“As reivindicações podem ser resumidas no canto popular: ‘Da copa, da copa eu abro mão, quero o dinheiro para saúde, moradia e educação’”, diz membro do Comitê Popular de Atingidos pela Copa – COPAC.
As manifestações que ocorreram em Belo Horizonte nos últimos dias, especialmente na quarta-feira, durante jogo do Brasil e Uruguai pela Copa das Confederações, demonstram que “a realização dos megaeventos está sendo feita em detrimento de prioridades públicas no nosso estado”, diz Rafael Bittencourt na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, “todas as manifestações se dirigiram em direção ao Mineirão e ao chamado território Fifa, um espaço na cidade que está privatizado, para tentar conter esse bloqueio colocado pela força de segurança pública”.
De acordo com Rafael Bittencourt, após terem sido recebidos pelo governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia, para discutir as manifestações da última semana, o COPAC e a Assembleia Popular Horizontal serão recebidos novamente na próxima semana para apresentar as pautas política dos movimentos, que incluem temas como saúde, educação e moradia. “Há um consenso estabelecido em torno da questão do transporte, ou seja, a redução do preço da passagem de ônibus em Minas Gerais e região metropolitana, passe livre no âmbito do estado, e revisão dos contratos de concessão do transporte público”, informa.
Rafael Bittencourt é membro doComitê Popular de Atingidos pela Copa – COPAC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que avaliação faz das manifestações que estão acontecendo em Belo Horizonte?
Rafael Bittencourt – A primeira avaliação que o Comitê faz dessas grandes manifestações de massa é que elas proporcionaram uma concentração muito grande para a população mineira sobre os impactos sociais e as violações de direitos. Ficou claro que a realização desses megaeventos está sendo feita em detrimento de prioridades públicas no nosso estado. Tanto é que todas as manifestações se dirigiram em direção ao Mineirão e ao chamado território Fifa, um espaço na nossa cidade que está privatizado. As manifestações tentaram conter esse bloqueio colocado pela força de segurança pública, que quer proteger um espaço da nossa cidade para uma empresa estrangeira. As reivindicações podem ser resumidas no canto popular: “Da Copa, da Copa eu abro mão, quero o dinheiro para saúde, moradia e educação”.
IHU On-Line – Na manifestação de ontem (26-06-2013) houve confronto com a polícia? O limite estabelecido entre a polícia e o Copac foi respeitado?
Rafael Bittencourt – O Copac, na terça-feira pela manhã, publicou uma nota manifestando preocupação com a segurança dos manifestantes, e dizendo que, nossa visão, havia duas opções: ou o governo do estado autorizava a entrada dos manifestantes no perímetro Fifa, ou cancelasse o jogo de ontem, entre Brasil e Uruguai. Isso porque, se mantivessem a mesma postura de repressão aos manifestantes que desejavam adentrar o período Fifa, seria possível que acidentes acontecessem, ocasionando até alguma morte.
Diante disso, o governador chamou o Copac na terça-feira à noite para uma reunião. A ata da reunião foi divulgada e chegamos ao acordo de que haveria uma flexibilização da barreira policial: ela se manteria 300 metros acima da distância que estava se mantendo até então, e ali seria colocada uma barreira física para que os manifestantes, quando chegassem, não enfrentassem os policiais. Isso foi feito, mas não foi suficiente para conter a indignação dos manifestantes. Estiveram presente na manifestação cerca de cem mil pessoas. Alguns focos de conflito aconteceram e a polícia respondeu de forma repressiva e truculenta.
O segundo acordo que fizemos era de que a PM não iria generalizar a força repressiva a toda manifestação, mas iria se conter apenas nos focos de conflito, porque o discurso é de que os conflitos surgem com grupos menores, de pessoas mal-intencionadas. O ganho para o movimento foi que o governador aceitou receber o Copac e a Assembleia Popular Horizontal num outro encontro para discutir as pautas políticas, na próxima semana.
IHU On-Line – Vocês já têm uma pauta política para apresentar ao governador?
Rafael Bittencourt – Há um consenso estabelecido em torno da questão do transporte, ou seja, a redução do preço da passagem de ônibus em Minas Gerais e região metropolitana, passe livre no âmbito do estado, e revisão dos contratos de concessão do transporte público.
