por Rosilene Wansetto*
Vivemos uma profunda e intensa mudança de época, de paradigmas e das formas tradicionais de ver e de analisar o mundo, é assim que o texto base da CF/2013 inicia a reflexão neste ano e tem a juventude como tema. Neste ensaio quero convocar a todos a refletir sobre a realidade vivida pelos jovens pobres, que vivem nas nossas periferias, negros ou brancos, que sofrem no cotidiano de suas vidas a violência e a criminalização. E ao mesmo tempo contribuir na reflexão sobre o Estado que temos.
A violência sofrida pelos nossos jovens se dá de diversas formas, seja pela ausência de políticas públicas ou pela presença violenta e repressiva do Estado. As mudanças de valores e de sentido de vida realmente expõem nossos jovens a situações de vulnerabilidade, isso ocorre devido a fragmentação da própria sociedade alicerçada em grande medida pelo consumo, pelo mercado e pelas parcas condições de vida oferecida. O que é mais grave é a forma como o Estado age com nossos jovens que estão expostos as vulnerabilidades sociais, muitas vezes provocadas pelo próprio Estado, com a ausência de políticas públicas (o desemprego, a ausência de vagas nas escolas e universidades, violações de direitos de diversas ordens, remoções forçadas e despejos, etc.).
As mudanças sociais, políticas, econômicas, culturais realmente podem gerar na juventude atitudes e consequências que os levem a desestruturação, mas a ausência de políticas públicas, que é uma responsabilidade do Estado, pode ser o principal fator de desestruturação e gerador de violência.
Quando vemos os noticiários – televisão e jornais – os jovens têm aparecido em evidencia, seja como protagonistas de violência ou como sofredores da violência. Neste caso devemos antes de tirar conclusões olhar o gerador dessa situação, muitas vezes as desigualdades socioeconômicas e culturais expõem nossos jovens a grande nível de vulnerabilidade. Quando analisamos os dados percebemos que a população jovem negra é de mais de 70% e mais de 30% dos jovens brasileiros estão na faixa de até meio salário mínimo. Isso nos evidencia uma enorme desigualdade social e de distribuição de renda. E aproximadamente 2 milhões de jovens vivem em favelas ou moradias inadequadas, destes 66,9% são negros e 30,2% vivem com até meio salário mínimo.
Por isso, quando no início nos referimos aos jovens negros e pobres como os mais vulneráveis no quesito violência e a criminalização partimos desses números. Pois o jovem pobre quando vai fazer uma ficha de trabalho e dá o endereço da favela já é em parte descartado pelo mercado e quando mora na favela e é negro, a situação da descriminalização é ainda maior, é descartado. Fica cada dia mais evidente a ‘ditadura’ da brancura e do ser e ter disfarçada em nossa sociedade, que anuncia ao mundo que aqui não tem racismo e o quanto somos um povo pacato, ordeiro e acolhedor.
Nesta mudança de época, só a violência e a criminalização dos jovens não mudou, haja vista os dados do Mapa da Violência de 2012 que indica que enquanto a taxa de mortalidade total da população brasileira caiu, a dos jovens subiu puxados pelos homicídios (entre os jovens esse percentual é de 40%, já entre a população não jovem é de 2%). Os homicídios (leia-se assassinatos) subiram consideravelmente entre os jovens negros 135% e pardos 122,8%, já entre os jovens brancos ficou em 63,9%, conforme o texto base da CF/13 nos chama a atenção, para cada jovem branco morto, em média, morre dois jovens negros e pobres.
Essas taxas refletem a necessidade de repensar o Estado e a sua política pública para os jovens, mesmo que tenhamos dados passos nestes últimos anos com a aprovação de Estatutos da Juventude, por exemplo. Tenho certeza, que estas são iniciativas importante, porém não basta!
Não é através do aparato policial que essas taxas serão revertidas ou mudadas, não queremos mais ver nossos jovens morrendo. Sabemos que muitos jovens estão no tráfico, nas drogas, e cometem diversos outros crimes. Mas antes de apontarmos o dedo condenando um jovem, devemos nos perguntar o que nossa sociedade, nosso Estado, nossa Igreja tem oferecido de fato para mudar essa realidade?
O Estado pela sua forma é detentor do poder das armas conforme define Hobbes, por isso sua forma de agir é através da repressão, porém somos sabedores que há outra face deste Estado, o que pode oferecer políticas publicas para os jovens e para todo o seu povo. Queremos um Estado que se desenvolva para o seu povo, invista nas pessoas, e não gaste quase 44% do seu orçamento anual com o pagamento de dívidas (seja ela externa ou interna), como tem sido o caso brasileiro nestas ultimas décadas. Ou ainda financiando empresas privadas com dinheiro público, e ao povo resta a conta.
Quando observamos os investimentos em políticas públicas seja para a juventude ou nos direitos de modo geral, a pizza do orçamento pouco se altera ano após ano. Em 2012 o governo brasileiro gastou 43,98% (R$ 752,93 bilhões em amortizações e juros da dívida interna e externa – dívida publica), que significaram R$ 45 bilhões a mais do que foi gasto em 2011 e que beneficiam aproximadamente 10 mil “credores” da dívida (especuladores, bancos,…). Em dezembro de 2012, a dívida interna bruta alcançou R$ 2,823 trilhões, e a externa US$ 441,757 bilhões – o endividamento brasileiro é maior que R$ 3 trilhões. Isso tudo para dizer o quanto é necessário reverter a ordem de prioridade, a prioridade deve ser as políticas públicas, casa, transporte, trabalho, saúde, educação, seguridade social, cultura, saneamento, etc., investir em políticas sociais não é um atraso, mas ao contrário, é desenvolver, é crescer, é respeito a vida e a dignidade.
Queremos um Estado a serviço da nação, de nossos jovens, não um Estado violento, repressor e criminalizador. Queremos nossos jovens, negros, pardos, brancos, pobres vivos e construindo essa sociedade justa e fraterna e vivendo e sendo protagonistas do presente, sonhando com o futuro, construindo o projeto popular. Basta de violência contra nossos jovens. Basta de extermínio.
*Cientista Social e mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP, membro da Comissão de Formação do Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP), e da Rede Jubileu Sul Brasil.