Por Sandra Quintela*
De maneira cada vez mais explícita, o Estado e os governos cumprem o papel de responder aos interesses do mercado e abrem mão de garantir direitos à cidadania. As elites definem as políticas públicas, desenham o uso dos recursos públicos, orientam sobre o que o Estado e os governos devem ou não fazer. É sob esse modelo que se aprofunda no país a desigualdade sócio-econômica, em níveis de gravidade diretamente relacionados às condições de raça e de gênero.
Não à toa, recentemente, uma pesquisa realizada pela organização Oxfam revelou que seis brasileiros brancos detêm uma riqueza igual a 100 milhões de conterrâneos mais empobrecidos. Isso mesmo: a proporção é de 6 para 100 milhões. Segundo dados do Ipea, da pesquisa “Retratos da Desigualdade de Gênero e Raça no Brasil”, de 2017, a população branca no Brasil tem uma renda média mensal de R$ 1.572. Já a renda da população negra é de R$ 831 por mês.
Quando pegamos os dados do Ipea sobre famílias chefiadas por mulheres no país (40% das famílias brasileiras), as chefes de família negras com renda de até um salário mínimo representam 67,7 % do total. Aquelas que são negras e ganham até três salários mínimos representam 93% do total. Imaginemos então o impacto sobre essas famílias das contrarreformas e da Emenda Constitucional 95 — legislação que prevê o congelamento dos gastos para os próximos 20 anos. Essas medidas vão agravar muito a situação já de acentuada fragilidade social e econômica dessa população.
Historicamente, as mulheres têm tido uma participação decisiva na integração e no desenvolvimento de suas comunidades e sociedades, como também nos processos de resistência aos processos de exclusão, desenvolvendo iniciativas criativas de produção do viver.
Nem por isso as mulheres têm sido reconhecidas como protagonistas nas ações de enfrentamento às crises econômicas e às novas faces da pobreza que se apresentam para grande parte da população dos países empobrecidos do mundo. Na América Latina, em especial, os indicadores de empobrecimento e de feminilização da pobreza ainda são gritantes.
A inaceitável realidade concreta nos exige, especialmente às mulheres, sabedoria para enfrentá-la. Precisamos desenvolver mais a nossa capacidade de articulação política, temos de estudar mais, devemos planejar mais e fazer projeções de médio e de longo prazo. É imenso o desafio das mulheres diante de uma realidade tão dinâmica, complexa e desafiadora.
*Sandra Quintela é economista e da rede Jubileu Sul Brasil