Sobre a questão da educação, propomos o pagamento do piso para os professores da rede estadual. Temos também a proposta de desmilitarização da polícia e ainda estamos elaborando os pontos mais concretos dessa proposta. Em relação à saúde, mencionamos o repasse do orçamento da saúde no estado, e ainda, em relação à moradia, a regularização fundiária das comunidades para evitar o despejo por conta das obras da Copa do Mundo.
IHU On-Line – O Copac está o questionando os gastos públicos para a realização dos eventos esportivos. Quais são as críticas?
Rafael Bittencourt – O que deixa mais nítido os gastos públicos excessivos e desvirtuados com a Copa do Mundo é a reforma do estádio Mineirão, estádio-sede da Copa em Belo Horizonte, o qual sempre foi um patrimônio público popular, tradicional, cultural da cidade de Belo Horizonte. Ele passou por uma reforma onde foram previstos R$600 milhões, mas nem sabemos calcular quanto foi gasto. Depois de ser inteiramente reformado, ele foi praticamente entregue, doado à iniciativa privada num contrato de parceria público-privada, que agora está na mão do consórcio Minas Arena. Então, foi investido recurso público para o estádio posteriormente ser doado, entregue, a um consórcio privado que irá explorar os lucros desse espaço que, até então, era público.
Outra crítica diz respeito à elitização do estádio, que foi colocado nos moldes europeus das chamadas “arenas”. Isso excluiu a maior parcela da população de Minas Gerais de ter acesso ao espetáculo do futebol, porque os preços dos ingressos foram muito altos. O próprio modelo do estádio não permite mais arquibancadas, nem uso de bandeiras como era feito até então, da forma tradicional, festiva e cultural.
IHU On-Line – Como aconteceu o processo de remoção das famílias em função das obras da Copa em BH?
Rafael Bittencourt – Ocorreram dois padrões diferentes de remoções. As remoções legais, que obedecem ao procedimento público estabelecido, e as remoções ilegais. A respeito da primeira, se evidência que as alternativas da remoção geralmente são reassentamento ou indenizações, os quais nunca são realizados de maneira satisfatória no sentido de reassentar as famílias por via de construção de novas unidades ou por via de indenização. As famílias nunca são reassentadas em condições equivalentes às moradias anteriores. Então, essas famílias geralmente são removidas e acabam sendo expulsas para as regiões periféricas da região metropolitana de Belo Horizonte. Nesse processo acontece a violação do direito à cidade, porque as pessoas são removidas dos espaços mais valorizados, onde têm acesso aos equipamentos públicos de saúde, educação, acesso ao lazer, ao transporte de qualidade.
Em relação às remoções ilegais, posso citar o caso da Vila da Paz, que em janeiro deste ano recebeu uma notificação por parte dos fiscais da prefeitura de Belo Horizonte, de que deveriam deixar a vila. Eles conseguiram mobilizar a Defensoria Pública para entrar com uma ação suspendendo essa tentativa ilegal de remoção. Essa remoção foi suspensa por ordem judicial, mas 45 dias depois houve um incêndio criminoso que destruiu mais de 15 casas da vila.
IHU On-Line – Como o Copac se posiciona diante da Lei Geral da Copa?
Rafael Bittencourt – A nossa posição é de suspensão da Lei Geral da Copa. Entendemos que ela é uma violação à soberania nacional. O Estado brasileiro não pode se submeter a caprichos, a necessidade e a imposições de uma empresa privada estrangeira. E aLei Geral da Copa tem uma série de questões que são absurdas.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Rafael Bittencourt – O Comitê já vinha trabalhando muito com denúncias em relação às violações do direito ao trabalho, em Minas Gerais. Barraqueiros do Mineirão, cerca de 150 trabalhadores informais que trabalhavam no Mineirão antes da reforma, foram expulsos e até hoje o Estado não procurou alguma alternativa para restituir o suporte de trabalho desses barraqueiros. Também tinha uma feira de artesanato no Mineirinho há mais de dez anos, com mais de 500 expositores que foram retirados para dar lugar a estacionamentos nos dias de jogo da Copa das Confederações. Até hoje o Estado ainda não apresentou nenhuma alternativa para a da continuidade da feira.
Fonte: IHU – Unisinos