Por Ivo Poletto | Assessor do FMCJS
Estamos chegando a mais um 22 de abril. Para nós, brasileiros e brasileiras, é data que relembra o descobrimento de nosso território por colonizadores europeus, e por isso o encobrimento de que a existência do Brasil significou a usurpação dos territórios de vida dos povos originários e da negação de suas formas de vida, suas culturas, línguas, religiões. O Brasil nasceu de práticas fundadas numa interpretação fundamentalista radical e absoluta da cultura ocidental europeia e da forma de cristianismo submetido, usado e que usava o poder do estado imperial. A negação do diferente foi absoluta, como foi absoluta a afirmação do “direito imperial” ao território descoberto e à submissão de seus povos aos seus interesses. Como afirmaram representantes das elites colonialistas, estes povos deviam agradecer pela oportunidade oferecida de serem seus escravos, porque assim de alguma forma iniciavam o contato com a única civilização e religião verdadeiras!
Não é mera coincidência a semelhança com a atual leitura fundamentalista radical e absoluta da forma neoliberal e globalizada do sistema capitalista, da civilização assentada sobre a imposição só aparentemente democrática do pretenso direito absoluto à livre iniciativa econômica, legalizado em processos controlados e a serviço de seus interesses. O processo de concentração da riqueza, via apropriação de territórios, de controle dos preços mundiais de commodities, de criação autônoma de artifícios de crédito, dívidas, juros, que hoje submetem até a gestão de recursos públicos dos Estados nacionais, tem suas raízes no capitalismo já existente no século XVI, que muda de forma, mas mantém seu dna: ser sempre vitorioso nas relações de concorrência, anulando concorrentes, tornando-se sempre mais rico e poderoso.
A lentidão dos navios que trouxeram pessoas e armas para ocupar o “novo mundo” nos ajuda a compreender a diferença com os processos atuais: estamos perto da realização do desejo máximo dos vitoriosos na “livre” iniciativa capitalista, o de anular o espaço e o tempo na realização das operações de geração de riqueza. Se na produção e venda de produtos reais ainda há alguns problemas, a circulação financeira já torna imediatos os processos de especulação, com poder de quebrar até países cada vez mais poderosos – os europeus reincidentes na colonização, por exemplo – para impor mais juros, mais e mais ganhos.
É por isso que a cada ano diminui o número dos super-ricos que controlam riqueza igual à da metade de população mundial. Em 2015 já eram apenas 62. Hoje, com certeza, o número é menor.
Então, nesse ambiente mundial de dominação, que no Brasil se expressa na imposição de governantes que submetam o país a esses interesses mundiais através de processos de impedimento da presidência eleita sem fundamentos legais, O QUE SIGNIFICA A CELEBRAÇÃO DO DIA DA TERRA?
Se depender dos responsáveis pela política federal atual, poucos motivos de festa. E se olharmos os que ameaçam chegar ao poder via golpe parlamentar, menos ainda. O que vale é a consciência popular, das entidades da sociedade civil e pastorais/igrejas, que tem avançado e estão cada dia mais empenhadas em conseguir as mudanças estruturais necessárias para salvar a vida na Terra e a vida da própria Terra.
Por outro lado, vale, sem dúvida, que todas as forças que amam a vida da Terra e na Terra se somem para exigir duas medidas do governo federal: 1) que ratifique imediatamente, a partir do dia 22, o Acordo de Paris; 2) que coloque em prática os compromissos voluntários já anunciados, e, de imediato, abra processo participativo para avançar nas medidas que o Brasil implementará para ajudar a Terra a diminuir o desequilíbrio causado por ações humanas lideradas pelo sistema econômico neoliberal que domina e estraga a vida da humanidade, dos demais seres vivos e de todas as energias da natureza. Está mais do que na hora de tomar tento, como fala nosso povo, e assumir que o Brasil pode e deve, sim, fazer mais e muito melhor em favor da vida.
Viva a Terra! Salvemos a vida da Terra e na Terra!