Por Direção Nacional do CEBI
A pequena neblina/bruma da região de Brumadinho não será mais a mesma depois de toda a lama de rejeitos e do lucro desenfreado dos “capetalistas” que passou por cima das vidas e das águas rasas do principal rio que abastece a região. A lama da barragem da Vale do Rio Doce, que sepultou famílias, animais e a natureza, e que também encheu o rio Paraopeba de lixo, escancara para o mundo: a vida não vale nada para os interesses do capital.
A natureza não vale nada na política da Vale do Rio Doce; dos governos Federal e de Minas Gerais. Este crime chama a nossa atenção para os sucessivos crimes que vem sendo cometidos contra a vida das pessoas pobres, dos/as trabalhadores/as e dos/as “condenados/as da terra”.
Há exatamente três anos, a lama cobriu Mariana e ceifou vidas, envenenou a terra e as águas do Rio Doce e sua sede de lucro continuou com a cumplicidade das autoridades e dos governos Federal e de Minas Gerais. O crime cometido em Brumadinho é um crime anunciado e segue a horrenda lista dos pavores e das atrocidades contra a vida. Atentado às vidas legalizado e aprovado por setores que têm papel fundamental de controlar, impedir, punir as ações que põem em perigo a população e a natureza; pelo contrário, assinam os acordos e, por certo, se corrompem pelas ofertas grandiosas do capital e do lucro que vale.
Malditas mineradoras e malditas entidades que autorizaram, facilitaram e que tiveram “ganhos” com a implantação das inúmeras barragens no Estado de Minas Gerais e em outras regiões do país. Tão malditas e ávidas por ganhos, que no dia 11 de dezembro de 2018 aprovaram a abertura da Mina do Córrego do Feijão.
As imagens da destruição, do povo afundado na lama, o grito sufocante das pessoas pobres, dos/as trabalhadores/as e dos/as oprimidos/as são abafados, e junto com a enxurrada de rejeitos, são esquecidos e silenciados pelo discurso batido de que foi uma “fatalidade” porque a obra foi vistoriada e não corria nenhum risco de rompimento.
A profecia do antigo Israel na defesa dos pobres denunciava as políticas de expansão do Estado tributário que alterou drasticamente a condição de vida das pessoas, de lavradores e camponesas. Opulência e luxo da corte eram extorquidos de quem produzia (1Rs 5,2-8). O comércio internacional ia às custas da mesa do povo e que privilegiava os senhores do Estado. (1Rs 5,10-11; 9,10s). As obras públicas eram erigidas à base da corveia campesina (1Rs 4,6; 5,27-32; 12,1s). O exército era mantido pelo suor do povo e contra ele (1Rs 5,8; Am 7,1). Era direito do rei: extorquir, expropriar e escravizar (1Sm 8,11-17). O Estado é Não-Meu-Povo (Os 1,9)! Governantes e aqueles que estão sentados nos altos postos da sociedade praticaram violência física e subjugação (Am 8,4-6); concentraram terras e cometeram injustiças (Mq 2,1-2); legitimaram pela religião e pela lei o poder, os interesses econômicos, comerciais e políticos; exploraram mulheres e homens que trabalham e produzem (Is 10,1s). Passaram por cima do povo com debulhadoras de ferro (imagem que vem da profecia de Miquéias, que viu exércitos e carros de guerra passarem por cima da vila – Mq 1-2). Na profecia, os pobres e condenados são feitos agentes sociais, sujeitos históricos para as mudanças.
O grito e a dor, entre lamentos e a busca teimosa da esperança, se tornam profecia a fortalecer os mais sofridos a buscarem forças para lutar, denunciar, enfrentar os poderes que trouxeram a enxurrada de lamas. Profecia a incomodar que parcelas atuantes da sociedade ajam na defesa da vida de tantos irmãos e irmãs fragilizados e indefesos, na defesa da natureza e na defesa do amanhã. Profecia que alerta para os perigos e convoca todos/as, com suas diferenças e pluralidades, a construir uma agenda comum na luta contra a ganância do capital que ceifa vidas e violenta a mãe terra e a mãe água.
Uma quase-leitura da profecia da comunidade de Tiago 5,1-6: “E agora vocês, ricos e gananciosos, chorem e gemam por causa das desgraças que estão para cair sobre vocês. As riquezas de vocês estão podres, e suas roupas estão roídas pelas traças, manchadas pelo sangue derramado e sujas pela lama que jogastes sobre as vidas, os rios e a natureza. O ouro e a prata de vocês estão enferrujados, e a ferrugem deles vai testemunhar contra vocês, os corpos retirados do meio da lama de rejeitos e do lixo de morte vai testemunhar contra vocês, e como fogo lhes devorará a carne. Vocês amontoaram tesouros para o final do mundo. O salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês, que vocês não pagaram, está clamando; os gritos das vidas encobertas pela lama e retiradas da lama, estão clamando; os rios, os peixes e a natureza, estão clamando, o clamor dos ceifadores, dos povos indígenas, dos quilombolas, dos pobres, dos trabalhadores, das trabalhadoras, das mulheres, das crianças, chegou aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Vocês viveram na terra com luxo refinado; engordaram seus corpos para o dia da matança. Oprimiram e mataram o inocente, cobriram de lama sua vida, sua casa, seu rio, seu mundo, sem que ele pudesse defender-se”.