Nos dias 22 e 23 de maio, representantes de diversos movimentos sociais, haitianos e haitianas residentes no país, moradores dos complexos Alemão e Mare (Rio de Janeiro), redes, partidos políticos, se reuniram no Seminário Nacional sobre o Haiti: Construindo Solidariedade, em São Paulo. O seminário aconteceu dentro do marco da campanha pela soberania dos povos haitianos e pela retirada imediada das tropas da MINUSTAH, que há 11 ocupa o país, sob o pretexto da estabilização.
Durante os dois dias foram feitos vários debates sobre a militarização, o papel que o Brasil exerce estando à frente do comando das tropas, o legado que esta ação vai deixar para o país haitiano, como as organizações brasileiras vão apoiar o Haiti, além de contextualização feita por professores e pelos próprios haitianos presentes no evento.
Num dos momentos, Cláudia Favaro, da Resistência Urbana e integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o haitiano Alix Georges, representante dos haitianos que estão em Porto Alegre formaram uma mesa. Alix falou sobre a urgência de se retirar as tropas do Haiti. Contou sua história. “Eu me arrependo de ter lutado contra o presidente [Jean-Bertrand Aristide, então presidente do Haiti]. Eu estava lutando por um Haiti melhor e não para que meu país tivesse uma ocupação militar. Hoje eu tenho mais clareza do momento e das consequências disso”, falou.
Alix falou sobre sua experiência durante o Golpe de Estado no Haiti e ocupação militar. Também descreveu sua experiência no Brasil. Muitos de seus companheiros enfrentam o problema da falta de moradia. Um exemplo recente foi a ameaça de despejo contra a ocupação Progresso, que abriga cerca de 50 famílias haitianas. A ordem de despejo foi suspensa. Mas o problema de moradia segue afetando aos haitianos que chegam ao Brasil.
Uma visita à Igreja da Paz, em São Paulo, mostrou bem esta situação. No salão da Igreja, dezenas de pessoas se acomodavam no chão. Um ônibus vindo do Acre os transportou até São Paulo. Os participantes do seminário ressaltaram que é preciso tomar encaminhamentos que garantam os direitos migratórios dessa população.
Dentre o muitos encaminhamentos tirados para o fortalecimento da campanha estão: ensino do português, acesso à educação, questão migratórias, políticas de trabalho, documentações, materiais de divulgação (cartilhas, vídeos, folders) que possam circular tanto no Brasil e, sobretudo, no Haiti, sobre as condições em que vivem os haitianos no país brasileiro, apresentações culturais, ações concretas para datas significativas, foram algumas das propostas apresentadas pelos grupos.
Maré, Alemão e Haiti: militarização e criminalização
Por que não se fala nas escolas sobre a revolução do Haiti? Nos falam sobre a revolução francesa, americana, sobre outras. Sabe porque? Para que a gente não se espelhe na revolução de vocês!”. A fala é do fotógrafo Bira Carvalho, morador no complexo da Maré, feita no dia 22 de maio, durante o Seminário.
Bira fez menção à força haitiana que levou à frente sua revolução popular pela independência do país, que hoje está ocupado há 10 anos pelas tropas da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah), cuja população sofre com os efeitos da militarização, com diversos direitos violados.
“O que tem de semelhante nisso tudo é fruto de uma sociedade racista, escravocrata. O que acontece é reflexo de tudo isso”, disse o fotógrafo no momento dedicado a depoimentos dos participantes dos complexos do Alemão e Maré, e dos haitianos que estão vivendo aqui no Brasil.
Gisele Martins, moradora da Maré explica que é cada vez mais difícil ser fotógrafa e comunicadora dentro das favelas, pois denunciar, divulgar o que de fato está acontecendo com o processo de militarização nos complexo é motivo de perseguição. “Ser fotógrafa e comunicadora não é mais a mesma coisa deste a ocupação dos militares. Agora mais que nunca temos que nos fortalecer com esse anúncio de que as forças militares e que as UPP vão assumir”, disse.
De acordo com ela, para fazer qualquer atividade é necessário pedir permissão do Batalhão e, além disso, conviver com os tanques cruzando as vias a todo instante.
Da parte do Haiti, Fedo Bacourt, da União Social de Imigrantes Haitianos (USIH) falou sobre as consequências da militarização, que compromete seriamente a independência do país e da população haitiana. “Está muito claro que o Haiti não precisa de militares. Queremos um país soberano e livre”.
A mesa teve em comum o tema da militarização e como as populações precisam articular formas de resistências.
Por Rogéria Araujo, Rede Jubileu Sul Brasil