Por Marcelo Barros e Pedro A. Ribeiro de Oliveira
No dia 7 de setembro, quando o Brasil comemora o aniversário da proclamação da sua independência, as organizações e movimentos populares se juntam para promover o Grito do/as Excluídos/as. Criado por iniciativa da Igreja Católica, o Grito é um contraponto ao ufanismo da parada militar e civil do Dia da Pátria e já está em sua 23ª edição. Com criatividade, bom humor e senso crítico, ele vem mostrar a realidade brasileira vista pelo avesso – a realidade dos excluídos e excluídas do banquete do mercado.
Neste ano a presidência da CNBB pediu aos bispos que promovessem em suas dioceses um dia de oração e jejum pelo Brasil sugerindo a data de 7 de setembro. Essa coincidência da oração e jejum no mesmo dia do Grito não deve ser interpretada como uma alternativa para atender o gosto de cada pessoa, como se quem reza não devesse gritar, e quem grita não devesse rezar. Todos nós que buscamos viver como seguidores e seguidoras de Jesus sabemos que oração, em vez de se contrapor à ação, deve provocar a ação do amor despertado por ela. O próprio Evangelho mostra Jesus retirando-se para orar antes de fazer seus grandes gestos de anúncio do Reino de Deus.
A Bíblia traz uma coleção de orações do povo de Deus: o Livro dos Salmos. Muitos deles alternam na mesma oração versos dirigidos a Deus e palavras à comunidade, assim como também denúncias e acusações aos opressores. Treze salmos nem são dirigidos diretamente para Deus. São gritos de oprimidos contra seus opressores (P. ex: os salmos 2, 13, 52 e 73). Esta é a espiritualidade ensinada pelos profetas bíblicos: nunca separar a oração do grito dos oprimidos. Quando a oração é reduzida ao culto, Deus fala pela boca dos profetas: “Eu rejeito as liturgias e festas de vocês. Tenho horror à fumaça dos incensos” (Is 1, 10 ss). “Eu detesto as festas que vocês fazem. As celebrações não me agradam se o direito e a justiça não escorrerem como água e se tornarem uma corrente poderosa” (Am 5, 21. 24).
Na volta do exílio da Babilônia, um discípulo do profeta Isaías resume isso em uma oração que diz: “Por causa de Sião, não me calarei. Por causa de Jerusalém (do povo), não ficarei quieto, até que a justiça surja como a aurora e a salvação brilhe como uma lâmpada. (…). Sobre tuas muralhas, Jerusalém, coloquei guardiães. Sentinelas para vigiá-las. Dia e noite, eles não se calarão. Vocês que estão lembrando as promessas do Senhor (vocês que rezam), não descansem e não deixem Deus descansar até que ele restaure o seu povo” (Is 62, 1. 6- 7).
Na realidade brasileira de hoje, podemos dizer que esses profetas de Deus que não se calam até que a justiça seja restaurada, são os movimentos e pastorais sociais que vão às ruas no Grito dos Excluídos. Nossa oração não pode ser a um Deus tapa-buraco, invocado para resolver nossos problemas. Ele não anda esquecido do Brasil e nem precisa que o lembremos de suas obrigações. Certamente, somos nós e nossos governantes que não estamos cumprindo nossos deveres de praticar a justiça e a solidariedade com quem sofre. Não vale calar-se diante dos poderosos e depois pedir a Deus que venha corrigir os erros e maldades que eles cometem.
Não podemos propor oração e jejum no dia 7 de setembro sem deixar claro que é para preparar o Grito dos Excluídos. Caso contrário, seria desmoralizar a oração, voltando a fazer como os antigos sacerdotes e escribas do templo um tipo de oração que Jesus criticou. Propor oração sem inserir-se no meio dos pobres e de seus gritos por justiça seria como usar o nome de Deus para fins malignos, como foi tirar uma presidente legítima e colocar em seu lugar um grupo que, sob a fachada das privatizações, está vendendo a Pátria às grandes corporações. Seria também ignorar o apelo do Papa Francisco: “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”. (A Alegria do Evangelho, 49).
Neste 7 de setembro, nossa oração deve se dar em dois tempos: um tempo de recolhimento, à escuta dos apelos do Deus dos Pobres, e um tempo de caminhada orante em companhia dos movimentos Populares no 23º Grito dos/as Excluídos/as que tem como tema “Vida em primeiro lugar!” e como lema “Por direitos e democracia, a luta é todo dia”.