Por Raquel Dantas – Comunicadora Popular do FCVSA/ASA pela Cáritas Regional Ceará e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
A comunicação é algo tão natural da nossa lógica de funcionamento humano e tão intrínseca a nossa existência em sociedade que dificilmente percebemos as várias limitações que se apresentam a nós, cidadãs e cidadãos, no seu exercício.
Afinal, estamos nos comunicando a todo instante. Talvez por isso seja difícil, a princípio, identificar a comunicação no rol dos direitos básicos e fundamentais como outros que facilmente surgem a nossa cabeça quando pensamos sobre eles ou nos dispomos a reivindicá-los. A noção de direito denota algo que precisou ser caracterizado como tal para que pudesse ser garantido a todas e todos. Ou seja, um aspecto da vida social que claramente coloca em cheque a dignidade e a justiça entre os cidadãos se for reservado a uns e a outros não. Apesar de ser um desses direitos, a maior parte de nós não compreende a comunicação como tal. E, consequentemente, não identifica como ele pode ser violado. Se você não sabe que tem um determinado direito, como você saberá que ele está sendo violado? Essa é a premissa!
Você pode matutar aí com seus botões que liberdade de expressão e acesso à informação caracterizam o direito à comunicação; e ficar tranquilo considerando que esses dois aspectos são facilmente resolvidos se você consegue falar o que pensa e tem meios de comunicação aos quais pode recorrer, conforme as suas escolhas, que lhe garantam o conhecimento sobre os fatos do mundo. Tudo bem se não houver barreiras para isso. Mas você fatalmente tem. E não se “preocupe” que não é exclusividade sua. Seus amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho, assim como eu, também estamos na mesma.
Liberdade de expressão é um termo lindo (se não avançarmos sobre a dignidade do outro) e essencial para qualquer sociedade que se preze democrática. No entanto, ela está bem além da capacidade natural do alcance das nossas vozes. Por quê? Porque nossas diferentes visões de mundo, nossas múltiplas características culturais, nossos diversos grupos sociais, todos devem estar representados nos meios de comunicação de massa. Falo daqueles que chegam às casas de praticamente todos os brasileiros e que são espaços públicos, concedidos pelo Estado para que empresas operem: o serviço de radiodifusão – rádios e tvs.
Eu e você devemos ter mecanismos para expressar nossas opiniões no mesmo patamar de alcance desses grandes meios. Só que você talvez não consiga espaço nos já existentes. Muita gente nunca vai conseguir. Podemos ter conhecimentos técnicos para montar uma TV ou uma rádio, por exemplo, mas talvez nos falte grana. E o principal: se não formos política ou economicamente influentes, o Estado não nos dará autorização para que tenhamos nosso próprio veículo. Ou vamos enfrentar muita burocracia e tempo para conseguir, quem sabe, uma autorização para montar uma rádio comunitária que não vai poder chegar a 1km de raio do ponto de transmissão. E se inventarmos de tentar sem permissão, vai ter polícia levando equipamento, multa e até prisão. A tentativa de exercer o direito de falar, nesses casos, é tratado como crime. Mas quando um veículo de grandes proporções (como a maioria) comete um erro, como por exemplo, criminalizar publicamente alguém sem esta tenha cometido de fato um crime, essa pessoa não tem mecanismos acessíveis para fazer com que o veículo seja responsabilizado e fazer com que todo mundo tenha a possibilidade de saber que houve uma injustiça. Você sabia que isso deveria ser garantido? É só pensar que poderia ser com você.
Um morador de rua, muito provavelmente, também não poderá fazer sua voz ser ouvida no jornal, porque não será entrevistado numa matéria sobre direito à cidade. Terão como fontes um especialista, um acadêmico e um pedestre que tem onde morar. Também vai ser difícil algum programa de TV querer saber o que um jovem da periferia pensa sobre a violência e se ele concorda ou não com a redução da maioridade penal. O silenciamento de alguns grupos ou indivíduos é uma forma de criminalização. É lhe negar o direito à expressão, e muito mais. Lhe negar o direito à própria cidadania, já que sem representatividade você não existe para reivindicar um espaço na sociedade. Isso também caracteriza o direito à comunicação.
O acesso à informação é outro aspecto caro numa sociedade que respeita os cidadãos e zela por sua participação política. Infelizmente, grandes grupos – que possuem praticamente todos os meios – falam a partir de um mesmo patamar social, econômico, e até com lentes políticas muito semelhantes. Como saber algo que está fora dessas zonas de interesse? Afinal, quem tem poder tem informação a guardar para preservar seu status.
Ok! Mas tem também a internet que dá a possibilidade de acesso livre às informações. Mas quem disse que o acesso é fácil? Você sabia que metade dos brasileiros não tem acesso à internet? Pois é. E até você que tem como pagar um plano de internet caro e está acessando esse conteúdo agora, sabe que o seu acesso é bem aquém do que deveria ser. Não é? Fora isso, nosso uso da rede está dominado por grandes empresas como o Google e o Facebook que monitoram por onde navegamos, armazenam nossos dados, e ainda limitam o que temos acesso pelo nosso poder de compra e pelo ranking de coisas que foram pagas para estarem no topo da lista das buscas online sobre qualquer assunto que você procure. O mundo é muito mais plural do que a nossa timelime e há muita coisa no mundo virtual e na vida fora da internet que nos diz respeito e a gente não faz a menor ideia.
A não ser que você seja amiga ou amigo do dono de uma emissora de TV ou rádio; um político influente amigo do dono; ou que você mesmo seja dono ou dona de um grande veículo de comunicação, o seu direito à comunicação também está sendo violado. Apesar de tudo o que nos cerca na atualidade estar tão mergulhado no mundo da informação, isso não quer dizer que temos igualmente acesso a variados meios, e que esses meios estão nos oferecendo informação de qualidade; que conseguem representar nossa pluralidade de vozes; que temos como obter informação variada sobre os mesmos temas para que possamos chegar a nossas próprias conclusões sobre o que é de interesse público; que estejamos usando o incrível potencial revolucionário da internet em prol da evolução da sociedade e do bem comum; que as comunidades rurais e as periferias estejam se apropriando do seu direito à comunicação e fazendo seus próprios veículos alternativos; que a mulher negra consiga se defender do racismo e machismo das propagandas de cerveja. Em tudo isso e muito mais, a informação tem um potencial de grande impacto: transformar consciências. Conhecer é deixar de ser alheio a algo. Quando se trata de alguma coisa que lhe diz respeito, é ter nas mãos a possibilidade de agir, reivindicar. E reivindicar é nada mais do que exercitar a cidadania. Essa ilusão do conhecimento que nos deixa alheio ao nosso direito à comunicação sempre servirá a alguém.
Na Semana em que comemoramos o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação, lanço a pergunta por todos os meios que consigam chegar até você: como seria nossa sociedade se deixássemos de ser alheios ao nosso direito à comunicação?