casa de Solidariedade, numa parceria na qual a Rede Jubileu Sul Brasil busca promover formação política e outros saberes para além dos trabalhos manuais. “Percebo nessa articulação que elas se doam muito, têm muito engajamento nas formações. Buscam, ouvem, compartilham saberes e estar com elas é uma troca geracional muito interessante e intensa entre nós e elas que estão na melhor idade”, completa a articuladora de São Paulo.
Sequelas dos megaprojetos e militarização
Ao final, na síntese dos debates, a economista e educadora popular Sandra Quintela destacou a “nova energia” que vem com o novo governo para o Brasil. Fazendo um breve resgate do surgimento da ação – “o do ‘fica em casa e lave as mães’ – e do impacto ainda maior sobre as mulheres.
“A ação nasce na pandemia, dá continuidade a um processo de discussão anterior à Rede, sobre endividamento, remoções e o impacto dos megaprojetos financiados com dinheiro público, como a Copa do Mundo. É a continuidade atualizada de um trabalho que existe porque o Jubileu Sul é uma rede de organizações membro, por isso a preocupação em fortalecer essa rede nos territórios para que essa ação, que tem continuidade prevista para 2023, possa continuar”, pontuou.
Sobre a participação das crianças a partir deste ano, Sandra explicou que foi uma demanda, uma necessidade para permitir a participação das mulheres que não têm com quem deixar os filhos. Por fim, pediu atenção às possíveis mudanças no marco jurídico e no diálogo para mediação de conflitos contra despejos no próximo governo.
Como encaminhamento, foi sugerido que as reuniões com parceiras e parceiros sejam realizadas trimestralmente a partir de 2023, como forma de manter a atualização sobre os processos em andamento, a partir de experiências e avanços.