por Wladimir Pomar
Os noticiários estão cheios de notícias sobre a Conferência Rio+20. Pessoas de todos os tipos, povos e credos dizem, diante das câmeras e dos repórteres, o que querem e o que pensam sobre a proteção do meio ambiente e a conservação da natureza. A grande mídia dá espaço privilegiado às crianças que falam com desenvoltura do aquecimento global, da necessidade de banir a energia nuclear, de reciclar as garrafas PET e de evitar agressões ao meio ambiente. E aos intelectuais de diferentes correntes que defendem a necessidade de retornar às origens, viver em interação com a natureza, da mesma forma que as tribos indígenas.
Aqui e ali, de vez em quando, aparecem os indígenas, com razão, exigindo a posse da mãe terra, onde consigam plantar com equipamentos modernos e mais eficientes. O mesmo que pedem os camponeses sem-terra, que combatem os fertilizantes e pesticidas químicos, juntamente com muitos pequenos agricultores, para os quais os alimentos orgânicos estão livres de qualquer química, constituindo um dos elementos de salvação da humanidade.
Desse modo, misturam-se infinidades de reivindicações justas e contraditórias, como se fossem todas partes bem articuladas de uma mesma coisa. Diante disso, este lutador contra a poluição do ar e das águas, a destruição das florestas e a desertificação dos solos se vê um perfeito ignorante ambiental, obrigado a fazer perguntas, cujas respostas não encontra nos noticiários.
Primeiro, por que a luta contra a geração de energia de fonte nuclear é mais importante do que a luta para impedir as mortes no trânsito? Que se saiba, os desastres das usinas de geração nuclear, ocorridos nos últimos 50 anos, não produziram mais do que 10 mil mortes. Embora isso seja trágico, está longe de ser tão trágico quanto os mais de 50 mil cidadãos que morrem a cada ano, apenas no Brasil, vitimas do trânsito. Se contarmos as mortes em todo o mundo, certamente nos depararemos com uma verdadeira hecatombe contra a natureza humana. Não estará havendo aí uma inversão?
Segundo, por que se continua repetindo o dogma do aquecimento global, ao invés de se denunciar a poluição por gases do carbono, provenientes dos veículos movidos a combustíveis fósseis, como causa de uma série enorme de doenças, principalmente respiratórias? Afinal, faz algum tempo que o conceito de aquecimento global vem perdendo valor como dogma, diante dos indícios de que estamos diante de mudanças climáticas que talvez gerem uma nova era glacial, ao invés da elevação geral da temperatura do planeta. Então, também não estaremos diante de uma inversão?
Terceiro, por que a regressão à vida indígena seria a salvação da humanidade? Esta foi capaz de avanços científicos e tecnológicos que podem compatibilizar a vida humana com as leis de evolução natural, mas não são incorporadas à sociedade porque se chocam com o sistema de lucro máximo do modo capitalista de produção. Então, ao invés de apelar ao povo para voltar à vida primitiva, não seria mais lógico apelar a ele para superar aquele sistema e enfrentar os desafios de desenvolver as forças produtivas e, através delas, resolver os problemas relacionados com a recuperação e proteção ambiental?
Quarto, desde quando produtos orgânicos são livres de produtos químicos? Eles podem ser livres de fertilizantes e pesticidas artificiais, mas serão sempre uma combinação de moléculas químicas, que recebem nutrientes químicos do solo, das águas e do ar. Por que somos obrigados, para combater drogas danosas a nossos organismos, a difundir a ignorância sobre a composição da própria natureza?
Quinto, por que os que defendem o abandono da construção de hidrelétricas, desconsiderando os avanços técnicos e sociais que permitem mitigar em muito os danos ambientais e sociais, não assinam uma declaração pública comprometendo-se a não se manifestarem quando os apagões elétricos começarem, por falta do aumento da geração elétrica?
Haveria outras perguntas, mas fico nessas. Na opinião deste ignorante ambiental, a luta para recuperar e proteger o meio ambiente não passa pelo congelamento do desenvolvimento industrial e agrícola dos países em desenvolvimento, como o Brasil. Ao contrário, passa por um desenvolvimento industrial e agrícola de todos os países que foram mantidos no atraso pelas potências capitalistas, desenvolvimento que pode ser menos agressivo se essas potências transferirem, sem custos, as tecnologias indispensáveis para evitar tal agressão, já que elas foram as principais destruidoras do meio ambiente dos atuais países em desenvolvimento.
Portanto, a discussão global sobre qualquer economia verde tem que passar pelo pagamento do passivo ambiental promovido por aquelas potências durante a sua industrialização, que é muito mais elevado do que qualquer tecnologia que tenham criado desde então. Mesmo que transfiram todas numa contabilidade que leve em conta aquele passivo, ainda ficarão devendo muito.
Nacionalmente, temos que penalizar os latifundiários capitalistas que destruíram matas ciliares e a maior parte de suas propriedades, assim como os madeireiros ilegais, que não realizam procedimentos racionais de recuperação das matas. E precisamos não só evitar a derrubada de florestas, mas também reflorestar grande quantidade de áreas rurais e rearborizar as cidades de modo persistente. Se quisermos reduzir a emissão de gases poluentes, não podemos ficar satisfeitos com as cidades que, ao invés de implantarem trens subterrâneos ou veículos leves sobre trilhos, movidos a energia elétrica, preferem vias de ônibus articulados, movidos a combustíveis líquidos ou gasosos, mesmo que tais combustíveis sejam menos poluentes do que o petróleo.
E se achamos que o homem é parte da natureza que queremos preservar viva, temos que dar prioridade absoluta ao saneamento básico, no contexto de um reordenamento urbano que aumente as áreas públicas arborizadas e as habitações que utilizam a energia solar como principal fonte de seu funcionamento. E temos que ser capazes de produzir grande parte das ciências, tecnologias, máquinas, equipamentos e a infraestrutura necessária para realizar essas mudanças ambientais indispensáveis para o bem estar do povo brasileiro e da humanidade.
Diante disso, será que nosso problema consiste em realizar o desenvolvimento com preservação ambiental? Ou nosso problema reside no fato de que só poderemos recuperar e preservar o meio ambiente se realizarmos o desenvolvimento econômico e social?
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Fonte: Correio da cidadenia 19 junho 2012