Por Rodrigo Avila , economista da Auditoria Cidadã da Dívida
Nas análises convencionais sobre a dívida pública, predomina o argumento de que uma das soluções para o problema da dívida pública é a queda das altíssimas taxas de juros, porém, sem se questionar o enorme estoque de endividamento gerado em grande parte por estas mesmas taxas altíssimas.
Enquanto apoiadores do governo comemoram que a taxa básica (SELIC) estaria muito baixa, no patamar de 6,5% ao ano, na realidade, frente a uma inflação (IPCA) de 2,76% nos últimos 12 meses tal taxa permanece altíssima, de quase 4% ao ano em termos reais, enquanto países como EUA e Japão praticam taxas de juros reais negativas para se recuperar frente à Crise Global. Além do mais, os rentistas da dívida pública brasileira continuam ganhando em média 10% de juros ao ano, conforme mostram os Anexos 4.1 e 4.2 do Relatório Mensal da Dívida do Tesouro Nacional, de março de 2018).
Ora, é exatamente o enorme estoque de endividamento que faz os bancos possuírem um grande instrumento de chantagem frente ao governo, que fica dependente da venda de novos títulos (aceitando as taxas exigidas pelos bancos) para quitar os juros e amortizações que estão vencendo. Além do mais, a taxa de juros – que é o principal fator de crescimento da dívida pública “interna” – tem graves indícios de ilegitimidade, tornando ilegítimo também grande parte do estoque da dívida, conforme iremos explicar abaixo.
O pensamento econômico predominante na grande imprensa e nos governos sempre repete o argumento de que “temos de pagar um preço pela estabilidade da moeda”, ou seja, em outras palavras, “teríamos de manter os juros altos para controlar a inflação, para proteger os mais pobres da elevação dos preços”. Segundo este pensamento, a inflação decorre de uma demanda exagerada, por parte da população, por produtos e serviços, forçando os comerciantes a subirem seus preços. Desta forma, a elevação de juros reduziria esta demanda, reduzindo os preços. A inflação também decorreria de um suposto gasto exagerado do governo em previdência, servidores públicos, etc.
Porém, de 1995 a 2015 foi feito um superávit primário (arrecadação menos gastos sociais) de nada menos que R$ 1 TRILHÃO, e mesmo assim, tivemos taxas de juros absurdas no período, que fizeram a dívida interna federal explodir, de R$ 86 bilhões para R$ 4 TRILHÕES.
A pergunta que fica é: será que as altas taxas de juros foram e são necessárias para se controlar uma suposta demanda exagerada da população por produtos e serviços? Tal pergunta chega a ser até estranha em meio a uma grande crise econômica e desemprego enorme, mas vamos à análise.
Para entendermos os principais fatores que influenciam a inflação no Brasil, temos de compreender o papel dos chamados preços administrados pelo governo, como gasolina, energia, telefonia, transporte público, cujos aumentos não possuem nenhuma relação com uma suposta demanda aquecida, mas por decisões dos próprios governos. Conforme documento disponível no próprio portal do Banco Central na internet, “De janeiro de 1995 a maio de 2016, o conjunto dos preços administrados do IPCA avançou 664,1%, enquanto o conjunto dos preços livres aumentou 301,3%. Entre os preços administrados que mais subiram, destacam-se os preços de gás de botijão (1257,8%) e plano de saúde (820,4%).”
Conforme outro documento também disponível no próprio Portal do Banco Central, “Os preços administrados foram responsáveis por quase metade (49,1% do total de 90,8%) da inflação no período de 1995-2002”.
Cabe citarmos também episódios recentes, por exemplo, o ano de 2015, quando o grande aumento dos preços da energia elétrica fez o Banco Central aumentar as taxas de juros. Qual o sentido de tal aumento nas taxas? Outros fatores como os preços de alimentos – devido a fatores climáticos – também influenciam a inflação, sem guardar nenhuma relação com a taxa de juros.
Portanto, verifica-se que é o próprio governo o maior causador da inflação no país, inflação esta que não pode ser combatida por meio de altas taxas de juros. Tais aumentos vieram junto com o amplo programa de privatizações de tais serviços, cuja principal justificativa também se mostrou totalmente falsa: a suposta redução das tarifas para a população.
Então, é importante conhecer como tais taxas de juros são formadas! Conforme mostraram informações obtidas pela CPI da Dívida, realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010, o Banco Central realiza reuniões trimestrais com “analistas independentes”, que na realidade são representantes, em sua maioria, de bancos e fundos de investimento, ou seja, agentes diretamente interessados em altas taxas de juros. E para que servem tais reuniões? Para elaborar estimativas acerca da evolução futura de variáveis como inflação e taxas de juros, que depois são utilizadas no chamado “Relatório de Inflação”, que por sua vez influencia a decisão do COPOM sobre as taxas de juros. Isso sem citar as pesquisas periódicas a instituições financeiras nos chamados “Relatórios Focus”, que acabam por determinar a expectativa de inflação e também são utilizadas pelo Banco Central.
Tudo isso representa, no mínimo, um conflito de interesses entre o setor público e privado, representando ofensa direta ao art. 37 da Constituição, que defende a impessoalidade no serviço público, principalmente em relação à definição das taxas de juros. Todos estes fatos deveriam ser investigados por uma ampla auditoria com participação social.
Portanto, considerar como totalmente legal e legítimo o atual estoque da dívida “interna” significa querer pagar uma dívida em grande parte ilegítima, provavelmente por meio de novos empréstimos com taxas impostas pelos bancos, empréstimos esses que poderiam – e deveriam – ser utilizados para o desenvolvimento social e econômico nacional, e não para pagar juros e amortizações principalmente a quem já tem muita riqueza.