A Quaresma – que se inicia na quarta-feira de Cinzas – é um tempo forte de conversão e mudança de vida, que “implica recomeçar a partir de Jesus Cristo”. Somos convidados a ter “os olhos fitos em Jesus Cristo, que, na cruz, se fez solidário aos que sofrem em nosso meio, especialmente com as injustiças. Nosso caminhar quaresmal não pode ser insensível a situações que atentam contra a dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais, como o tráfico humano” (Campanha da Fraternidade 2014. Texto-Base, 1)
Neste caminhar quaresmal de conversão e mudança de vida, a CNBB “apresenta a Campanha da Fraternidade como itinerário de libertação pessoal, comunitário e social” (ib. Apresentação). O tema da CF deste ano é: Fraternidade e Tráfico Humano e o lema: É para a Liberdade que Cristo nos Libertou (Gl 5,1).
O Texto-Base da CF 2014, de forma contundente, afirma: “o tráfico humano (ou tráfico de seres humanos ou tráfico de pessoas) é um crime que atenta contra a dignidade da pessoa humana, já que explora o filho e a filha de Deus, limita suas liberdades, despreza sua honra, agride seu amor próprio, ameaça e subtrai sua vida, quer seja da mulher, da criança, do adolescente, do trabalhador ou da trabalhadora – de cidadãs e cidadãos que, fragilizados por sua condição socioeconômica e/ou por suas escolhas, tornam-se alvo fácil para as ações criminosas de traficantes” (6).
O Concílio Vaticano II já dizia que “a escravidão, a prostituição, o mercado de mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas condições de trabalho, com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de ganho, e não como pessoas livres e responsáveis são infames, prejudicam a civilização humana, desonram aqueles que assim se comportam e ofendem grandemente a honra do Criador” (A Igreja no mundo de hoje – GS, 27).
O Documento de Aparecida fala de “um vergonhoso tráfico de pessoas” (73). O papa Francisco, numa audiência aos responsáveis do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes (CPPMI), da Santa Sé, em maio passado, condenou o tráfico de seres humanos, dizendo: “O tráfico de pessoas é uma atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas: exploradores e clientes, a todos os níveis, deveriam fazer um sério exame de consciência diante de si e diante de Deus”.
O Texto-Base (cf. 15-19) aponta as principais modalidades de tráfico humano: tráfico para a exploração no trabalho (trabalho forçado, trabalho escravo, exploração do trabalho, semiescravidão, trabalho degradante); tráfico para exploração sexual (exploração da prostituição e outras formas de exploração sexual, que utilizam-se da pornografia, do turismo, da indústria do entretenimento, da internet); tráfico para extração de órgãos (coleta e venda – muitas vezes com a utilização da internet – de órgãos de doadores involuntários ou doadores que são explorados a venderem seus órgãos); tráfico de crianças e adolescentes (por organismos internacionais e nacionais).
O tráfico humano é realmente um dos crimes mais graves e gritantes da atualidade, no mundo inteiro. Não dá para ser indiferentes. Precisamos nos unir e lutar, com todas as forças e com todos os meios possíveis, contra esse crime organizado, que é o tráfico humano: um crime que clama por justiça diante de Deus
O Texto-Base – no final da Introdução – apresenta o objetivo geral e seis objetivos específicos da CF 2014.
O objetivo geral é:
“Identificar as práticas de tráfico humano em suas várias formas e denunciá-lo como violação da dignidade e da liberdade humana, mobilizando cristãos e a sociedade brasileira para erradicar esse mal, com vista ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus”.
Os objetivos específicos são:
“Identificar as causas e modalidades do tráfico humano e os rostos que sofrem com essa exploração.
Denunciar as estruturas e situações causadoras do tráfico humano.
Reivindicar, dos poderes públicos, políticas e meios para a reinserção das pessoas atingidas pelo tráfico humano na vida familiar e social.
Promover ações de prevenção e de resgate da cidadania das pessoas em situação de tráfico.
Suscitar, à luz da Palavra de Deus, a conversão que conduza ao empenho transformador dessa realidade aviltante da pessoa humana.
Celebrar o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, sensibilizando para a solidariedade e o cuidado às vítimas desse mal”.
Que esses objetivos sejam – para todos e todas nós – um programa de vida para acabar, quanto antes, com a violência institucionalizada do tráfico humano contra tantos irmãos e irmãs nossos!
Por Fr. Marcos Sassatelli – frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG . E-mail: mpsassatelli@uol.com.br